tag:blogger.com,1999:blog-91827220828110269822024-02-20T19:41:33.845-08:00Folha de SalaUnknownnoreply@blogger.comBlogger92125tag:blogger.com,1999:blog-9182722082811026982.post-3045817578119246042011-07-06T15:06:00.000-07:002011-07-06T15:18:28.878-07:00Rui Effe - Quase Nada<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhhW8hn4QOl4z3jthxL6z3AFxfGjBEEpVK7u9xhZ_lNK5rnOJlyT0sCbgB1YCnV5KumCRKiywRdvjUy8tuvCReUC49PZbkoKGWrj6CwoLVog9uBkKlrklKFaAVdW3Dw0EA03T1J1O2_p_A/s1600/tempo.jpg"><span style="color:#ffffff;"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 400px; DISPLAY: block; HEIGHT: 225px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5626366812644115602" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhhW8hn4QOl4z3jthxL6z3AFxfGjBEEpVK7u9xhZ_lNK5rnOJlyT0sCbgB1YCnV5KumCRKiywRdvjUy8tuvCReUC49PZbkoKGWrj6CwoLVog9uBkKlrklKFaAVdW3Dw0EA03T1J1O2_p_A/s400/tempo.jpg" /></span></a><span style="color:#ffffff;"><br /></span><br /><div><span style="color:#ffffff;">Existem lugares vazios onde se sentem vestígios de uma vivência. Por outro lado, existe também o seu contrário: lugares cheios de coisas onde não se sente vida. São como simulacros de algo que não chegou a acontecer, espaços a que pode dar-se o nome de “não-lugares”, pegando na referência do antropólogo francês Marc Augé. A ideia de “não-lugar” deriva de preocupações sociológicas e urbanísticas, e tem sido desde os anos 70 mote para reflexões que chegam à filosofia e à arte contemporânea. No fundo, é uma oposição à noção sociológica de lugar e à ideia de um espaço relacionado com o tempo e com a história. As cidades estão repletas de espaços assim e exemplos destes são os aeroportos, os terrenos após uma demolição, as obras embargadas, os supermercados e zonas de passagem.<br />De acordo com teorias recentes, os não-lugares não estão totalmente desprovidos de propósito ou memória. No fundo, o espaço transforma-se e assume a acumulação de outros significados sociais. Entre a perda do espírito inicial e a aquisição de novas funções económicas, sociais ou culturais, fica um espaço de leitura complexa, a que se junta a percepção alterada pelo tempo. É neste limbo que Rui Effe situa a sua exposição “Quase Nada”. Pode um museu ser um não-lugar? A Casa-Museu Marta Ortigão Sampaio de casa pouco teve pois nunca chegou a ser habitada. Não foi cenário de tristezas nem alegrias. No entanto, está cheia até ao tecto com obras de arte, móveis, jóias e objectos de uso quotidiano pertencentes a alguém que nunca aí viveu. Em “Quase Nada”, Rui Effe planta interrogações ao visitante e impossibilita o acesso às respostas. As suas esculturas, vídeos e instalações são afirmações de uma presença, mas neste caso é a presença de uma impossibilidade. Como portais que levam a lado nenhum.<br />O discurso plástico de Rui Effe convoca a alienação do contexto de um lugar. Fala sobre o negativo da comunicação e a existência do nada. Explora o vazio que pode preencher um lugar e torna visível a forma muda de algo que desapareceu. Na instalação site-specific O Eco, com que Rui Effe intervencionou o lago do jardim, vemos a marca daquilo que já foi mas já não é: um tronco de uma árvore morta, cujo corte espelha as folhas das árvores vivas.<br />Nos espaços interiores e exteriores da Casa-Museu Marta Ortigão Sampaio, pelas suas paredes e recantos, as obras de Rui Effe ora chocam ora dialogam com as obras de pintura naturalista de Aurélia de Souza e Sofia de Sousa. Evocam a suspensão do tempo em sacos negros e a noite escura dentro de uma candeia, frente a pinturas quase esquecidas. As esculturas são presságios, objectos velados de negro como O Segredo: uma santa de madeira e açúcar coberta com um véu de nylon preto. Alusão aos mistérios da fé e entidade de abstractas premonições. O acesso negado à verdade é ainda abordado em O Mistério, uma estrutura arquitectónica exposta numa das varandas e que lembra um confessionário. Numa parede paira a Viúva: uma pá de cavar coberta por um véu de luto. É como um percurso iniciático que pode fazer-se de dentro para fora ou de fora para dentro. Enquanto numa enorme vitrina se mostra uma cidade queimada com formas construtivistas, no jardim corta-se o acesso a caminhos de carvão e criam-se percursos que não levam a lado algum nesta viagem às cegas.</span></div><br /><br /><br /><div><span style="color:#ffffff;">Miguel Matos</span></div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9182722082811026982.post-23068244470311820592011-07-01T07:07:00.000-07:002011-07-01T07:10:51.370-07:00Rui Chafes - “A matéria do meu trabalho é ferro e palavra”<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhfKcrAVCMnjWn3APFPm2ivoB4b7epz1GTyYV94ZSCHE4NUyvO7sIa0pMeM5uloWFws-t9SaCwgcASS2Y-ss2Tz6orMRvTfeCBGFvAwEj3r2fv6x9xm946KJK9594qM4PSaUMNmbvxBBz0/s1600/Rui+Chafes_Burning_in_a+forbidden_sea%252C+2011.jpg" onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 400px; height: 267px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhfKcrAVCMnjWn3APFPm2ivoB4b7epz1GTyYV94ZSCHE4NUyvO7sIa0pMeM5uloWFws-t9SaCwgcASS2Y-ss2Tz6orMRvTfeCBGFvAwEj3r2fv6x9xm946KJK9594qM4PSaUMNmbvxBBz0/s400/Rui+Chafes_Burning_in_a+forbidden_sea%252C+2011.jpg" border="0" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5624385980318437474" /></a><br /><p style="margin-bottom: 0cm"><span class="Apple-style-span" >No Museu Berardo, Rui Chafes e Orla Barry apresentam até 21 de Agosto a exposição a quatro mãos “Five Rings”. Num percurso pensado como uma sucessão de encenações dentro de uma galeria cavernícola, as peças em dueto encaminham o visitante na exploração da palavra dita, desenhada, esculpida… Um projecto que demorou dez anos para se ver concretizado e que culmina na última sala com a simbiose perfeita dos dois artistas numa instalação capaz de provocar um estado de transe. A Artes & Leilões entrou no mundo das ideias e do ferro de Chafes.</span></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><span class="Apple-style-span" ><br /></span></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><b><span class="Apple-style-span" >Um dos aspectos que atravessa o seu trabalho é a relação directa com um corpo. Mas é uma relação feita através de um vazio, de uma impossibilidade. Trata-se de um corpo impossível?</span></b></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><span class="Apple-style-span" >A escultura não é um corpo, mas é sobretudo um paradoxo em si porque é a demonstração de uma impossibilidade. Eu não acredito no objecto. Não acho que o objecto seja o fim em si mesmo. Nesse sentido, a escultura relaciona-se com a perda, com a ausência, com o lugar não habitado, mas sobretudo por eu não acreditar no objecto como insubstituível, irreparável, incontornável… No entanto ele é a única possibilidade que nós temos para demonstrar uma ideia.</span></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><span class="Apple-style-span" ><br /></span></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><b><span class="Apple-style-span" >É uma escultura orgânica?</span></b></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><span class="Apple-style-span" >Se calhar é mais óssea. Tem a ver com o lugar do corpo enquanto espaço efémero, espaço mutante em que já não existem distinções. É como uma carapaça ou um esqueleto que fica a substituir um corpo.</span></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><span class="Apple-style-span" ><br /></span></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><b><span class="Apple-style-span" >São esculturas como receptáculos “activos”, ou seja, estão à espera de serem usadas, activando uma relação com o espectador mesmo que este não as habite fisicamente?</span></b></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><span class="Apple-style-span" >O meu trabalho é a realização de um espaço utópico que nunca é preenchido. Existem excepções, como foi o caso da obra realizada em colaboração com a Vera Mantero. Nessa obra, o espaço utópico foi violado. Se correu bem ou mal não sei, mas para mim foi importante. Foi precisamente o momento em que publicamente, e de forma irreversível, eu ocupei esse espaço. Por outro lado, a Vera não tem corpo. O corpo dela é uma escultura, uma energia, uma sabedoria, uma consciência. A maior parte das pessoas que vêm o meu trabalho não se apercebe da sua relação com o corpo. Nesta exposição há a peça <span style="font-size: 11pt"><i>Three sisters listening to the sound of the earth moving through their bodies</i></span> com as medidas exactas das bacias das irmãs da Orla Barry. É uma ficção que parte de coisas concretas como as medidas de um corpo.</span></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><span class="Apple-style-span" ><br /></span></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><b><span class="Apple-style-span" >Já realizou exposições com Fernando Calhau, Vera Mantero, Alberto Carneiro, Orla Barry… O que é que acontece quando trabalha em colaboração com outros artistas? O seu processo criador transforma-se?</span></b></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><span class="Apple-style-span" >É como ir a andar e passar ao pé de abismos. Georg Büchner dizia que cada ser humano é um abismo. Quando nos debruçamos sobre ele temos vertigens. Se eu vou trabalhar com um artista estou a aproximar-me muito desse abismo. Tento sair de lá sem cair.</span></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><span class="Apple-style-span" ><br /></span></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><b><span class="Apple-style-span" >E sai-se o mesmo após contemplar o abismo?</span></b></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><span class="Apple-style-span" >Nunca se sai o mesmo. Avanço para outras coisas, abro outras portas. Transformo-me, altero-me. Se fosse para ficar na mesma não valia a pena.</span></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><span class="Apple-style-span" ><br /></span></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><b><span class="Apple-style-span" >Há uma disrupção que permite ao público olhar para a obra de cada artista de uma outra forma…</span></b></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><span class="Apple-style-span" >A questão dos públicos é muito curiosa porque dois artistas têm dois tipos de público diferentes. Quanto mais afastadas forem as suas áreas, mais afastados são os públicos. As experiências que tenho feito dividem muito os públicos. Por exemplo, quando trabalhei com o Pedro Costa havia um público do cinema e outro das artes plásticas, que nunca se tocam. Com a Vera Mantero havia a divisão entre o meu público e o público da dança e da performance. Poucas pessoas conseguem ter a elasticidade para entender as ligações. Nesta exposição há de novo um teste a essa situação e na sala final já não dá para separar as partes, é uma obra única composta pelos vários elementos e em que as valências de cada artista estão condensadas num só resultado.</span></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><span class="Apple-style-span" ><br /></span></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><b><span class="Apple-style-span" >Os seus trabalhos têm títulos que acrescentam significados. Nas obras de Orla Barry a própria palavra é objectificada e mostrada. Isto torna mais visível aquilo que sempre esteve presente?</span></b></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><span class="Apple-style-span" >Penso que sim. Esta exposição é sobre palavras – escritas, faladas… as palavras dão nomes às pedras e aparecem nos desenhos, nos vídeos… Todas as peças têm títulos e aqui a palavra tem tanta importância como tudo o resto. A matéria do meu trabalho é ferro e palavra. O poder da palavra é muito superior ao da imagem. Uma palavra pode salvar ou pode matar.</span></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><span class="Apple-style-span" ><br /></span></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><b><span class="Apple-style-span" >Os dois artistas já tinham trabalhado anteriormente. Como é que começou esta exposição que agora vemos, de que ideia partiu e como se desenvolveu a nível conceptual.</span></b></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><span class="Apple-style-span" >Isto foi uma feitiçaria… Fizemos o primeiro trabalho há dez anos na altura em que nos conhecemos, aquando de uma exposição na Bélgica que juntava poesia e artes visuais. Ficámos interessados no trabalho e na personagem um do outro. Quando fizemos a primeira peça em conjunto, começámos imediatamente a pensar num segundo trabalho que é, no fundo, um projecto imparável.</span></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><span class="Apple-style-span" ><br /></span></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><b><span class="Apple-style-span" >Foi um trabalho sem objectivo definido, como uma relação à distância que no fim poderia ou não ter uma apresentação?</span></b></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><span class="Apple-style-span" >Sim. Durante esses dez anos trocámos cartas, e-mails, faxes, telefonemas, encontros… e desenvolvemos muitos projectos, mas o essencial está aqui. A questão do tempo é essencial, porque há uma diferença gigantesca entre fazer uma exposição num mês ou em dez anos. Nesse período, uma série de dúvidas e certezas vão amadurecendo. Quando há dois anos fomos convidados por Jean-François Chougnet para fazer uma exposição no Museu Berardo, pegámos em todo o material que tínhamos e começámos a adaptá-lo às salas. Escolhemos estas galerias porque são um espaço claustrofóbico, sem janelas nem luz natural, com um tecto baixo. Queríamos espaço fechado e intimista.</span></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><span class="Apple-style-span" ><br /></span></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><b><span class="Apple-style-span" >Entendo as suas esculturas como estando relacionadas com a linguagem e função da joalharia contemporânea, sendo que o que define esta é, acima de tudo, a relação com um corpo ou a alusão à existência desse corpo. Isto acarreta noções de escala e aplicabilidade ou não das peças, para além de características ritualísticas. O seu trabalho funciona também nestas dimensões. Concorda a associação?</span></b></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><span class="Apple-style-span" >Acho que as palavras têm sempre raízes e essas raízes têm a ver com a nossa História. A escultura também tem várias raízes, naturezas e finalidades. Existe a escultura monumental, que não tem forçosamente a ver com a escala, mas sim com o seu propósito. A ideia de monumento tem a ver com uma colocação estática e com a polis. É uma escultura pesada, mesmo que seja pequena. Não se move, é monolítica. Há vários outros tipos de escultura, entre eles a escultura bárbara, que é a que me interessa. A escultura bárbara é nómada. É a faca que se transporta, o colar, a jóia, o ornamento. As minhas esculturas estão mais próximas dessa flexibilidade. Mesmo as obras de maior dimensão obedecem a uma lógica nómada, de leveza, de instabilidade, de transporte. As minhas esculturas são, de facto, próximas da joalharia, não pela sua utilização mas pela família a que pertencem – a família do ornamento bárbaro. A joalharia também é nómada e se guarda e é preciosa ao nível simbólico e material. Mas a escala e a proporção são diferentes.</span></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><span class="Apple-style-span" ><br /></span></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><b><span class="Apple-style-span" >Disse já várias vezes que acredita que a obra de arte tem um poder transformador. Não será uma ideia amplamente partilhada pela maioria dos artistas contemporâneos. Em que sentido a obra de arte ainda pode ter esse poder na vida, no pensamento e na cultura?</span></b></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><span class="Apple-style-span" >Se não tiver esse poder transformador não é arte, é outra coisa qualquer… A arte tem de ser capaz de transformar o olhar ou a vida de quem a observa. Não há arte sem transformação, é a transformação de uma coisa em outra.</span></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><span class="Apple-style-span" ><br /></span></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><b><span class="Apple-style-span" >Por isso não há arte que seja natural…</span></b></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><span class="Apple-style-span" >Sim, não há arte natural. Essa transformação não é magia. É a disciplina que o artista conseguiu para, com a sua experiência e o seu conhecimento, colocar os objectos que faz num plano semântico, simbólico, metafórico e metafísico, que muda alguma coisa nas pessoas.<b> </b>O mundo está cheio de objectos, não é preciso haver mais. A arte que é só uma ideia gira baseada em brincadeiras e gadegts não interessa. Um exemplo de um artista que consegue inverter o mundo e transformá-lo com uma pequena escala e poucos recursos é o Francisco Tropa. Ele trabalha genialmente o mundo dos pequenos nadas. Não é magia. É uma consciência muito apurada.</span></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><span class="Apple-style-span" ><br /></span></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><b><span class="Apple-style-span" >Os seus trabalhos de escultura impõem uma presença como entes ou presságios. Os ingleses têm a palavra “Omen”, que acho muito adequada…</span></b></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><span class="Apple-style-span" >Eu sei que é muito difícil escrever sobre o meu trabalho porque não existe nada parecido com ele. Portanto, não há muitos referentes conhecidos para começar a construir um discurso. Os pressupostos do meu trabalho estão ancorados em muitas coisas diferentes com distâncias no tempo e no espaço. De facto, são entes ou presenças. É um trabalho que cria uma relação obscura e ambígua com as pessoas. Eu próprio às vezes não o compreendo. Há casos em que só passados anos é que compreendo porque é que fiz determinada peça.</span></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><span class="Apple-style-span" ><br /></span></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><b><span class="Apple-style-span" >Trata-se de uma obra que não se deixa conhecer por completo. Há um lado enigmático. através do qual se opera um impacto no espectador.</span></b></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><span class="Apple-style-span" >Concordo. É um trabalho que oferece muitas resistências porque é misterioso. É muito mais da esfera do irracional do que do lógico.</span></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><span class="Apple-style-span" ><br /></span></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><b><span class="Apple-style-span" >Pratica um radical afastamento do lado mais mundano da arte e considera essa distanciação essencial para a sua vida e para o seu trabalho. Porquê?</span></b></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><span class="Apple-style-span" >Faço uma separação muito grande entre o que é a arte enquanto trabalho de pesquisa, investigação e experiência, e a minha vida. Não misturo as coisas. Essa ideia de o artista estar retirado do mundo é, para mim, essencial. Não quero nem preciso de publicidade. Ao contrário de outros artistas, recuso falar para a televisão, recuso retratos, recuso todo esse tipo de promoção e sou muito criterioso nas entrevistas. Vivo uma vida reservada, longe das imagens públicas, e assim quero continuar. Para mim a única coisa que conta é a obra, a escultura, o seu poder evocativo nas pessoas. Tudo o resto, todo o esforço de espectáculo e imposição social, é efémero e prescindo dele. É uma questão de higiene mental e emocional.</span></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><span class="Apple-style-span" ><br /></span></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><span class="Apple-style-span" >Miguel Matos</span></p>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9182722082811026982.post-62959535054530619952011-06-24T06:48:00.000-07:002011-06-24T06:55:34.478-07:00João Leonardo - One hundred and six columns, four heads and one table<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgD1Fw4h1su62fHIK0i8RmUd39lFToUxineBhLfhcyjpjNaxK4i9OmekF6I7ciXBGcIlKZXqi8Gq6vXp7pDTDdS_BKkJChxRwj2hvIdKyyAQX5sC6hqly0Ku16O-iiRMpYyD6iRu1sUKEg/s1600/JLD0422+Untitled+%2528Head+%25234%2529%252C+2010%252C+filtros+de+cigarros+encontrados%252C+base+de+carvalho+e+vidro+acr%25C3%25ADlico%252C+32x32x48+cm.jpg" onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 266px; height: 400px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgD1Fw4h1su62fHIK0i8RmUd39lFToUxineBhLfhcyjpjNaxK4i9OmekF6I7ciXBGcIlKZXqi8Gq6vXp7pDTDdS_BKkJChxRwj2hvIdKyyAQX5sC6hqly0Ku16O-iiRMpYyD6iRu1sUKEg/s400/JLD0422+Untitled+%2528Head+%25234%2529%252C+2010%252C+filtros+de+cigarros+encontrados%252C+base+de+carvalho+e+vidro+acr%25C3%25ADlico%252C+32x32x48+cm.jpg" border="0" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5621784552966299506" /></a><br /><span class="Apple-style-span" style="font-family: arial; font-size: 12px; " >João Leonardo é um artista respigador do vício mortal do fumo, o seu e o dos outros. Tem como hábito passar o tempo a guardar beatas de cigarros: as que acaba de fumar e as que encontra no chão. Com isto consegue a matéria-prima para o seu trabalho e ainda faz o favor de contribuir para a eliminação destes resíduos nas ruas, resultando na sua reciclagem em obras de arte.<p style="padding-right: 0px; padding-left: 0px; font-size: 12px; padding-bottom: 5px; margin-top: 0px; margin-right: 0px; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; padding-top: 5px; font-family: Arial, Verdana, Helvetica, SunSans-Regular, sans-serif; ">A exposição que tem patente na Galeria 111, “One hundred and six columns, four heads and one table”, é toda ela feita não de óleo ou acrílico sobre tela, não de pedra, de bronze ou ferro, nem de papel ou carvão, mas sim, de cinza, tabaco e beatas. Um ciclo de vício, prazer, morte e transformação opera-se nas mãos deste artista.</p><p style="padding-right: 0px; padding-left: 0px; font-size: 12px; padding-bottom: 5px; margin-top: 0px; margin-right: 0px; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; padding-top: 5px; font-family: Arial, Verdana, Helvetica, SunSans-Regular, sans-serif; ">Há três maneiras de olhar para a exposição de João Leonardo. Uma delas é optar pela apreciação dos aspectos formais das obras. Outra é o aspecto do processo de criação, exposto no centro da sala como se fosse um laboratório. Outro ainda está ao nível das ideias que se criam em quem observa, ao deparar com o material de que são feitas estas peças.</p><p style="padding-right: 0px; padding-left: 0px; font-size: 12px; padding-bottom: 5px; margin-top: 0px; margin-right: 0px; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; padding-top: 5px; font-family: Arial, Verdana, Helvetica, SunSans-Regular, sans-serif; ">Ao nível formal há a salientar um aspecto repetitivo e de criação de padrões em série, ou um depuramento de cores e blocos cromáticos. Isto relaciona-se com o minimalismo. Torna-se mais claro quando vemos duas caixas altas em acrílico, uma delas castanha e outra cinzenta. São, de facto, tabaco fumado e tabaco por fumar. De um lado, as folhas secas, de outro as folhas em cinza. Mas o aspecto inicial são dois blocos monocromáticos. Pode-se também falar de uma peça em que aparece milhares de vezes a frase “breathe in, breathe out”, escrita à mão e pintada por cima com nicotina em estado líquido. Ou de duas molduras onde estão composições monocromáticas feitas com beatas castanhas, brancas e até pretas que salpicam o bloco de cor aqui e além. João Leonardo vai ao ponto de pintar auto-retratos em beatas ou com extracto líquido de nicotina. Será uma identificação do autor como alguém que tanto é capaz do prazer como da morte? A busca da virtude pelo vício, como dizia o Marquês de Sade? Estes são exemplos de poesia feita em cinza e fumo. Mas a exposição não se resume a exercícios pictóricos, pois há também escultura. Leonardo cria cabeças construídas em beatas fumadas e coladas umas às outras. É o vício do fumo que cria retratos anónimos tridimensionais.</p><p style="padding-right: 0px; padding-left: 0px; font-size: 12px; padding-bottom: 5px; margin-top: 0px; margin-right: 0px; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; padding-top: 5px; font-family: Arial, Verdana, Helvetica, SunSans-Regular, sans-serif; ">O sentimento geral desta exposição traz à memória a pintura de vanitas, uma tradição europeia muito praticada na Holanda nos séculos XVI e XVII. Salientava a fugacidade da vida e o carácter efémero dos prazeres mundanos. Geralmente representava objectos de luxo e prazer, flores, frutos e instrumentos musicais, fazendo par com caveiras. A mensagem geral era um apelo à valorização do nosso tempo de vida e um sublinhar das vaidades e futilidades como passageiras. No caso da obra de João Leonardo, ela mostra os testemunhos de um momento já acabado: as cinzas de uma inspiração e os restos de um vício. Com eles cria pequenos monumentos de homenagem a um prazer que já morreu e que pouco dura de cada vez que se acende.</p><p style="padding-right: 0px; padding-left: 0px; font-size: 12px; padding-bottom: 5px; margin-top: 0px; margin-right: 0px; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; padding-top: 5px; font-family: Arial, Verdana, Helvetica, SunSans-Regular, sans-serif; ">Miguel Matos</p><p style="padding-right: 0px; padding-left: 0px; font-size: 12px; padding-bottom: 5px; margin-top: 0px; margin-right: 0px; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; padding-top: 5px; font-family: Arial, Verdana, Helvetica, SunSans-Regular, sans-serif; ">“One hundred and six columns, four heads and one table” está patente na Galeria 111 (Rua João Soares, 5-B) até 30 de Julho.</p></span>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9182722082811026982.post-13648873949560456172011-06-18T04:11:00.000-07:002011-06-18T04:22:40.758-07:00João Murillo - Promessa Cumprida a Mário Cesariny<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgjMYP5D5MqWgdCJKpuvITShm4o3jfRj9mKv4QqD9fUXknFYG9H1vq6TJObcGWTMPlWYViPoixX1Dvakb-s9_rNsJ6Qv8Gq_61Ql8yyJ1rI15fXHcnDNSKWoEzOoySOBrQ7CnRstU-qbv0/s1600/You_are_welcome_to_Elsinore%255B1%255D.jpg"><span style="color:#ffffff;"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 400px; DISPLAY: block; HEIGHT: 321px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5619517862224054146" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgjMYP5D5MqWgdCJKpuvITShm4o3jfRj9mKv4QqD9fUXknFYG9H1vq6TJObcGWTMPlWYViPoixX1Dvakb-s9_rNsJ6Qv8Gq_61Ql8yyJ1rI15fXHcnDNSKWoEzOoySOBrQ7CnRstU-qbv0/s400/You_are_welcome_to_Elsinore%255B1%255D.jpg" /></span></a><span style="color:#ffffff;"><br /><br /></span><br /><div><span style="color:#ffffff;">João Murillo é um pintor que mexe na tinta com o pincel, as mãos e o coração todo. É de sentimentos que se fazem as suas telas. Agora prepara-se para mostrar algumas delas, feitas em conjunto com um amigo que estará presente na inauguração em todo o seu espírito: Mário Cesariny.<br /><br /></span><br /><p style="MARGIN-BOTTOM: 0cm; FONT-WEIGHT: normal"><span style="color:#ffffff;"><strong>Esta exposição marca o final de um processo pessoal e artístico. Podes explicar porquê? </strong><br /></span></p><br /><p style="MARGIN-BOTTOM: 0cm; FONT-WEIGHT: normal"><span style="color:#ffffff;">Estou a fazer 25 anos de pintura e há algumas inevitabilidades para quem sente a inquietação que o leva a ser artista visual. Essa inquietação é, por um lado, factor de isolamento, mas por outro lado, de agregamento em relação a outras pessoas que sentem a mesma motivação. No entanto, nunca houve um movimento de artistas em Portugal a não ser o surrealista. Ou seja, existe muito pouca partilha e interacção entre artistas. Eu tive o privilégio de me cruzar com pessoas que levavam essa interacção aos extremos. Foi o caso do Artur Bual, com quem trabalhei durante 15 anos, e do Mário Cesariny, com quem também trabalhei 15 anos, e para além disso vivíamos na mesma rua.<br /></span></p><br /><p style="MARGIN-BOTTOM: 0cm; FONT-WEIGHT: normal"><span style="color:#ffffff;"><strong>Cesariny era a figura máxima do surrealismo em Portugal, acompanhado de perto por Cruzeiro Seixas...</strong><br /></span></p><br /><p style="MARGIN-BOTTOM: 0cm; FONT-WEIGHT: normal"><span style="color:#ffffff;">Muitas vezes o Artur Cruzeiro Seixas declarava não ter o génio do Cesariny. Em termos de artes visuais, provavelmente o Cruzeiro Seixas era mais genial do que o Mário Cesariny. O Cesariny era genial ele próprio. Há uma característica da sua obra pouco falada: não há distinção entre o artista e aquilo que ele escreveu ou pintou. Há uma fusão total. Outro aspecto importante é o facto de ele escrever sempre a sua poesia nos cafés ou na rua. Deixou de escrever quando deixaram de existir cafés.<br /></span></p><br /><p style="MARGIN-BOTTOM: 0cm; FONT-WEIGHT: normal"><span style="color:#ffffff;"><strong>É importante para ti a ideia de agregação e partilha entre artistas, mesmo que estes tenham trabalhos diferentes?</strong><br /></span></p><br /><p style="MARGIN-BOTTOM: 0cm; FONT-WEIGHT: normal"><span style="color:#ffffff;">É fundamental. Aliás, acho que hoje a grande inibição no convívio entre artistas é o dinheiro. Todos vivem obcecados com a possibilidade de forrarem mais a carteira e de terem uma conta bancária mais confortável. Eu acho que essas questões têm de estar completamente separadas do processo criativo. Não tenho nada contra os artistas que têm uma estrutura de marketing para ganhar mais dinheiro, mas isso não faz com que a sua obra seja melhor ou mais coerente. Para a velha guarda de artistas, o dinheiro era apenas uma consequência do processo e nunca interferia nos preceitos conceptuais.<br /></span></p><br /><p style="MARGIN-BOTTOM: 0cm; FONT-WEIGHT: normal"><span style="color:#ffffff;"><strong>Nesta exposição fala-se de uma época no final da década de 1990. Como é que começaste a trabalhar com Mário Cesariny?</strong><br /></span></p><br /><p style="MARGIN-BOTTOM: 0cm; FONT-WEIGHT: normal"><span style="color:#ffffff;">Quando eu conheci o Mário, ele já não pintava. Mas como ele estava sempre no meu ateliê, começou a sentir de novo a envolvência e recomeçou a pintar. Eu fui sempre visto como um par pelo Mário, não era visto como um miúdo. Partilhávamos conhecimentos e essa experiência foi muito enriquecedora para ambos.<br /></span></p><br /><p style="MARGIN-BOTTOM: 0cm; FONT-WEIGHT: normal"><span style="color:#ffffff;"><strong>São autores diferentes, sendo que o teu trabalho é claramente expressionista. No entanto, a verdade é que o expressionismo tem ligações ao surrealismo, pelo lado automático e por vezes lírico... </strong><br /></span></p><br /><p style="MARGIN-BOTTOM: 0cm; FONT-WEIGHT: normal"><span style="color:#ffffff;">Sim, especialmente para um surrealista que tem necessidade de construir e desconstruir até chegar a algo que procura transmitir. Mas o meu expressionismo foi sempre gestual. Em termos de linguagem pictórica está mais próximo do trabalho do Bual e distante da linguagem do Cesariny, embora houvesse pontos de cruzamento. O que é curioso é que no meio deste relacionamento começámos a perceber que quando o Mário pegava no meu processo e trabalhava nele, sentia-se em casa porque tinha um primário sobre o qual ele podia criar.<br /></span></p><br /><p style="MARGIN-BOTTOM: 0cm; FONT-WEIGHT: normal"><span style="color:#ffffff;"><strong>Ao longo desses anos de proximidade, surgiu um projecto em comum entre a poesia e a pintura. É o resultado desta colaboração que se mostra agora?</strong><br /></span></p><br /><p style="MARGIN-BOTTOM: 0cm; FONT-WEIGHT: normal"><span style="color:#ffffff;">Tudo começou quando eu fiz um retrato do Mário. Esse retrato estava alicerçado num poema dele que dizia: “É preciso dizer o dia em vez de dizer os anos”, no sentido de celebrarmos cada vez mais os momentos. O Mário, depois de eu ter pintado esse retrato, lançou-me o desafio de pintar os poemas dele. No meu ateliê, no verso de uma obra que tinhamos pintado os dois, estruturou um quadro que me ofereceu e dedicou, baseado no seu poema “Atelier”. Depois disso fez-me prometer que pintava os seus poemas, que seleccionámos juntos. Algumas peças fizemos em colaboração e estão assinadas pelos dois. Outras começámos os dois e eu terminei depois para cumprir a promessa que tinha feito, mas a minha intervenção afastou-as tanto do seu início que tive necessidade de esconder a assinatura dele. Seria uma incorrecção da minha parte manter a assinatura do Mário.<br /></span></p><br /><p style="MARGIN-BOTTOM: 0cm; FONT-WEIGHT: normal"><span style="color:#ffffff;"><strong>Mas não se trata apenas de um conjunto de ilustrações...</strong><br /></span></p><br /><p style="MARGIN-BOTTOM: 0cm; FONT-WEIGHT: normal"><span style="color:#ffffff;">De todo. Aí entramos numa visão que era comum aos dois, pois achávamos que a pintura vai sempre muito mais longe do que a poesia.<br /></span></p><br /><p style="MARGIN-BOTTOM: 0cm; FONT-WEIGHT: normal"><span style="color:#ffffff;"><strong>Porque esperaste tanto tempo para expor estes quadros? </strong><br /></span></p><br /><p style="MARGIN-BOTTOM: 0cm; FONT-WEIGHT: normal"><span style="color:#ffffff;">Muita gente me perguntou, aquando da morte do Mário, porque é que eu não expunha estas obras. Havia uma componente emocional: cada pessoa precisa de fazer o seu luto. E depois, sempre que alguém desaparece, existe uma série de aproveitamentos e associações que algumas pessoas pretendem fazer, principalmente quando falamos de um dos maiores vultos da cultura portuguesa do século XX. Eu não quero ser confundido com uma dessas pessoas, pois o meu maior património não é aquilo que eu vou mostrar nesta exposição. É algo que nunca vou poder mostrar a ninguém, algo pessoal e intransmissível, que são os milhares de horas de conversas e de convívio que tivemos. Não quero capitalizar a minha relação com o Mário. O que eu quero é cumprir a promessa que lhe fiz para encerrar um ciclo de memórias. Sinto que estou numa fase de mudança, tenho estado num período de balanço e introspecção em relação àquilo que quero fazer daqui para a a frente. Depois de tanto laboratório, o que eu sinto é que hoje tenho as ferramentas mais arrumadas e agora que fechei o ciclo e cumpri a promessa, está na hora de usá-las.<br /><br /></span></p><br /><p style="MARGIN-BOTTOM: 0cm; FONT-WEIGHT: normal"><span style="color:#ffffff;">Miguel Matos<br /></span></p><br /><p style="MARGIN-BOTTOM: 0cm; FONT-WEIGHT: normal"><span style="color:#ffffff;">“É preciso dizer os dias em vez de dizer os anos” está patente na Galeria São Bento (Rua do Machadinho, 1) de 18 de Junho a 31 Julho. Aberta de terça a sexta das 10.30 às 13.00 e das 15.00 às 19.30. Sábados das 15.00 às 19.30. A entrada é gratuita. </span></p></div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9182722082811026982.post-39165646321453144242011-06-16T07:21:00.000-07:002011-06-16T07:31:32.436-07:00O desenho bélico de Joana Rosa<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgQOmWriEVt4oLZmJZ2UFlgrGq0mHWS5W1bstHCh-i3MuEgj6z9svbLCmyuf8x4IGkw2nFOxgpKOPiMCKxlYcpc6NjB_Mrvwaa2xYwU94C4cvD7VMonKHfjBFHhqPv78Vx4tkSOhi4yCWU/s1600/14-JoanaRosa245x200cmmistaspapel2004SheDies%253BDonotsurvive.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 330px; DISPLAY: block; HEIGHT: 400px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5618823285268462674" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgQOmWriEVt4oLZmJZ2UFlgrGq0mHWS5W1bstHCh-i3MuEgj6z9svbLCmyuf8x4IGkw2nFOxgpKOPiMCKxlYcpc6NjB_Mrvwaa2xYwU94C4cvD7VMonKHfjBFHhqPv78Vx4tkSOhi4yCWU/s400/14-JoanaRosa245x200cmmistaspapel2004SheDies%253BDonotsurvive.jpg" /></a><br /><br /><div>“As ideias são como peixes. Se quisermos capturar peixes pequenos, podemos ficar pelas águas pouco profundas. Mas, se quisermos capturar os peixes grandes, temos de ir mais fundo.” - David Lynch<sup><a class="sdfootnoteanc" href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=9182722082811026982#sdfootnote1sym" name="sdfootnote1anc"><sup><span style="font-size:78%;">1</span></sup></a></sup><br /><br /><br /></div><br /><p style="MARGIN-BOTTOM: 0cm">Apanhar as linhas riscadas sem pensar e delas fazer desenhos pode ter efeitos perigosos e levar a descobertas inusitadas. Joana Rosa colecciona avidamente scribbles, o vulgo gatafunho que se faz de forma automática, sem se pensar no que se desenha. Colecciona os seus próprios e recolhe os que pode dos amigos e até de desconhecidos incautos. Com esses registos cria uma parte da sua obra que denota uma actividade classificatória, quase de bibliotecária, organizando estes documentos espontâneos e que aparecem sem aviso. Essa colecção gigantesca de scribbles serve de base para outro tipo de trabalhos da artista: os seus obscuros desenhos de grafite sobre papel vegetal. Os violentos, mortais e negros desenhos obsessivos repletos de armas, bailarinas, frases e rabiscos. É com eles que descemos às profundezas do inconsciente e à sujidade da grafite.</p><br /><p style="MARGIN-BOTTOM: 0cm">Joana Rosa declara o improviso como o tom geral do seu processo de trabalho. No entanto, a composição de cada desenho demonstra um planeamento espacial que, embora possa ser intuitivo, está bem presente. Joana Rosa possui um vocabulário criado por si e, com os elementos que o constituem, organiza no espaço ideias qe podem ser mais ou menos concretas. São obras realizadas em casa, frequentemente ao som de música. Aliás muitos trabalhos apresentam, escritas à mão, as letras das músicas ouvidas ou pensadas durante a sua execução. O próprio título da exposição, “My Own Army” poderá remeter para a música “Army of Me”, de Björk, em que a cantora sussurra e grita: “And if you complain once more / You'll meet an army of me”.</p><br /><div><br /><br /></div><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhmPiZPvVfAr_-2SX6tvnaNv-yObNqJyq8JrJTuvE2h2IOlNctUAycMcNgPqx2NWEaJW5en8qxZcbj6DP-HaaJFDEceCJ-bBwphSGC0vI_lAfBTN-NsK2Ghqld-ko1v09fwb4aF3WMpAwI/s1600/JoanaRosa_CacielMeetNatiel1585x915mmgraifteeaguarelaspapelarquitecto2000.JPG"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 400px; DISPLAY: block; HEIGHT: 226px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5618824521833953570" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhmPiZPvVfAr_-2SX6tvnaNv-yObNqJyq8JrJTuvE2h2IOlNctUAycMcNgPqx2NWEaJW5en8qxZcbj6DP-HaaJFDEceCJ-bBwphSGC0vI_lAfBTN-NsK2Ghqld-ko1v09fwb4aF3WMpAwI/s400/JoanaRosa_CacielMeetNatiel1585x915mmgraifteeaguarelaspapelarquitecto2000.JPG" /></a><br /><br /><p style="MARGIN-BOTTOM: 0cm">No papel translúcido, Joana Rosa acede às trevas. As suas e as do mundo que a rodeia. Faz isto acedendo à “porta mal fechada da escada que desce para as caves da torre, e que logo penetra numa escuridão onde se caminha às apalpadelas”<sup><a class="sdfootnoteanc" href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=9182722082811026982#sdfootnote2sym" name="sdfootnote2anc"><sup><span style="font-size:78%;">2</span></sup></a></sup>. É assim que René Huyghe definiu o inconsciente, o subconsciente, o subliminal, ou o que quisermos chamar ao estado em que deixamos o pensamento e o corpo fluirem sem exercer controlo sobre eles. A própria artista explica que “quando estou muito chateada desenho uma arma e ponho lá as minhas chatices, as minhas frustrações e, sobretudo o facto de haver crianças a morrer na guerra. Não posso ver crianças maltratadas. O meu exército tem a ver com isso. Estas são armas espontâneas, é a minha necessidade de combater e atacar todas as coisas terríveis e violentas que há no mundo”. Vemos nestes papéis agredidos objectos que reconhecemos como armas. No entanto, após uma observação atenta, verificamos que esses objectos não existem antes de Joana os desenhar. São bombas, armadilhas, correntes e metralhadoras imaginárias. Alguns destes mecanismos são até absurdos, mas apresentam elementos que sugerem uma função de arma. Aludem, no fundo, às imagens de conflitos e guerras que vemos diariamente na comunicação social. </p><br /><p style="MARGIN-BOTTOM: 0cm">Segundo Freud, o impulso de destruição constitui, lado a lado com a líbido, o segundo impulso básico humano<sup><a class="sdfootnoteanc" href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=9182722082811026982#sdfootnote3sym" name="sdfootnote3anc"><sup><span style="font-size:78%;">3</span></sup></a></sup>. Nas mãos de quem mata estão máquinas às quais não temos acesso mas que reconhecemos. Um gatilho, um cano, uma mira... é todo um repertório bélico que Joana Rosa recria, com o qual faz brincadeiras perigosas e que utiliza como palavras de combate em discursos de guerra. “É um exército de papel, não faz mal a ninguém. Não sou bélica, sou até muito doce”, diz a artista. São obras feias, poder-se-á dizer, de uma fealdade tal que apenas um espírito permeável aos estímulos mais contundentes se pode deixar penetrar pelas imagens e, após possuído, senti-las como redentoras. Não está nas intenções de Joana Rosa provocar repulsa com as suas violentas representações de instrumentos de morte. No entanto, é inegável que alguns receptores da imagem a possam entender como grotesca. A categorização de grotesco, neste caso, como na maior parte das vezes, é um fenómeno experimentado na recepção. “Mas é perfeitamente concebível que seja recebido como grotesco algo que na organização da obra não se justifica absolutamente como tal”, diz Wolfgang Kayser<sup><a class="sdfootnoteanc" href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=9182722082811026982#sdfootnote4sym" name="sdfootnote4anc"><sup><span style="font-size:78%;">4</span></sup></a></sup>. Não se pede ao observador uma atitude de intervenção ou interacção perante estas obras mas sim uma passividade que abra o caminho à fruição do terrível numa espécie de arte como ritual que “promove uma descida ao inferno, uma viagem ao imaginário e ao horror, mas essa viagem reconduz de novo ao quotidiano, de tal maneira que o sujeito se encontra, através do seu percurso, transformado”<sup><a class="sdfootnoteanc" href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=9182722082811026982#sdfootnote5sym" name="sdfootnote5anc"><sup><span style="font-size:78%;">5</span></sup></a></sup>. Numa obra que joga com os limites da experiência estética entre o macabro, o ameaçador e o lúdico, o inocente, dá-se o acesso ao tal “abismo que sobe e transborda” de que fala Eugenio Trías.</p><br /><p style="MARGIN-BOTTOM: 0cm">Se Joana Rosa nos surpreende com obras tão díspares (ora mostra armas, ora expõe fadas de contos infantis) é porque o seu trabalho plástico é bipolar. Entre a cor e a escuridão, oscila uma dialética de opostos. Mesmo nos seus desenhos negros, a par das armas e das bombas aparecem frequentemente e em convivência imagens de fadas e bailarinas, como delicadas amazonas nesta batalha de contrários. A presença das bailarinas é um pormenor autobiográfico e deriva de sonhos desfeitos. Com efeito, a artista fez o curso de bailarina com a ideia de conseguir chegar a trabalhar como coreógrafa. No entanto, no final dos estudos, o médico proibiu-a de dançar. Foi então que Joana Rosa seguiu para Londres e estudou escultura experimental. As bailarinas são assim representações simbólicas do sonho destruído. Já as fadas, aludem a um universo infantil do qual a artista não se consegue separar. Há, de facto, uma grande e permanente dualidade entre bem/mal, masculino/feminino, caos/harmonia, pacífico/agressivo, maquinal/orgânico... sempre nesse registo em que tudo convive em tensão no meio de um aparente caos. Apesar dos elementos fálicos, há uma delicadeza feminina, um croché de armas, uma minúcia... Os elementos destes desenhos podem ser violentos, mas a maneira de trabalhá-los é delicada e frágil, provocando perplexidades no espectador.</p><br /><p style="MARGIN-BOTTOM: 0cm">Não estamos perante um mundo onírico: estas armas não são sonhos nem pesadelos; vêm da realidade e não são o reflexo do interior da artista. São antes, e pelo contrário, a sua reacção à violência que a rodeia, num processo psicológico de transferência, ligado ao inconsciente, no qual estes sentimentos transbordam para o papel. O lado obsessivo destes trabalhos tem a ver com o carácter automático dos scribbles. Esse lado revela-se na repetição de elementos, na escrita compulsiva... Joana Rosa deixa o desenho correr através das mãos nestes desenhos que são também diários. Diários porque reflectem as preocupações quotidianas da autora, diários porque são apontamentos. Diários até porque não escondem pormenores “práticos” do momento em que são realizados: números de telefone, lembretes de tarefas, rabiscos, rasuras, receitas de cozinha... Por outro lado há o aspecto pobre do suporte sobre o qual desenha: o papel vegetal, é usado pela sua transparência e pela possibilidade de sobrepor os desenhos. O papel é amachucado, maltratado, sujeito a todo o tipo de agressões. A artista deita-o para o chão, chega até a pisá-lo ou mesmo queimá-lo.</p><br /><p style="MARGIN-BOTTOM: 0cm">Joana Rosa nunca lutou numa guerra que não seja a que se passa dentro de si. No entanto, conseguiu manufacturar um vocabulário de armas imaginárias, um desenho bélico. Estes desenhos reflectem a repressão que a artista sente no mundo. É uma violência arrumada, organizada mas nem por isso domesticada. Finalmente há que reflectir sobre um aspecto a ter em conta quando se fala dos armamentos que se impõem nestes desenhos: a arma como objecto pertencente à lista de ícones da sociedade de consumo. Dá-se assim uma aproximação à arte de carácter mais pop: a arma como ícone de uma sociedade contemporânea baseada na força e na repressão.</p><br /><br /><div id="sdfootnote1"><br /><br /><p class="sdfootnote"><a class="sdfootnotesym" href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=9182722082811026982#sdfootnote1anc" name="sdfootnote1sym"><span style="font-size:78%;">1</span></a><span style="font-size:78%;">LYNCH, David, <i>Em Busca do Grande Peixe – Meditação, Consciência e Criatividade</i>, Estrela Polar, Cruz Quebrada, 2008</span><br /></p><br /><p class="sdfootnote"><a class="sdfootnotesym" href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=9182722082811026982#sdfootnote2anc" name="sdfootnote2sym"><span style="font-size:78%;">2</span></a><span style="font-size:78%;">HUYGUE, René, <i>O Poder da Imagem</i>, Edições 70, Lisboa, 1986</span><br /><a class="sdfootnotesym" href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=9182722082811026982#sdfootnote3anc" name="sdfootnote3sym"><span style="font-size:78%;">3</span></a><span style="font-size:78%;">DOUCET, Friedrich, <i>A Psicanálise</i>, Editores Associados, Lisboa, s/d</span><br /><a class="sdfootnotesym" href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=9182722082811026982#sdfootnote4anc" name="sdfootnote4sym"><span style="font-size:78%;">4</span></a><span style="font-size:78%;">KAYSER, Wolfgang, <i>O Grotesco</i>, Editora Perspectiva, São Paulo, 2003</span><br /></p><br /><p class="sdfootnote"><a class="sdfootnotesym" href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=9182722082811026982#sdfootnote5anc" name="sdfootnote5sym"><span style="font-size:78%;">5</span></a><span style="font-size:78%;">TRÍAS, Eugenio, <i>O Belo e o Sinistro</i>, Fim de Século, Lisboa, 2005</span></p></div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9182722082811026982.post-1796151380686604282011-05-20T05:23:00.000-07:002011-05-20T05:25:34.172-07:00José Pedro Croft - “O nosso interior é uma caixa de Pandora”<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh_b0mHbnCVdinRHyePgSMHGVT_MGdjeL8PUEC3KvrVNI-Q5_DRim1999WZfIa3vdbKj8CONjNffi0BTwSH2IihyatZ-AAblRSp81QCndxP-Y3NT3zENwY0zI8N-JLupQagMKjgj4Z6yoU/s1600/Cr%25C3%25A9ditos+fotografia+_Clara+Azevedo+%25281%2529.jpg" onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 266px; height: 400px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh_b0mHbnCVdinRHyePgSMHGVT_MGdjeL8PUEC3KvrVNI-Q5_DRim1999WZfIa3vdbKj8CONjNffi0BTwSH2IihyatZ-AAblRSp81QCndxP-Y3NT3zENwY0zI8N-JLupQagMKjgj4Z6yoU/s400/Cr%25C3%25A9ditos+fotografia+_Clara+Azevedo+%25281%2529.jpg" border="0" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5608773379609553266" /></a><br /><p class="MsoNormal"><span style="font-family:Arial" >José Pedro Croft pode parecer um artista metódico e racional se atentarmos apenas na sua produção plástica. No entanto, apesar de empregar materiais pobres ou industriais, e de o resultado poder ser frio e distante da manualidade, Croft salienta a importância da intuição ligada à disciplina.</span></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-family:Arial" >As esculturas de José Pedro Croft são mecanismos que funcionam em interacção com o corpo… Apesar da referência à forma e função funerária da escultura, são obras que pedem a dinâmica de um organismo vivo, observante e em interacção dinâmica com a estrutura. É nessa dualidade constante, nesse fluxo bidireccional que se dá a troca de energias que permite à arte existir como tal. Na exposição que inaugura a 9 de Maio no Espaço Chiado 8 Fidelidade Mundial, José Pedro Croft explora noções de habitabilidade e de escala em linguagens diferentes que seguem um caminho único.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><b style="mso-bidi-font-weight:normal"><span style="font-family:Arial" ><o:p> </o:p></span></b></p> <p class="MsoNormal"><b><span style="font-family:Arial" >Desde os anos 80 que tem construído um percurso sólido e concentrado numa linguagem imediatamente reconhecível. Muitos artistas mais jovens optam pela diversificação de linguagens e temas de forma tal que muitas vezes não criam uma marca autoral. Acha que esse caminho dificulta a progressão de uma carreira no contexto do mercado da arte?<o:p></o:p></span></b></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-family:Arial" >Não sei muito sobre carreiras nem confundo o trabalho com o mercado. Acho que andam paralelamente e por vezes nem sequer se tocam. Eu acho que um artista explorar novos caminhos e novas possibilidades não só é um desafio como é estimulante, refrescante e enriquecedor. Em relação ao meu trabalho, tento ir trabalhando diferentes materiais e escalas, pensando cada exposição de maneira diferente. Cada trabalho é pensado em função do lugar e de uma ideia. Surgem outros materiais e eu estou disponível para usá-los. O que acontece é que, no momento de usá-los, me meto tão dentro deles que é impossível isso não ter uma marca autoral, uma impressão digital. Mas isso não acontece com o objectivo de ter uma linguagem reconhecível.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-family:Arial" ><o:p> </o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><b><span style="font-family:Arial" >É dos poucos artistas portugueses que conseguem realizar exposições individuais todos os anos em diversos países. Considera que a sua internacionalização é um facto consumado?<o:p></o:p></span></b></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-family:Arial" >Não. Hoje em dia, para os artistas portugueses, e para qualquer artista europeu, é normal expor e circular fora do local de produção – coisa que não existia quando eu comecei. Apesar de fazer exposições no estrangeiro, não estou integrado nos grandes circuitos nem nos grandes museus internacionais. Não estou e não é uma coisa que me preocupe.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-family:Arial" ><o:p> </o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><b><span style="font-family:Arial" >Uma faceta do seu trabalho que tem mais sucesso no estrangeiro do que em Portugal é a gravura. Em Portugal não se dá valor a esta técnica, no entanto, basta ir a Espanha para encontrar um interesse enraizado...<o:p></o:p></span></b></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-family:Arial" >A Galería La Caja Negra, que me representa em Madrid, levou o meu trabalho de gravura para a Feira de Arte do México e para a Feira de Arte de São Paulo. As minhas gravuras têm feito alguma circulação em Espanha e nas feiras internacionais em que a Galería La Caja Negra participa. Em Portugal, é um trabalho que não está valorizado, tal como há 20 anos não se valorizava o trabalho sobre papel. É uma coisa que leva tempo e também não há uma grande tradição, apesar de nos anos 50 e 60 alguns artistas portugueses terem feito um importante trabalho de exploração da técnica, sempre com condições difíceis e rudimentares. Há um grande desconhecimento sobre a gravura e as pessoas associam-na muitas vezes ao <i style="mso-bidi-font-style:normal">poster</i>. De qualquer forma, o que interessa é o processo que está por detrás, o conceito de múltiplo e a manualidade do trabalho. Muitas vezes, para mim é mais difícil fazer uma gravura do que dez desenhos.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-family:Arial" ><o:p> </o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><b style="mso-bidi-font-weight:normal"><span style="font-family:Arial" >A relação que estabelece entre o seu trabalho de gravura, desenho e escultura é de diversidade ou de complementaridade?<o:p></o:p></span></b></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-family:Arial" >Eu acho que são complementares. Tal como dentro da escultura, cada uma é complementar da outra. O processo escultórico, só por si, não esgota todo o <i style="mso-bidi-font-style:normal">modus operandi</i> e assim vou ter de buscar outras técnicas que podem ser o guache, o acrílico ou o carvão sobre papel para continuar o processo. No fundo estou sempre a falar da mesma coisa, mesmo num processo mais demorado como o da gravura.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-family:Arial" ><o:p> </o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><b><span style="font-family:Arial" >Na sua escultura há um movimento duplo, em fluxo permanente. Concentra num espaço delimitado a realidade circundante, captada e fragmentada por espelhos, mas por outro lado, esses espelhos projectam para fora ângulos e superfícies.<o:p></o:p></span></b></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-family:Arial;mso-bidi-font-weight:bold" >O que faço é dar impressões do espaço e deslocá-las, retirando-as do contexto e alterando inclusive a sua escala. São questões de percepção.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-family:Arial" ><o:p> </o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><b style="mso-bidi-font-weight:normal"><span style="font-family:Arial" >O seu trabalho remete para uma função de preservação, que se intui nas estruturas que lembram arcas ou vitrinas de exposição de objectos preciosos ou ritualísticos. As suas esculturas, ao contrário do que possa parecer, não estão vazias, pois não?<o:p></o:p></span></b></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-family:Arial" >Temos duas maneiras de olhar para elas. Primeiro, porque qualquer estrutura, por muito vazia que esteja, está cheia do mesmo ar que está fora dela. Mas a diferença é que se pode falar de um “cá fora” e um “lá dentro”, por existir um espaço delimitado. Depois, estas esculturas não estão completas. Elas existem em potência mas só são completadas e activadas pelo espectador cada vez que as olha e lhes enche o interior.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-family:Arial" ><o:p> </o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><b style="mso-bidi-font-weight:normal"><span style="font-family:Arial" >Explora nas suas esculturas questões do corpo, da percepção e do espaço... <o:p></o:p></span></b></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-family:Arial" >Há um assunto que eu estou a trabalhar que é a noção de território e de demarcação. Nesta exposição pego num espaço que é habitável e construo uma escultura que nos expele e nos empurra contra a parede, tornando-se a escultura num espaço de arquitectura inabitável.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-family:Arial" ><o:p> </o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><b style="mso-bidi-font-weight:normal"><span style="font-family:Arial" >Isso quer dizer que numa escultura pode descobrir um elemento que depois desenvolve noutro <i style="mso-bidi-font-style:normal">medium</i>?<o:p></o:p></span></b></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-family:Arial" >Sim, não há uma regra. Mas isso tanto pode ser na escultura como a passear na rua ou a ver um filme. De repente há qualquer coisa que mexe connosco. O nosso interior é uma caixa de Pandora da qual, se estivermos disponíveis, estão sempre a saltar cliques que nos permitem fazer pontes e ligar coisas.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-family:Arial" ><o:p> </o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><b style="mso-bidi-font-weight:normal"><span style="font-family:Arial" >O que é preciso é viver…<o:p></o:p></span></b></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-family:Arial" >Exactamente! E estar disponível. Há uma parte de rigidez que é importante e sem a qual não se pode construir. É preciso ter a disciplina de ir ao atelier, uma obstinação de se conseguir fazer qualquer coisa. Mas também é preciso estar aberto a contaminações para que umas coisas dêem origem a outras e outras. São dinâmicas contraditórias que, no fundo, se complementam.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-family:Arial" ><o:p> </o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><b style="mso-bidi-font-weight:normal"><span style="font-family:Arial" >A exposição que está a preparar para o Chiado 8 divide-se em três partes. Pode contar-nos um pouco sobre elas?<o:p></o:p></span></b></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-family:Arial" >Comecei a pensar esta exposição há três anos. São três peças: uma delas é uma escultura que ocupa a totalidade da sala maior. Depois há um desenho que trata do mesmo assunto e a terceira sala terá uma peça de parede. A escultura central, composta com vidros e espelhos, é enorme e faz com que fiquemos apenas com uma distância de metro e meio de circulação entre ela e a parede. Nunca será possível ter a noção da peça no seu todo, apenas visões parciais. Pela primeira vez vou também apresentar um trabalho de fotografia que não funciona como obra autónoma mas sim como estudo. É um registo dos olhares que eu vou tendo quando passeio ou quando viajo e que me ajudam a perceber qual é o assunto que ando a tratar na escultura e no desenho.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-family:Arial" ><o:p> </o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-family:Arial" >Miguel Matos</span></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-size:8.0pt;font-family:Arial"><span class="Apple-style-span" >(Foto – Clara Azevedo)</span><o:p></o:p></span></p>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9182722082811026982.post-91516134196193775852011-05-16T09:16:00.000-07:002011-05-16T09:21:54.256-07:00Manuel Caeiro - 12 000 m2 dentro de um T0<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgBjqBWOoM4msJNogDlPsUEN4oNf7PhGyNDwlvVYeCYN08s3pAmgwMkFG9bU37WayddieWjVpEqwopnAE72-YZxbxS0iT15u2Tr1IbQ6MQIxVPf-iEYUDSZQmGlyaRQWU0mEOblAxyw13k/s1600/ManuelCaeiro_2.jpg" onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 400px; height: 309px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgBjqBWOoM4msJNogDlPsUEN4oNf7PhGyNDwlvVYeCYN08s3pAmgwMkFG9bU37WayddieWjVpEqwopnAE72-YZxbxS0iT15u2Tr1IbQ6MQIxVPf-iEYUDSZQmGlyaRQWU0mEOblAxyw13k/s400/ManuelCaeiro_2.jpg" border="0" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5607349841860275890" /></a><br /><span class="Apple-style-span" style="border-collapse: collapse; font-family: arial, sans-serif; font-size: 13px; " ><p class="MsoNormal" style="margin-top: 0px; margin-right: 0px; margin-bottom: 6pt; margin-left: 0px; line-height: 19px; "><span style="font-family: Arial; ">Haverá espaço para habitar dentro ou para lá de uma parede? Há. 12 000 metros quadrados! A pintura de Manuel Caeiro (Évora, 1975) tem o dom de cruzar e fundir de forma original o concreto com o abstracto num resultado que convoca a presença física do espectador e a coloca em confronto com a tridimensionalidade que a tela sugere. A sua obra parte frequentemente de elementos visuais que reconhecemos do quotidiano urbano, como a sinalética de perigo ou aviso, os materiais de construção e estruturas que lembram andaimes ou construções de base arquitectónica. Elementos que o observador reconhece com rapidez mas que, durante o tempo de observação de cada quadro, e à medida que a retina dança e avança pela tela, se tornam progressivamente destituídos da sua função de representação. A imagem complexifica-se e transforma-se progressivamente num espaço de linhas, cores e manchas que activam o espaço à sua volta. Multiplicações das formas, rebatimentos, repetições, modulações e reverberações da cor compõem quadros de apelo cinético e raiz construtivista.</span></p><p class="MsoNormal" style="margin-top: 0px; margin-right: 0px; margin-bottom: 6pt; margin-left: 0px; line-height: 19px; "><span style="font-family: Arial; ">O mecanismo que anima habitualmente a obra de Manuel Caeiro está bem presente nesta exposição de trabalhos recentes em que a abstracção é assumida, num acentuar da geometria e do espaço arquitectónico. Há nestas pinturas, expostas na Galeria Carlos Carvalho, em Lisboa, um jogo de dinâmicas e paletas que explodem em linhas de tensão e ritmos que fazem com que o olho sinta dificuldade em se concentrar num único ponto. A aplicação destemida da cor, o desvendar da estrutura de composição, a sujidade da tinta e os enganos cometidos: tudo é assumido e integrado. São telas cerebrais na sua concepção, mas espontâneas no resultado que denota uma velocidade frenética. No entanto, o que poderia ser apenas um truque é afinal uma sinceridade artística que resulta em imagens deslumbrantes e que não perdem interesse após um primeiro relance. Em “12 000 m<sup>2</sup> dentro de um T0” verifica-se uma depuração do caminho já percorrido e confirmável em exposições anteriores. Neste fluxo visual ainda se encontram os elementos de sinalética que constituem o <i>leitmotiv </i>do pintor, mas nota-se um gradual desprendimento dessa fórmula. Apesar disso, Manuel Caeiro ainda os retoma em alguns trabalhos mais discretos, de menor dimensão, em acrílico e fita sobre <i>c-print</i>.</span></p><p class="MsoNormal" style="margin-top: 0px; margin-right: 0px; margin-bottom: 6pt; margin-left: 0px; line-height: 19px; "><span style="font-family: Arial; ">Diz Jorge Emanuel Espinho na folha de sala da exposição: “Visitar esta mostra de pintura é uma experiência bipolar. Primeiro estática, de simples contemplação dos espaços profundos e largos de que estas obras tratam, visual apenas; e depois dinâmica na sua acção psicológica, pensada, de inserção e relação nesses próprios espaços.” É este o segredo de Manuel Caeiro que vem provar que a estafada teoria da morte da pintura não poderá ser confirmada tão cedo. Porque uma criação desvitalizada não pode puxar o corpo para dentro de uma tela, activando profundidades visuais que fazem esquecer que por detrás está apenas cimento ou <i>pladur</i>. É essa activação espacial que a pintura de Manuel Caeiro tão bem consegue.</span></p><span style="font-size: 12pt; font-family: Arial; ">Miguel Matos</span></span>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9182722082811026982.post-82421031757419708982011-05-10T05:21:00.000-07:002011-05-10T05:31:52.019-07:00Em Belém, de olhos no presente - Entrevista com Pedro Lapa<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiUOmcLvyMxFDgmjgZpBCizPwaPYljZoU5m_rSx8dAAf5dF9LGiopAuVmkMgqeu5hm9Q0o1eEBBuA_XMit8NkUpJO55UqYJILLlgmArXLu86XrvhFFk_4ooLaPI2wTmzUdZJzFrZUpAa6o/s1600/ng1485241.JPG" onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 400px; height: 266px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiUOmcLvyMxFDgmjgZpBCizPwaPYljZoU5m_rSx8dAAf5dF9LGiopAuVmkMgqeu5hm9Q0o1eEBBuA_XMit8NkUpJO55UqYJILLlgmArXLu86XrvhFFk_4ooLaPI2wTmzUdZJzFrZUpAa6o/s400/ng1485241.JPG" border="0" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5605063087472837538" /></a><span class="Apple-style-span" ><br /></span><p class="MsoNormal" style="margin-bottom:6.0pt;line-height:150%"><span class="Apple-style-span" ></span></p><p class="MsoNormal" style="margin-bottom:6.0pt;line-height:150%"><span class="Apple-style-span" ><span style="font-family:Arial">A Artes & Leilões conversou com Pedro Lapa semanas depois de este ter assumido o cargo de director artístico do Museu Colecção Berardo. Lapa sucede assim a Jean-François Chougnet que, por razões pessoais, abandonou a posição que ocupava desde a inauguração do museu. Sendo demasiado cedo para concretizar um programa museológico, o antigo director do Museu do Chiado revela algumas das suas ideias sobre o sistema artístico português e sobre a sua linha de pensamento acerca do lugar e da função de uma instituição como esta. A promoção de novos artistas e a internacionalização do museu são os pontos centrais da sua visão.<o:p></o:p></span></span></p><span class="Apple-style-span" > <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:6.0pt;line-height:150%"><span style="font-family:Arial"><o:p> </o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:6.0pt;line-height:150%"><b><span style="font-family:Arial">Foi afastado da direcção do Museu do Chiado no final de 2009, tendo sido substituído por Helena Barranha. Como avalia a actividade do museu desde a sua saída até agora?<o:p></o:p></span></b></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:6.0pt;line-height:150%"><span style="font-family:Arial">Tem sido uma actividade intensa e de qualidade. Devo louvar essencialmente a realização do projecto que tinha deixado desenhado na altura. Eu também vou cumprir a programação feita por Jean-François Chougnet até 2012 e é assim que tem de ser. Gostaria ainda de salientar um outro aspecto: foi muito gratificante entender que houve continuidade e aprofundamento de um conjunto de projectos, como, por exemplo, a publicação de três volumes do catálogo do Museu do Chiado, cuja edição eu coordenei. É muito importante que se perceba que antes das pessoas está a própria instituição. As transições têm de ser feitas tendo em conta todo o trabalho que foi realizado e as possibilidades que há para aprofundar e corrigir o mesmo.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:6.0pt;line-height:150%"><span style="font-family:Arial"><o:p> </o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:6.0pt;line-height:150%"><b><span style="font-family:Arial">Muitas vezes há a tentação de mudar tudo de acordo com a cabeça de quem chega à direcção, o que dá lugar a confusões e a rupturas constantes...<o:p></o:p></span></b></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:6.0pt;line-height:150%"><span style="font-family:Arial">É verdade. Desde que trabalho nesta área assisti já à passagem de muitos ministros da Cultura e na maior parte das vezes vejo situações indignas em que não se dá importância às conquistas conseguidas que podem não dar frutos imediatamente, mas em que, com a sua continuidade, estes aparecem. A questão da tábua rasa é compulsiva na cultura portuguesa. Já o José-Augusto França, no final dos anos 50, escrevia um artigo importante sobre isso com o título “A lei do eterno recomeço”.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:6.0pt;line-height:150%"><span style="font-family:Arial"><o:p> </o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:6.0pt;line-height:150%"><b><span style="font-family:Arial">É agora director artístico do Museu Berardo, num local onde trabalhou há mais de 15 anos como conservador do Centro Cultural de Belém. Que diferenças encontra entre esses tempos e hoje?<o:p></o:p></span></b></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:6.0pt;line-height:150%"><span style="font-family:Arial">Para além de o edifício ser o mesmo, uma parte da equipa é a mesma, mas mais completa em recursos humanos. Éramos poucos, num espaço gigantesco e com a urgência de programar a totalidade desse espaço com grande brevidade e sem uma colecção. Houve meios financeiros e tivemos um trabalho descomunal. Era um tempo diferente no contexto artístico nacional. Em meados da década de 90<span style="background:yellow">,</span> havia todo um tipo de grandes alterações a decorrer nas práticas artísticas internacionais, depois de um período mais convencionalista que dominou uma parte significativa da década de 80. Havia essa emergência de dar a conhecer o que se estava a fazer e o que procuravam os novos artistas. Esses anos foram muito importantes na museologia portuguesa. Foram criadas várias instituições mais viradas para o domínio contemporâneo como a Culturgest e Serralves, reconstruiu-se o Museu do Chiado... As principais instituições emergiram nessa altura, com excepção da Fundação Calouste Gulbenkian, que já existia. Era preciso dar a conhecer o que se fazia lá fora, que ainda era um mundo distante. <o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:6.0pt;line-height:150%"><b><span style="font-family:Arial">Mas esse paradigma mudou bastante...<o:p></o:p></span></b></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:6.0pt;line-height:150%"><span style="font-family:Arial">Há uma significativa diferença na circulação da informação. Hoje, as viagens e a Internet são coisas diferentes daquilo que eram há 17 anos. As coisas alteraram-se. Houve muitas exposições que criaram públicos novos, mas esse trabalho ainda está no seu começo. Quando nos comparamos a outros países europeus, se olharmos para o tecido institucional que esses países têm e há quantos anos o público visita exposições de arte moderna e contemporânea, falamos de um século. Nós não temos isso. O que se construiu nestes anos foi uma regularização das instituições, das práticas artísticas, dos públicos e da crítica, que entraram num sistema mais complexo, característico dos países europeus...<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:6.0pt;line-height:150%"><span style="font-family:Arial"><o:p> </o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:6.0pt;line-height:150%"><b><span style="font-family:Arial">Fala da crítica, mas ela foi desaparecendo e definhando cada vez mais na comunicação social até chegar aos dias de hoje com um espaço reduzidíssimo, com revistas da especialidade a fechar e com fortes casos de censura até nas publicações generalistas que ainda possuem secções de arte. Ao mesmo tempo que as instituições se consolidam e os públicos se solidificam, o sistema falha quando se chega à crítica e à divulgação da arte contemporânea...<o:p></o:p></span></b></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:6.0pt;line-height:150%"><span style="font-family:Arial">Nos anos <st1:metricconverter productid="80, a" st="on">80, a</st1:metricconverter> crítica de arte no <i style="mso-bidi-font-style: normal">Expresso</i> chegava a ocupar cinco páginas. A mesma exposição chegava a ser criticada por três pessoas diferentes. Nessa década, que teve também o seu <i>boom</i> na arte contemporânea, verificou-se a importância do trabalho das galerias – visto haver falta de instituições – e também do papel de alguns críticos. O curioso é que se criou um hábito em Portugal, que passou para os anos 90, em que toda a crítica de arte era feita em jornais generalistas. Além do <i style="mso-bidi-font-style:normal">Expresso,</i> eram importantes os textos de António Cerveira Pinto n’<i style="mso-bidi-font-style:normal">O Independente</i>. Quando este <i>boom</i> institucional de 1995 começou a funcionar, apareceram revistas especializadas como a Artes & Leilões. Por outro lado, fez-se um erro colossal que foi acabar com a <i style="mso-bidi-font-style: normal">Colóquio Artes</i>. Isso foi terrível porque era uma revista menos submetida à emergência das situações e tinha um domínio reflexivo, com um manancial histórico e de qualidade. Apesar de tudo, as revistas de arte não conseguiram subsistir. A Artes & Leilões ficou parada e apareceu a <i style="mso-bidi-font-style:normal">Arte Ibérica</i> que também não sobreviveu...<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:6.0pt;line-height:150%"><span style="font-family:Arial"><o:p> </o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:6.0pt;line-height:150%"><b><span style="font-family:Arial">E recentemente o fim da <i style="mso-bidi-font-style: normal">L+Arte</i>… As próprias instituições que lidam com a arte contemporânea não valorizam as publicações que lhes dão apoio editorial... Não existe a consciência de que a revista de arte ajuda à consolidação do mercado.<o:p></o:p></span></b></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:6.0pt;line-height:150%"><span style="font-family:Arial">Obviamente. Isso é uma situação inquietante e estranha que me incomoda seriamente.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:6.0pt;line-height:150%"><span style="font-family:Arial"><o:p> </o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:6.0pt;line-height:150%"><b><span style="font-family:Arial">São complicadas as relações entre os museus, as galerias, as revistas e os próprios artistas... Todo o sistema da arte em Portugal é desconexo...<o:p></o:p></span></b></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:6.0pt;line-height:150%"><span style="font-family:Arial">Muito desconexo... porque é muito parcelar. Muitas vezes não há a capacidade de articular diferenças. Está tudo muito territorializado de forma medieval. De qualquer modo, é extremamente inquietante que isto aconteça, mesmo no momento de maior <i>boom</i> artístico português, no princípio da década de 2000, quando os agentes especializados internacionais começaram a olhar para Portugal. É preciso ver também que muitos artistas começaram a ter catálogos com um texto de apresentação da sua obra, mais até do que aquilo que era habitual noutros países. Até 2005, quase todos os artistas portugueses tinham catálogos editados. No entanto, a crítica não acompanhou de forma satisfatória este movimento. A crítica, de forma geral, envelheceu muito e ficou presa a modelos de outros tempos, mas ao mesmo tempo dominando os lugares principais. Os jornais mudaram completamente a sua configuração e iniciaram um processo de dieta do trabalho da crítica. Há outra chave da equação com que estou preocupado e à qual me tenho dedicado: o ensino da arte contemporânea ao nível universitário é extremamente deficiente. Não existem especializações em arte contemporânea a partir do pós-guerra. Na Universidade de Letras, onde sou professor, estamos a construir o curso de História de Arte em que todo o século XX é pensado em termos nacionais e internacionais até à actualidade. Mas isto é muito tardio. Não tem havido no ensino superior a capacidade de perceber essa profunda ausência de conhecimentos. No entanto, é este contexto que dá conhecimento, valor e capacidade de argumentação aos críticos de arte. Muito do que aparece hoje é feito de uma forma autodidacta ou através do ensino exterior ao país. Depois, subsiste o problema da falta de público. Porque é que o público não compra revistas de arte contemporânea? É profundamente estranho.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:6.0pt;line-height:150%"><span style="font-family:Arial"><o:p> </o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:6.0pt;line-height:150%"><b><span style="font-family:Arial">Parece-me que a censura operada nas secções de arte, em nome do desinteresse do público, soa a desculpa para um bloqueio ideológico ao pensamento crítico...<o:p></o:p></span></b></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:6.0pt;line-height:150%"><span style="font-family:Arial">Concordo e não creio que as coisas tenham de ser assim. A ideia comum de que uma arte difícil traz menos público tem-se revelado nefasta para o que deveria ser uma visão estratégica do país. Portugal não tem valor significativo em termos culturais no contexto europeu no que diz respeito ao século XX. A possibilidade de Portugal se afirmar internacionalmente não está em recorrer ao passado e mostrar ao mundo que este está esquecido dos feitos dos portugueses. Penso que substituir isso ao nível do entretenimento mais rasca continua a ser uma péssima opção. É fundamental perceber que o país tem de se impor estrategicamente no mundo. E para fazê-lo só tem possibilidade através dos valores emergentes. O mundo está sempre desperto para o presente e não a dormir no passado, ao contrário do que tem acontecido com Portugal. É aí que há lugar para a afirmação da cultura portuguesa e por isso há que investir fortemente nas franjas emergentes para ganhar uma posição internacional. É natural que estas propostas não sejam as mais fáceis para um público menos familiarizado. Mas se continuamos a responder a isso, contribuímos para o atraso. A ausência estratégica de investimento nos novos valores é inquietante. Estar sempre a rememorar o passado, apesar de também ser importante, não pode ocupar completamente as actividades. As instituições têm de ter um sentido proposicional e criar laços de relação, de troca, com outros congéneres que actuem como plataformas de lançamento, reconhecimento, circulação, crítica e debate sobre a prática artística actual.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:6.0pt;line-height:150%"><span style="font-family:Arial"><o:p> </o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:6.0pt;line-height:150%"><b><span style="font-family:Arial">O apoio à criação emergente é assim uma questão central nas suas ideias para o futuro do Museu Colecção Berardo...<o:p></o:p></span></b></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:6.0pt;line-height:150%"><span style="font-family:Arial">O Museu Berardo tem uma grande colecção, o que foi central neste processo de transformação da arte portuguesa e do coleccionismo. É a maior colecção de arte moderna e contemporânea internacional que o país tem disponível e serviu até de exemplo para outras que vieram a aparecer posteriormente. É um bem precioso e único que tem de ser estimado, trabalhado e reflectido, o que representa um grande eixo da programação desta casa. Há muito da colecção por ver, rever, organizar. Por outro lado, não podemos alhear-nos do presente e do papel proposicional que uma instituição destas pode ter. Isso está consignado nos próprios estatutos: o apoio à internacionalização dos artistas portugueses. A minha ideia é criar um espaço próprio, dentro do museu, que funcione como uma zona para práticas emergentes e exposições organizadas com outras instituições e curadores internacionais. Depois, haverá um outro tipo de exposições temporárias, de carácter retrospectivo e complementar da colecção que podem trazer grandes nomes do passado ou do presente numa perspectiva mais monográfica.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:6.0pt;line-height:150%"><span style="font-family:Arial"><o:p> </o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:6.0pt;line-height:150%"><b style="mso-bidi-font-weight:normal"><span style="font-family:Arial">O mercado que rodeia e manipula os artistas emergentes e a sua criação é muito pequeno e está muito sujeito a divisões. A atenção dos principais curadores e directores artísticos não se concentra nos artistas, mas sim nas galerias mais poderosas. Concorda?<o:p></o:p></span></b></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:6.0pt;line-height:150%"><span style="font-family:Arial">Bem, eu nunca poderia concordar com uma situação dessas, mas é verdade que as tenho observado. O problema que aqui subjaz é a forma como os modelos mercantis da modernidade tomaram conta de todos os actos de significação da vida quotidiana. Mas isso é um problema profundo que só pode implicar uma reflexão crítica bastante radical.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:6.0pt;line-height:150%"><span style="font-family:Arial"><o:p> </o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:6.0pt;line-height:150%"><b style="mso-bidi-font-weight:normal"><span style="font-family:Arial">A respeito da projecção internacional da Colecção Berardo, como pretende concretizá-la?<o:p></o:p></span></b></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:6.0pt;line-height:150%"><span style="font-family:Arial">A colecção é objecto de vários pedidos de empréstimo e é referenciada como um museu com obras significativas e importantes para exposições internacionais. Para além disso, tem um papel importante para o país. Se não for aqui, não há outro local para ver um Magritte, um Max Ernst ou um Andy Warhol. A apresentação da colecção noutros lugares é importante, mas acho fundamental que ela sirva Portugal. A internacionalização tem mais que ver com a tipologia das exposições temporárias que podem colocar o museu num contexto internacional de reconhecimento e isso consegue-se com uma programação de qualidade, com boas ligações a outras instituições e com a capacidade de construir um diálogo com essas redes.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:6.0pt;line-height:150%"><span style="font-family:Arial"><o:p> </o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:6.0pt;line-height:150%"><b style="mso-bidi-font-weight:normal"><span style="font-family:Arial">Até 2012 vai cumprir o programa já estabelecido pela direcção anterior, mas pode já adiantar algum projecto seu para o futuro?<o:p></o:p></span></b></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:6.0pt;line-height:150%"><span style="font-family:Arial">Ainda é muito cedo para falar nisso. Tenho muitas ideias e projectos que gostaria de realizar e que penso terem cabimento aqui, mas não tenho nada estabelecido de uma forma estruturada e aprovada pelo conselho de administração. <o:p></o:p></span></p></span><p></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:6.0pt;line-height:150%"><span style="font-family:Arial" ><o:p> </o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom:6.0pt;line-height:150%"><span style="font-family:Arial"><span class="Apple-style-span" >Miguel Matos</span><o:p></o:p></span></p>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9182722082811026982.post-60561673789385434542011-04-22T07:17:00.000-07:002011-04-22T07:20:49.809-07:00Nádia Duvall - A odisseia científica de uma artista<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhL3FcXjJ_fC5jeOqH-_CHuoMs8kiMP6v7J_f1G3LHS4Cev_2Mwle9W_bXJjEZYmVR0_0ZyjGSEk5yppHSHPj5O-WOg0eBR5mT9Ne3LDQUllGS3llq3C2-JPW_BVlLYFcQH_9BS00krdHc/s1600/nadia.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 400px; DISPLAY: block; HEIGHT: 266px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5598412591423516450" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhL3FcXjJ_fC5jeOqH-_CHuoMs8kiMP6v7J_f1G3LHS4Cev_2Mwle9W_bXJjEZYmVR0_0ZyjGSEk5yppHSHPj5O-WOg0eBR5mT9Ne3LDQUllGS3llq3C2-JPW_BVlLYFcQH_9BS00krdHc/s400/nadia.jpg" /></a><br /><br /><div><span style="color:#ffffff;">Nádia Duvall (Alicante, 1985) é luso-argelina e, tal como a origem geográfica da artista é uma mescla, também a arte que produz é uma fusão de diferentes disciplinas. Influenciada pelo gestualismo, os happenings, a body art e as máscaras africanas, Nádia cruza a arte e a ciência, no resgate da memória e na busca da sua própria identidade. A artista é reconhecida pela sua abordagem única, o que lhe valeu uma bolsa do programa Ciência Viva e da Direcção-Geral das Artes para desenvolver o projecto “SKIN”. Fui ao seu atelier conhecer a técnica insólita que desenvolve com o seu próprio corpo dentro de uma piscina a que chama de útero e onde nascem peles de tinta como se fossem placentas.<br /><br /><br /><strong>No domínio da arte portuguesa tu és uma artista diferente de todos pela técnica que desenvolves. Começaste por explorar a aplicação de membranas de tinta sobre telas brancas, como chegaste a mostrar numa exposição na Rock Gallery, mas neste momento estás longe desse processo...</strong><br />Eu trabalho a ideia de pele. E esta pele nasce naquele útero (aponta para a piscina que ocupa parte do seu atelier). Eu entro lá para dentro, ela habita-me e sendo assim mais valia ser eu mesma a ser exposta. As pessoas que observam o meu trabalho numa tela vêm uma mancha. E o que eu quero que elas vejam é uma pele. A tela dá-lhe um esqueleto bidimensional que não me interessa mais explorar. O projecto “SKIN”, apoiado pela Direcção-Geral das Artes e pelo programa Ciência Viva é um estudo da parte química destas membranas, realizado em parte no ITQB (Instituto de Tecnologia Química e Biológica). </span></div><br /><br /><br /><div><br /><span style="color:#ffffff;"><strong>Voltando atrás, como é que começaste a trabalhar com estas peles?<br /></strong>Eu fazia muitas experiências quando ainda estudava na ESAD, nas Caldas da Rainha. Andava à procura de qualquer coisa e sempre tive um lado de cientista. Não sabia exactamente o que é que procurava, mas desde sempre que trabalhei muito as questões da identidade. Mesmo em pequena, os meus desenhos eram sobre mim. Há uns tempos, num dia de Verão, eu tinha feito uma experiência dentro de frasquinhos. Ao final do dia eu tinha mais de 50 frascos com tintas diferentes dentro de um balde. Não me apeteceu lavá-los e então cobri-os com água. No dia seguinte, quando reparei, havia uma membrana à superfície. Então quis saber o que se tinha passado ali e foram precisas umas 200 experiências até chegar lá. Apliquei as membranas em telas porque nunca me occoreu que aquele material pudesse sair desse suporte. Quando passei a fazer telas grandes, comecei a manipular as peles de tinta com objectos e apercebi-me que utilizando a água conseguia pôr as mãos por baixo delas. </span></div><br /><br /><br /><div><br /><span style="color:#ffffff;"><strong>Hoje trabalhas em performance dentro de água interagindo com o teu corpo na tinta...<br /></strong>Foi uma coisa natural. Como aquelas peles se adaptavam à minha própria pele era como se eu fosse uma espécie de camaleão. Abandonei então as telas, depois de aprofundar o meu conhecimento da forma e da cor. Mas não teria chegado onde estou se não tivesse percorrido esse caminho. </span></div><br /><br /><br /><div><br /><span style="color:#ffffff;"><strong>Essas membranas que parecem pele, são compostas de quê?</strong><br />São só tinta. Tento fazer com que seja uma matéria o mais pura possível, feita a partir de pigmento em pó e um outro componente que eu quero retirar e é para isso que estou a investigar. Não descanso até conseguir descobrir a forma perfeita de fazê-las. Porque este material é muito frágil e eu quero fazer com que elas sejam duráveis e transportáveis. </span></div><br /><br /><br /><div><br /><span style="color:#ffffff;"><strong>O que te levou à candidatura para uma bolsa de carácter científico? Podes explicar as suas premissas iniciais e os resultados?</strong><br />Fui trabalhar no laboratório de polímeros, colóides e surfactantes do ITQB em Oeiras. Qualquer tinta no mercado é feita à base de polímeros e a ideia era descobrir a composição química das misturas de tintas que eu tinha feito. É claro que nenhum fabricante de tintas revela a totalidade da composição das suas tintas. Por isso, foram nove meses a investigar e não conseguimos terminar. Foi complicado pois cheguei até a sujar um corredor inteiro do ITQB com pegadas minhas azuis. Por isso, como eu não sou uma cientista, achámos melhor montar um laboratório no meu atelier. Mas há muitos entraves técnicos e não basta fabricar uma tinta qualquer, porque eu trabalho dentro de água. Tem de ser uma tinta que não se dissolva nem se decomponha na água. Tem de formar uma membrana durável no tempo, elástica mas ao mesmo tempo rígida. Tem de ser adaptável ao meu corpo, mas que se consiga arrancar. E tem que ser feita a partir de pigmento. Com a tecnologia que existe hoje, é provável que não consiga tudo isto, mas vou tentar. Por isso vou voltar a pedir apoios para retomar a investigação.</span></div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9182722082811026982.post-44835523545734336592011-03-29T10:11:00.000-07:002011-03-29T10:14:32.710-07:00Gil Maia e as construções do Imaginário<span class="Apple-style-span" ><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEixWRyMMcua_ySF2ZQPE1hAdra82YtXcGywIglYJlrF_L4cj-1_CR-bTiBNecxrdNYxXlfo0H75oxVctKnPTtjSV9h0kbuwY4HgneO2ZEE3SlSiyJFb3KdQhgF94zGREgiy_qx-kCgyghI/s1600/Gil+Maia+-+Constructiones+in+Palatio+III+-+2010+Acrilico+sobre+tela+155x155cm.jpg" onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 400px; height: 400px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEixWRyMMcua_ySF2ZQPE1hAdra82YtXcGywIglYJlrF_L4cj-1_CR-bTiBNecxrdNYxXlfo0H75oxVctKnPTtjSV9h0kbuwY4HgneO2ZEE3SlSiyJFb3KdQhgF94zGREgiy_qx-kCgyghI/s400/Gil+Maia+-+Constructiones+in+Palatio+III+-+2010+Acrilico+sobre+tela+155x155cm.jpg" border="0" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5589551406136942722" /></a><br /></span><p style="margin-bottom: 0cm"><span class="Apple-style-span" >É do cruzamento de elementos aparentemente díspares que se faz nascer novos universos pictóricos. Se tomarmos esta afirmação como válida, Gil Maia (Maia, 1974) é um dos nomes recentes da arte portuguesa que a personifica. Pode parecer paradoxal, mas a junção de elementos do minimalismo com o abstraccionismo e o construtivismo em cenários góticos ou barrocos é a chave do mistério encerrado nas telas deste artista. Cada pintura de Gil Maia é uma encenação de espaços que servem de habitáculos para estruturas geométricas insólitas e aparentemente sem sentido.</span></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><span class="Apple-style-span" > Na exposição que realizou na Galeria Sete, <i>Childhood Spaces</i>, Gil Maia encetou um estilo mais depurado da sua pintura. Até então praticava uma pintura de miscigenação de formas, evocativa de alguma tradição da escola francesa, aludindo, ainda que subtilmente, ao universo expressionista de Júlio Pomar. Um lirismo onírico permeava as suas imagens até que em 2008, as suas formas agudizaram-se e ganharam contornos mais geométricos. A alusão à colagem e à sobreposição de formas afirmou-se de maneira diversa e a pintura tornou-se mais contundente, no sentido de ganhar dinamismo e projecção a partir da tela para o observador</span></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><span class="Apple-style-span" > De um período mais relacionado com o expressionismo abstracto, com alusões mais ou menos explícitas ao universo de Francis Bacon, Gil Maia derivou as suas imagens para uma maior depuração e limpeza de elementos. Dentro das suas telas foram crescendo estruturas arquitectónicas e os espaços onde estas habitam contribuem para uma maior tridimensionalidade. A noção de espaço como palco, como cubículo encenado, conserva a influência de Bacon, mas aqui o que está no centro não é nunca a figura humana e sim construções abstractas, elementos de constituição de objectos que não reconhecemos. Se a estes elementos juntarmos as capacidades de multiplicação geométrica, de duplicação de formas e desbobramento de superfícies (que fazem lembrar algumas obras de José Pedro Croft), temos uma mistura aparentemente paradoxal de elementos e influências que fazem desta uma série de trabalhos muito peculiar e bem conseguida.</span></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><span class="Apple-style-span" > Na exposição <i>Constructiones in Palatio</i>, na Galeria Pedro Serrenho, Gil Maia dá-nos conta de que a sua obra está em constante evolução e mutação. O perfeccionismo do pintor leva-o a exibir uma técnica irrepreensível. A superfície da tinta acrílica, depois de finalizada a obra, parece intocada por mão humana, o que parece paradoxal, levando em conta todas as camadas de elementos e geometrias. Seria de esperar que estas “saltassem” da tela, ou que, de alguma forma, parecessem emergir fisicamente. Mas tal não é o caso, quase deixando o observador a indagar se o que tem à sua frente não será um desenho digital, uma obra de design gráfico. Cedo se apercebe de que é mesmo pintura, sobre tela ou sobre papel, em maiores ou menores dimensões. Aliás, “borrando” as superfícies geométricas e os fundos, a fisicalidade da tinta é testemunhada por manchas esborratadas que adicionam complexidade à imagem. O efeito de enigma mantém-se sempre, como se as pinturas de Gil Maia segredassem qualquer coisa em tom tão baixo que nunca conseguiremos entender na totalidade. Enquanto tentamos entender o que se esconde por entre as formas, estas parecem viver. Aparentam girar lentamente, flutuar, pairar, respirar. Quase se sente o bater de um coração. Gil Maia trata as estruturas centrais destas telas como se fossem personagens. É como se os fundos fossem habitáculos com<span style="font-weight: normal"> referências estranhamente familiares, com motivos talvez pertencentes a azulejos que podemos facilmente encontrar em casas portuguesas</span><b> </b><span style="font-weight: normal">antigas</span><b>. </b>Desde o estilo barroco a decorações de azulejos arabizantes, há uma constante tentativa de prender o abstracto a algo que ligue o espectador por laços de memória. São paisagens interiores em tensão, frames de um movimento instável.</span></p> <p style="margin-bottom: 0cm"><span class="Apple-style-span" > O momento de transformação interior que deu origem a esta nova série de trabalhos de Gil Maia deu-se aquando de uma visita do artista ao Mosteiro de Alcobaça. Aí, Gil observou a arquitectura gótica, o silêncio sepulcral do espaço e a luz que entrava em feixes de vida. Na cozinha observou as decorações em azulejos. «Este encontro com a história tornou-se especial», conta o pintor. «Especial porque o meu trabalho artístico, ou seja a pintura, passou a absorver, desde então, determinados elementos característicos do nosso património cultural, com especial relevo para a azulejaria portuguesa que ornamenta, se entrelaça e joga brilhantemente com a rudeza pétrea das arquitecturas dos nossos mosteiros, conventos, palácios... O <i>espaço-palco </i>de cariz mais doméstico e intimista que vinha explorando até então deu lugar a <i>espaços-palco</i> mais abrangentes, ou seja, os espaços que outrora foram palco da nossa história e que hoje são espaços de todos nós, ou pelo menos de todos aqueles que os procuram e visitam». As pinturas de <i>Constructiones in Palatio</i> são uma tentativa, também, de valorização da memória cultural e do património artístico português através de estruturas de pedra e elementos decorativos reconhecíveis que ganham novas perspectivas nestas telas e servem de panos de fundo para a cena que se passa ao centro, tendo como actor a figura abstracta, geométrica e absurdamente arquitectónica. Com isto, Gil Maia passou de uma pintura íntima, expressivamente complexa e por vezes onírica para um registo de encenação poética mais limpa, clara e despojada. Gil Maia afirma: «nos espaços que crio (espaços-palco) confluem os estilhaços da memória dos espaços reais que outrora visitei, mais os estilhaços ainda quentes do meu presente, os quais permitem imaginar a ossatura de possíveis objectos, mobiliários, resquícios de objectos domésticos ou mesmo <i>não objectos</i> integrados num ambiente palaciano. Os espaços dos palácios que visitamos são de todos nós. Estes, criados a partir daqueles são meus… mas devolvo-os ao público».</span></p><p style="margin-bottom: 0cm"><span class="Apple-style-span" >Miguel Matos</span></p>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9182722082811026982.post-83540226359584527872011-02-14T03:10:00.000-08:002011-02-14T03:19:28.114-08:00Ruído - Galeria São Bento. 19 Fev-14 Mar<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjsjUnEn-0cHIoEXml1v1jtIqn49kvz-r1D3cl-byAA6cIwavJuVJFyW3cd_GfJTRtOEBsFBLUTtk3qgqGaTp1g-YYHGTKed6ZxAgE0zE2O81IoEdXoYhNn8dabp68USWzUno9bR4nRT1k/s1600/Albuqueerque+Mendes+20100209182533_AP1386-AlbuqerqueMendes-SiteIchAllein-TenicaMistaSMadeira-475x67cm-1988-475000-Pequena%255B1%255D.jpg"><span style="color:#ffffff;"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 400px; DISPLAY: block; HEIGHT: 284px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5573501949099907730" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjsjUnEn-0cHIoEXml1v1jtIqn49kvz-r1D3cl-byAA6cIwavJuVJFyW3cd_GfJTRtOEBsFBLUTtk3qgqGaTp1g-YYHGTKed6ZxAgE0zE2O81IoEdXoYhNn8dabp68USWzUno9bR4nRT1k/s400/Albuqueerque+Mendes+20100209182533_AP1386-AlbuqerqueMendes-SiteIchAllein-TenicaMistaSMadeira-475x67cm-1988-475000-Pequena%255B1%255D.jpg" /></span></a><span style="color:#000000;"></span><br /><span style="color:#000000;"></span><br /><br /><br /><span style="color:#ffffff;">A profusão de símbolos visuais e elementos industriais com os quais somos bombardeados no quotidiano urbano dá origem a um cenário de ruído comunicacional. Cada um desses signos e símbolos pretende passar uma mensagem, seja ela a venda de um produto, a reivindicação de um direito, a simples assinatura de um transeunte ou uma advertência de perigo. Entre todos estes produtos da civilização, avançamos e movemo-nos com maior ou menor facilidade. Se os artistas futuristas do início do século XX proclamavam a velocidade como forma de vida e arte, hoje em dia ela não precisa de incentivos. Os artistas associados ao Nouveau Realisme fizeram do mundo uma tela e criaram imagens a partir dos seus fragmentos industriais. Após as guerras, voltou a prosperidade económica e vender tornou-se fonte de um estilo de vida baseado em comprar. A publicidade desde então reina nas ruas e nas casas, tendo a Arte Pop aproveitado esta linguagem, vampirizando-a e transformando-se na crítica a este estilo de vida: a cultura de consumo. Hoje, a profusão exacerbada do graffiti torna-o por vezes invisível no espaço urbano e perde o carácter interventivo. Originariamente linguagem artística de rua, acaba por contaminar as galerias. </span><br /><br /><span style="color:#ffffff;">A panóplia de estímulos dá lugar à entropia comunicacional. Paradoxalmente, por mais gritantes que sejam os elementos visuais à nossa volta, quanto mais os vemos menos os apreendemos, pela embriaguez visual em que entramos. Assim, poder-se-ia dizer que igual seria se as paredes que nos rodeiam fossem todas brancas e as máquinas silenciosas. Mas tal não é verdade. O nosso silêncio não é feito da ausência de som e o branco tem todas as formas e cores lá dentro. Simplesmente deixamos de olhar e escutar. Mesmo que o mapa que se nos apresenta à frente seja um plano terrorista, apenas já só vemos linhas e ruas. Da confusão, o que fica? A arte contemporânea assume ainda a influência pop. No entanto, ela deixou de usar os ícones pop com o entusiasmo optimista que caracterizava muita da arte dos anos 60, mesmo quando ela estava no seu auge transgressor. Em vez disso, a arte hoje aborda o imaginário da sociedade urbana com azedume e frivolidade melancólica1.<br />Esta exposição é uma selecção feita a partir do acervo Artelection e não pretende efectuar ligações entre os artistas, de origens, percursos e opções estéticas heterogéneas, senão mesmo opostas em alguns casos. Em comum, a referência à actividade incessante, à produção industrial, à comunicação de massas, à sinalética de orientação ou à decomposição destes elementos pelo uso desenfreado ou pela mera passagem do tempo. No final, talvez fique uma confusão visual, talvez se retenha um elemento particular, ou talvez mesmo nada fique.<br /></span><br /><br /><br /><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgVhtXR8BWPH2J3KWko2CDzoZYRPlwIDuLxo9bd4oEyHnVcO6n09QN3nP_R37IR0x1j4hm1Pn92CEVsuRu092J_AGw-HtAdahSKF1eMaURDZb5vmBE_mSg6x2mE1EEmsKIBGMkxQqWXL_U/s1600/Raymond_Hains_20100211130444_AP1948-RaymondHains-AffichesLacereesSurTole-TenicaMistaSTelaSGrade-107x100cm-1973-3900000-Pequena%255B1%255D.jpg"><span style="color:#ffffff;"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 370px; DISPLAY: block; HEIGHT: 400px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5573502438787659538" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgVhtXR8BWPH2J3KWko2CDzoZYRPlwIDuLxo9bd4oEyHnVcO6n09QN3nP_R37IR0x1j4hm1Pn92CEVsuRu092J_AGw-HtAdahSKF1eMaURDZb5vmBE_mSg6x2mE1EEmsKIBGMkxQqWXL_U/s400/Raymond_Hains_20100211130444_AP1948-RaymondHains-AffichesLacereesSurTole-TenicaMistaSTelaSGrade-107x100cm-1973-3900000-Pequena%255B1%255D.jpg" /></span></a><span style="color:#ffffff;"><br /><br /></span><br /><span style="color:#ffffff;">Curadoria Miguel Matos</span><br /><span style="color:#ffffff;"><br /><br /></span><br /><br /><span style="color:#ffffff;">Artistas: Albuquerque Mendes, Esther Pizarro, Ivan Messac, Leonel Moura, Mendes de Almeida, Peter Klasen, Raymond Hains, Rui Effe, Sara Franco, Telmo Alcobia. </span><br /><span style="color:#ffffff;"><br /><br /></span><br /><span style="color:#ffffff;"></span><br /><span style="color:#ffffff;"><br /><br /></span><br /><span style="color:#ffffff;">A Galeria São Bento fica na Rua do Machadinho, 1, Lisboa</span><br /><span style="color:#ffffff;"><br /><br /></span><br /><br /><br /><br /><span style="font-size:78%;color:#ffffff;">1. LUCIE-SMITH, Edward, Movements in Art Since 1945, Thames & Hudson, Londres, 2000, p.259</span>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9182722082811026982.post-82871868750784150652011-01-31T04:32:00.000-08:002011-01-31T04:36:25.664-08:00Man Ray, Jorge Martins e Julião Sarmento - Retratos de Mulheres<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiC92XYA_zLB1pGtvhQW6LJ7uQg8pjKPMC4ug4uVRcKHRj8vd08Fl5LQD9eozso2DcUz8DsVwkqzxiPlDGfbsWjZZ1EMNwDl8QL-ouwKe06IWd4y6dW58fhk6L5lt2cIiSj0K-_Rl-oK-I/s1600/Man+Ray+031.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 361px; DISPLAY: block; HEIGHT: 400px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5568327847211618514" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiC92XYA_zLB1pGtvhQW6LJ7uQg8pjKPMC4ug4uVRcKHRj8vd08Fl5LQD9eozso2DcUz8DsVwkqzxiPlDGfbsWjZZ1EMNwDl8QL-ouwKe06IWd4y6dW58fhk6L5lt2cIiSj0K-_Rl-oK-I/s400/Man+Ray+031.jpg" /></a><br /><span style="color:#ffffff;">Entre dadaísmos, surrealismos e experimentalismos uma coisa sempre se manteve ao longo da carreira e da vida de Man Ray: o seu fascínio pelas mulheres. Mais do que isso, o fascínio pelo corpo das mulheres que teve como suas. Mas enquanto muitos artistas guardam para si a intimidade, Man Ray partilhou com o público a imagem da nudez das mulheres com que se relacionou amorosamente. Tal foi o que se passou com a célebre Kiki de Montparnasse em fotografias que ainda hoje são consideradas pornográficas. Mas a mulher que mais duradouramente foi fotografada por Man Ray foi Juliet Browner. O artista conheceu Juliet aquando do seu regresso à America em 1940, na viagem de fuga ao regime Nazi, durante a qual fez uma paragem em Lisboa. Ele tinha 50 anos, ela 28. Durante o resto da sua vida fotografou Juliet. De entre essas imagens, seleccionou o conjunto que seria denominado “The Fifty Faces of Juliet”. É este conjunto de fotografias tiradas entre 1941 e 1955, pertencentes actualmente à colecção Fondazione Marconi, que se mostra esta semana na Fundação Arpad Szènes Vieira da Vilva.<br />O projecto do livro The Fifty Faces of Juliet foi concebido por Man Ray no início dos anos 50 do século XX em homenagem a Juliet, e consiste numa selecção de fotografias tiradas em Los Angeles, onde Man Ray aplicou várias técnicas e estilos, intervencionadas, coloridas e de dimensões variadas. Man Ray transformava o corpo das suas mulheres em objectos de veneração, nas suas particularidades e nas propriedades mágicas por ele descobertas e que seriam as causas do seu enfeitiçamento. Nesta lógica, a Juliet nua que vemos nestas imagens não será nunca a Juliet que Man Ray observava. Como dizia John Berger no livro Modos de Ver (Ed. Gustavo Gili) “Ser-se nu é ser-se visto nu por outros e, no entanto, não se ser reconhecido por aquilo que se é. O corpo nu, para se tornar um nu, tem de ser visto por alguém enquanto objecto. (A visão dele enquanto objecto estimula o seu uso como objecto.) A nudez revela-se a si própria. O nu é posto à mostra.” Mas o nu não é o único modo de apresentação de Juliet perante a câmara fotográfica. Como reconhecido fotógrafo de moda que foi, Man Ray, evidenciava um gosto pelo glamour hollywoodesco e pelas poses belas e clássicas.<br />Mas a exposição “Retratos de Mulheres” não conta só com Man Ray. É um triângulo em que os outros lados são contrapontos com um centro em comum: o fascínio pelo ser feminino. Jorge Martins e Julião Sarmento são aqui convocados através do seu olhar sobre a mulher. Jorge Martins apresenta trabalhos feitos entre 1964 e 1973, em Paris, a que chamou Eros cromático. Algumas fotografias foram realizadas no atelier de Vieira da Silva, que a pintora cedia aos artistas que lhe eram próximos. No caso de Jorge Martins, a mulher é fotografada e transformada em imagem pictórica pela intervenção pintada. Um corpo passa a ser uma estrutura de formas e volumes que insinuam um chamamento pela cor, pelo desenho. É nessa manipulação que Jorge martins se aproxima de Man Ray, ao passo que Julião Sarmento já se situa noutro ambiente de fascínio. Nas suas fotografias, que tira desde a década de 60, Julião revela uma admiração pela beleza feminina e pelas idiossincrasias de cada uma das portadoras desse corpo de desejo. Talvez mais fetichista, menos pictórico, mais voyeur, menos sensual, Sarmento apresenta uma abordagem crua e espontânea, apesar de parecer encenar aquilo que se assemelha a frames de um filme.</span>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9182722082811026982.post-69040946724896089542011-01-22T08:58:00.000-08:002011-01-22T09:02:22.215-08:00Vasco Araújo - Com a verdade me enganas...<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgSrmMatP-C9k8xRZosvAdKvbgbtXHCJhz6uk9eNh31KmgmMhOwVuSWPjn0_PjyyRo98MtWuHhnuFKlNB0pqTrfpeXTnQYKOJEeD_AoS2dTTU1kPeyWX5yOSl36bCkhFpMVVmg_0hY5RL8/s1600/Telos%252C_2010%252C_video_still.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 400px; DISPLAY: block; HEIGHT: 225px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5565056697390877730" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgSrmMatP-C9k8xRZosvAdKvbgbtXHCJhz6uk9eNh31KmgmMhOwVuSWPjn0_PjyyRo98MtWuHhnuFKlNB0pqTrfpeXTnQYKOJEeD_AoS2dTTU1kPeyWX5yOSl36bCkhFpMVVmg_0hY5RL8/s400/Telos%252C_2010%252C_video_still.jpg" /></a><br /><div><span style="color:#ffffff;">“Custa muito ser genuína, minha senhora. (…) Somos tanto mais genuínas quanto mais nos parecemos com o que sonhamos”, dizia a personagem de Agrado no filme de Almodóvar Tudo Sobre a Minha Mãe. Esta frase vem a propósito daquilo que julgamos ser o autêntico e o falso. Nisto se inclui a mentira como forma de sobrevivência ou a verdade como impossibilidade, assim como os artifícios com os quais contruímos a nossa identidade. Vasco Araújo reflecte sobre os temas da verdade e do real, do animal e do social na sua exposição “Mente-me”.<br />Este projecto trata do ponto que separa uma coisa do seu oposto. Usar essa ideia para falar da verdade é assumir que a verdade pode ter dois lados. O título “Mente-me” refere-se não só ao mentir aos outros, mas também ao mentirmos a nós próprios. A exposição reúne fotografia, vídeo e escultura, atestando a multiplicidade de linguagens e suportes a que o artista recorre para a representação plástica de uma ideia, associando imagens a textos literários de correspondência ambígua.<br /><br />Vasco Araújo tem tido um percurso fulgurante nos últimos anos, com destaque para a sua participação na Bienal de São Paulo, as exposições em Paris, Boston e Vigo, para além da Casa da Cerca e da Fundação Calouste Gulbenkian. Neste momento é um dos nomes mais vincados da sua geração. Na preparação para a exposição individual na Galeria Filomena Soares, Vasco confessa que a seguir precisa de descansar. Mas será isto verdade ou estará a mentir? “Mente-me” é o nome do conjunto de trabalhos que mostra ao público a partir de dia 20.<br /><br />Todo o trabalho de Araújo tem uma dimensão teatral e “Mente-me” não constitui excepção. No centro está um vídeo em que várias personagens discutem em torno da procura do homem verdadeiro. A dada altura, a personagem central, o velho, diz: “Um homem simples que não tem senão a verdade a dizer é olhado como o perturbador do prazer público. Evitam-no, porque não agrada; evita-se a verdade que anuncia, porque é amarga; evita-se a sinceridade que professa porque não dá frutos senão selvagens; temem-na porque humilha, porque revolta o orgulho, que é a mais cara das paixões. Faz com que nos vejamos tão disformes como somos.”<br /><br />Esta busca é um eco que vem da Grécia antiga. O filósofo Diógenes de Sinope andava com uma candeia em Atenas à procura do homem verdadeiro. Nesta versão contemporânea, a acção passa-se na floresta à hora do crepúsculo, período de tempo em que não se sabe se é de dia ou de noite. Estas obras tratam dessa indefinição, pois a verdade para uma pessoa não o é necessariamente para outra. No vídeo, as personagens mentem aos outros e a si mesmas. A questão da falsidade é levantada também por um par de gémeos (verdadeiros ou falsos?) que perguntam a um travesti se o seu cabelo é real ou é uma peruca. Mas o que significa isso do real? O cabelo falso não existe na realidade? Não condiz mais com a imagem que o travesti tem de si próprio e que quer projectar aos outros? A obra levanta questões acerca da identidade, do preconceito e das convenções sociais, o artifício, a personagem, a confusão entre o real e o imaginário...<br /><br />Para além do vídeo “Telos”, em que a filosofia se junta à ironia, há obras de escultura, fotografia e textos, muitos textos que vale a pena descortinar. Há uma escultura que representa um homem de duas cabeças. “É uma história que eu inventei. Um fala o outro pensa. O que fala diz tudo o que lhe apetece e o outro pensa que o primeiro deve ser assertivo e não dizer tudo o que diz”, explica o artista. Existe nesta série uma duplicidade constante que faz parte da vida. Se não podemos dizer a verdade a toda a hora, também nos ensinam que não devemos mentir. Isso obriga-nos a trabalhar para encontrar um equilíbrio nessa dualidade. “Mente-me” apresenta histórias de ambiguidade. Entre a verdade e a mentira está a ficção. No final, a verdade é reconhecer que muitas vezes mentimos. </span></div><br /><div><span style="color:#ffffff;"></span></div><br /><div><span style="color:#ffffff;">Miguel Matos</span></div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9182722082811026982.post-81860162326073584552011-01-07T04:54:00.000-08:002011-01-07T05:00:59.624-08:00Alexandra Mesquita - "Livros Vivos"<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjoh1Pf643cVCsi9L1yGvQQU6TEr_A-N7EFp587hR-8HaUz9nYjYn7j8gbU-nKNFkYwOBsaf2R1Olw5vKufO-Rybqmj4Ok3tw9pU05eFaas8E-8djEC8l6ygu9gU-ftJRJbNbP5vwSi1gU/s1600/004+%25281%2529.JPG"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 400px; height: 234px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjoh1Pf643cVCsi9L1yGvQQU6TEr_A-N7EFp587hR-8HaUz9nYjYn7j8gbU-nKNFkYwOBsaf2R1Olw5vKufO-Rybqmj4Ok3tw9pU05eFaas8E-8djEC8l6ygu9gU-ftJRJbNbP5vwSi1gU/s400/004+%25281%2529.JPG" border="0" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5559427994958535874" /></a><br /><span class="Apple-style-span" style="font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; border-collapse: collapse; line-height: 15px; " ><span class="Apple-style-span" style="font-size: 11px; ">“Arte é infância. Arte é não saber que o mundo já existe, e fazer um. Não destruir nada que se descobre, mas simplesmente não encontrar nada acabado.” - Rainer Maria Rilke</span><span class="Apple-style-span" >1</span><br /><br /><br /><span class="Apple-style-span" style="font-size: 11px; ">Alexandra Mesquita sente uma inquietação filosófica permanente. O questionamento da vida, do ser que é e dos seres que a rodeiam faz parte da sua personalidade e isso passa para os seus “objectos, nervosos” ou “objectos irrequietos”. Estes objectos constituem, afinal, metáforas para as inquietações dos seus donos. Diz-me o que possuis, dir-te-ei quem és? Seguindo uma linhagem duchampiana, mas abandonando teorias, questionamentos estéticos e outros tiques típicos do artista dito “contemporâneo”, Alexandra Mesquita escrutina comportamentos e atitudes, objectificando-os, criando metáforas palpáveis para as tipologias daquilo e daqueles que ela observa e analisa. Neste caminho que segue, a palavra é companheira quase omnipresente. As letras e as palavras, os signos e os símbolos são as linhas com que tem cosido as suas exposições e ao longo do tempo as peças que as constituem têm passado da bidimensionalidade vertical para uma cada vez mais assumida tridimensionalidade em todas as posições imagináveis. Sendo a artista amante das palavras, escritas, cosidas (cozidas?), pensadas, desenhadas, faladas... é, pois, natural, que os livros acabem por ser matéria de exploração. Ainda para mais no contexto de uma exposição inserida dentro de uma livraria. É que dentro de uma livraria há livros mortos e livros vivos. Livros que se vêem, livros que se lêem. Livros que se dirigem a quem por eles passa e outros que nada dizem (uns vivos e silenciosos, outros mortos estarão). Tal como nós, os humanos, que raramente somos livros abertos. Estes livros de Alexandra Mesquita são “Livros Vivos”. Livros que, por teimosia e artes mágicas, se revelam fechados, abertos, silenciosos ou em queda livre. </span></span><div><span class="Apple-style-span" ><span class="Apple-style-span" style="font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; border-collapse: collapse; line-height: 15px; "><span class="Apple-style-span" style="font-size: 11px;"><br />Já em 1993, Alexandra Mesquita apresentava os livros como suporte. Eram peças com um carácter mais pictórico, mas já pretendiam sugerir que o seu conteudo tinha sido alterado, criando inclusive relevos que podiam simular a destruição pelo fogo, entre outras possiveis sugestões. A utilização e transfiguração de objectos pré-existentes na sociedade de consumo é prática comum no percurso de Alexandra Mesquita. Objectos banais, dos que encontramos nas lojas ou no lixo são elementos de narrativas fragmentadas. Afinal, como refere Catherine Millet, “já os dadaístas haviam dado a entender que não havia razão para não se utilizar também, nas obras de arte, qualquer outro objecto produzido industrialmente”</span><span class="Apple-style-span" >2</span><span class="Apple-style-span" style="font-size: 11px;">. Os livros, pese embora a sua associação directa à cultura e ao conhecimento, são ainda assim objectos de consumo, mas não só. Espelham os interesses e sentimentos de quem os lê ou as aspirações de quem apenas os transporta. Os livros de Alexandra Mesquita reafirmam a dependência da artista em relação à palavra e à comunicação como motor das relações sociais. Nisto dá-nos a observar a palavra viva que se esconde na intimidade codificada em cartas ilegíveis ou a palavra distante que se fecha no seu território geográfico/identitário. A palavra egoísta que não se dá a entender num livro cheio de palavras afins. A palavra diária que se regista para se esconder. A palavra que circula dentro de nós, se recicla e torna a percorrer o corpo alimentando a vida, a palavra que, enfim, desagua no papel e se encontra com outras no mundo-livro. Estes são livros de escritas entrecruzadas que desafiam a descodificação e não apresentam solução à vista. São palavras que se soltam do seu chão e escorrem, mesmo que por vezes sem destino nem receptor.</span><br /><br /><br /><span class="Apple-style-span" style="font-size: 11px;">Miguel Matos</span><br /><br /><br /><span class="Apple-style-span" >1 </span></span><span class="Apple-style-span" style="font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; border-collapse: collapse; line-height: 15px; "><span class="Apple-style-span" style="font-size: 11px;">Rilke, Rainer Maria. Da Natureza, da Arte e da Linguagem. Largebooks, Lisboa, 2009</span><br /><span class="Apple-style-span" >2 </span></span><span class="Apple-style-span" style="font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 11px; border-collapse: collapse; line-height: 15px; ">Millet, Catherine. A Arte Contemporânea. Instituto Piaget, Lisboa, 2000</span></span></div>Unknownnoreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-9182722082811026982.post-38453121049419016592011-01-04T09:17:00.000-08:002011-01-04T09:21:56.782-08:00São Trindade<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj-Dkw4TGrmSmYFOzsYpRu_nPgeRYvHUyZfL2LoRyQU9-iV731yqyybsD0odR0pLVwrETCiBm1bF3_BT6Jv9BIEiO5H0hSiNmY3-g9XOFfgLQtE9rJO-2muBbTrI2ZIV-6eBKuH9yBfVVk/s1600/17IMG_+copy.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 400px; height: 369px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj-Dkw4TGrmSmYFOzsYpRu_nPgeRYvHUyZfL2LoRyQU9-iV731yqyybsD0odR0pLVwrETCiBm1bF3_BT6Jv9BIEiO5H0hSiNmY3-g9XOFfgLQtE9rJO-2muBbTrI2ZIV-6eBKuH9yBfVVk/s400/17IMG_+copy.jpg" border="0" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5558382112129124242" /></a><br /><span class="Apple-style-span" style="font-family: arial, sans-serif; font-size: 13px; border-collapse: collapse; " ><div>São Trindade só expõe individualmente as suas fotografias há seis anos, mas apresenta um corpo de trabalho impressionante. Entre registos autobiográficos e tributos aos amigos, vai trilhando o seu percurso sem ambições desmedidas. Mesmo assim, é a autora de uma das melhores exposições de fotografia de 2010, “The Tailor”. Um trabalho que indica um valor a observar daqui em diante.</div><div> </div><div>Enquanto as raparigas boazinhas vão para o céu, São Trindade vai para todo o lado. O trabalho desta fotógrafa (nascida em Coruche em 1960) não é, por definição, leve. É mesmo denso e por vezes sujo, como a vida. Mas tem zonas de claridade. As imagens que apresenta saem-lhe das entranhas, sem subterfúgios nem meias palavras. O corpo que retrata é o seu, por vezes como um objecto em performance, outras denotando um abandono, um sentimento de desolação. Mesmo através das suas personagens, São Trindade retrata sempre as suas misérias pessoais, as suas paixões, as suas derrotas ou os afectos que vai consolidando. É um ser humano, antes de ser artista.<br />Se São Trindade não for nomeada para o Prémio BESphoto pela sua exposição “The Tailor”, na Galeria VPF Cream Art, é porque os membros do júri andaram distraídos este ano. A artista (cuja primeira mostra em nome individual acontece apenas em 2004) entregou aos olhares do público uma exposição de fotografia que não se ficou por esta definição. Foi uma instalação, uma exploração pictórica sobre os limites entre a fotografia e a pintura, sobre a própria história da fotografia e até tocando no auto-retrato, tudo isto arrumado num projecto coerente e sem falhas.<br />São Trindade fez o curso de Pintura, mas nunca “exerceu” a actividade, enveredando logo pela fotografia. “Comecei a perceber que a pintura não servia para dizer as coisas que eu queria da maneira que eu queria. Tinha uns amigos fotógrafos e aprendi com eles a revelar filmes e comecei a fazer experiências com fotogramas e objectos. O interesse pela fotografia foi crescendo. Não sabia bem como fazer, mas percebi que era importante para mim e que servia para eu dizer as coisas de outra maneira.” Mas a pintura não ficou de lado na vida de São. Continua a fazer, como diz, “muito desorganizadamente”, livros de artistas em que junta colagens, desenhos, pinturas e outras técnicas.<br />O interesse pelo cinema é algo que também sente desde sempre. No seu trabalho há uma relação constante com o cinema. “Tenho a tendência de fazer trípticos e dípticos com as imagens que muitas vezes nem sequer contam uma história. Na edição tendo a agrupar as imagens.” Este espírito foi mais óbvio quando realizou, em 2009, a exposição “Kglamour” na Kgaleria. Tratava-se de um projecto específico sobre o aniversário da galeria e continha em si o espírito da época dourada de Hollywood, retratando os seus amigos envolvidas no colectivo Kameraphoto.<br />Voltando ao leitmotiv do seu trabalho: o auto-retrato. Uma das grandes razões porque São se fotografa é porque a maior parte dos projectos que faz tem a ver com as suas experiências, com as suas vivências, a sua vida. “Só há uma hipótese: tenho de ser eu, senão soa-me a falso.” Sendo quase sempre a fotógrafa quem aparece nas imagens, quem nós vemos nas fotografias pode ser a São Trindade, mas também pode ser uma personagem. No entanto, essa personagem vive dentro do corpo de São e por ela foi criada, por isso, até que ponto se pode dizer que essa personagem não se identifica com a fotógrafa? “Acabo por ser sempre eu”, admite.<br />A expectativa fica no ar sobre qual o próximo capítulo nas imagens de São Trindade: “Não gosto muito de falar nas coisas que vou fazer. Quando o faço há qualquer coisa que sai e que depois faz falta para concretizar...”</div></span>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9182722082811026982.post-36979621352557325402010-12-14T16:59:00.000-08:002010-12-14T17:01:44.037-08:00David Oliveira - Desenhar no espaço<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEig6qx32GZv3id5p69V6eP-hLylhiM9qBy36oHAeShfaYiz9Yrq4xVvJiPgFgao9Sj1QtYU2dOOvSNqvZyA7mdA-xEzYxjKtkt5sxCfNWhnw7uzJIUA87ZX4Brrz1gC8fY92-xGiF2z0VM/s1600/0_David_Oliveira%255B1%255D.JPG"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 400px; DISPLAY: block; HEIGHT: 300px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5550707853135872930" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEig6qx32GZv3id5p69V6eP-hLylhiM9qBy36oHAeShfaYiz9Yrq4xVvJiPgFgao9Sj1QtYU2dOOvSNqvZyA7mdA-xEzYxjKtkt5sxCfNWhnw7uzJIUA87ZX4Brrz1gC8fY92-xGiF2z0VM/s400/0_David_Oliveira%255B1%255D.JPG" /></a><br /><div><span style="color:#ffffff;">Artista recentemente surgido na paisagem da arte portuguesa, David Oliveira (Lisboa, 1980) começou a expor em 2005 e mostra agora novas obras na Galeria Pedro Serrenho. As suas esculturas parecem causar um entusiasmo súbito em quem as vê.<br />A prova disso é a exposição “One Week Studio”, que estava para durar apenas uma semana mas que, depois de montada, foi prolongada para um mês, tal o efeito causado pelas peças no espaço. Filipa Oliveira, curadora dos “Project Rooms” na Arte Lisboa 2010, também foi uma das pessoas atingidas pelo espanto. Ao visitar a galeria durante a preparação do seu projecto, viu a instalação em arame “Biblioteca ou ensaio de multiplicação de planos”, de David Oliveira, e não resistiu a convidá-lo para instalá-la também na feira de arte. Não é de admirar, pois as peças de David Oliveira possuem um apelo que advém do facto de nos baralharem a percepção ao duvidarmos da sua presença entre o desenho e a escultura.<br /><br />Não se trata de um corpo de trabalho baseado em conceitos rebuscados. Cada peça de David Oliveira é um estudo das capacidades de representação através da linha tridimensional em arame. No entanto, a escultura que realiza nesta técnica é capaz de criar sombras que são desenhos de linhas e manchas. Projectada na parede, a peça funciona em diálogo com a sua sombra. Essa sombra aproxima-se mais do desenho e causa uma duplicidade na obra. É difícil dizer se os trabalhos de David Oliveira são puramente escultura ou se são também desenho. A esta dúvida, David responde: “A minha formação é em escultura, como tal sou escultor. Este ano ingressei no Mestrado de Anatomia Artística, que tem uma vertente de desenho muito forte. Estas últimas esculturas, mais riscadas, partilham com o desenho valores plásticos, compositivos, metodológicos, que esbatem muito mais essa fronteira. Tornando-se mais próximo deste, contudo, ganham mais matéria, peso, aproximando-se também mais da escultura. É aqui que se situa o meu trabalho, no melhor de dois mundos, mas se me perguntarem eu direi que sou escultor e não desenhador.”<br /><br />Esta exposição povoa a galeria com uma miscelânea de personagens humanas e animais em poses várias, explorações do retrato e cristalizações de movimento em linhas de arame. Não há um tema específico que David trate. Ele prefere a exploração do material e da técnica ao serviço de um registo figurativo. David Oliveira explora as capacidades de desenhar no espaço e criar personagens e ambientes com esta forma de arte “em esqueleto”, como se sublinhasse o essencial do desenho, mas também o essencial da escultura, retirando tudo o que é acessório. A sua obra, como diz o artista, “é puramente visual”.<br /><br />David Oliveira é, ainda timidamente, um dos talentos que despontam em forma de promessa. Representado pela peculiar Galeria Mito, em Barcelona, acaba de vencer o Prémio Revelação em Escultura, na IX edição do Prémio de Pintura e Escultura D. Fernando II e é um dos seleccionados no concurso Jovens Criadores 2010, do Clube Português de Artes e Ideias. São pequenos indícios de uma carreira ainda curta, mas causadora de interesse.<br /><br />Miguel Matos<br /><br />“One Week Studio" está patente na Galeria Pedro Serrenho (Rua Almeida e Sousa) até 30 de Dezembro. Ter-Sab 11.00-13.00 e 14.00-20.00. A entrada é gratuita. </span></div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9182722082811026982.post-48593712963635464612010-12-13T16:16:00.000-08:002010-12-13T16:24:54.211-08:00David de Almeida - A Matéria em Discurso Directo<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgiFffsWHALjoRMH22LpCxrCNWItI5gKZNSkJGM78nlFtW-eVjsSnZyiI3hdq-Ds0KiA392Wxsrh5gRz6biTrsqClAH1qeds_KwEPeFoFuAeatO9Mx6F8mvESvLx1eF5auyu_arbkerzPo/s1600/David+de+Almeida2.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 400px; DISPLAY: block; HEIGHT: 397px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5550327174116693538" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgiFffsWHALjoRMH22LpCxrCNWItI5gKZNSkJGM78nlFtW-eVjsSnZyiI3hdq-Ds0KiA392Wxsrh5gRz6biTrsqClAH1qeds_KwEPeFoFuAeatO9Mx6F8mvESvLx1eF5auyu_arbkerzPo/s400/David+de+Almeida2.jpg" /></a><br /><span style="color:#ffffff;">Como artista total que é, David de Almeida (São Pedro do Sul, 1945) sempre se dedicou à pintura, à gravura, à escultura e assemblage com resultados que criaram o seu discurso próprio. É esta faceta diversificada que se revela a muitos como uma surpresa nesta exposição antológica. A mostra não pretende ser exaustiva e organiza-se segundo a coerência das obras datadas de 1982 a 2010.<br />Na pesquisa plástica e estética de David de Almeida há um diálogo entre aquilo que o material é e aquilo que ele é capaz de realizar. Existe quase sempre a marca daquilo que o material riscou ou gravou na superfície para depois fazer emergir o próprio material que originou o risco, a mancha ou mesmo a cicatriz. “Não tenho grande relação com a tela”, diz o artista. “Sempre fui criado no meio dos materiais, das oficinas... tenho essa relação com a coisa física.”<br /><br />Nesta exposição, os sentidos são convocados numa experiência em que o diálogo entre composição e material obriga a dupla leitura.<br /><br />O difícil está em decidir qual delas é a primeira. Ou se capta a totalidade da obra ou se cede ao apelo físico e se parte à descoberta dos seus elementos matéricos. Descobrir de que é feita a obra, sentir a rugosidade da superfície vertical ou quase tocar (é o que apetece) a textura do metal em bruto, oxidado ou polido. Ou da pedra, esculpida ou aglutinada.<br /><br />A surpresa está garantida para quem não tem acompanhado a actividade expositiva do artista em galerias como a 111 ou mais recentemente a Valbom, onde mostra regularmente o seu trabalho de pintura e escultura. A gravura, técnica talvez esperada pela maior parte dos visitantes, apenas aparece aqui em poucos mas excelentes exemplos. Em Portugal, país onde a gravura já teve dias áureos, não se aprecia esta técnica, perdurando o desinteresse e incompreensão face à obra gráfica. Assim, revisita-se nesta antologia um período dos anos 80, menos conhecido. “Na inauguração percebi que até alguns amigos meus não sabiam que eu fazia este tipo de trabalho”, conta David. “Algumas destas obras apenas tinham sido expostas na Galeria 111, numa altura em que a crítica emergente dos anos oitenta estava mais preocupada com outros assuntos. Anos depois, alguns críticos escreveram que as coisas mais importantes que eu fiz foram desta época.”<br /><br />Ao longo das salas testemunha-se uma redução das formas ao seu mínimo, maximizando as potencialidades plásticas da cor, da matéria e da textura, ampliando assim a experiência sensorial. Há diálogos e desdobramentos entre aquilo que David de Almeida faz nas diferentes técnicas. Um jogo entre a pintura e a escultura que transforma o bidimensional em tridimensional e vice-versa. É de destacar uma série de obras em papel moldado, realizada em 1982. “À volta do sítio onde nasci há imensas gravuras rupestres. Fiz o percurso destas gravuras e pensei que nunca se tinha tirado provas delas. Então decidi fechar o ciclo.”<br /><br />A técnica consistia em colocar borracha de silicone por cima da pedra e assim fazer o negativo.<br /><br />Esse silicone tinha que ter umas costas em gesso. “Andávamos nós pelas matas com o silicone, baldes de água e sacas de gesso às costas. Era uma mão-de-obra enorme... Depois trazia o molde para o ateliê, montava as placas de gesso e prensava a pasta de papel contra o silicone”, conta. O resultado são formas ancestrais em relevos brancos de papel como pedra. Aliás, a pedra está quase sempre presente na obra de David de Almeida quer em evocação, quer por sugestão ou mesmo em matéria, como nos quadros em que as composições geométricas são feitas em pedra em pó com gel.<br /><br />Entre a forma e a matéria, a luta acaba em vitória para os dois lados numa antologia que leva a entender onde começou o trabalho que hoje vemos e porque chegou ao resultado final.<br /><br />Miguel Matos<br /><br />“David de Almeida – Antologia" está patente na Galeria do Palácio Galveias (Campo Pequeno) até 30 de Janeiro de 2011. Ter-Sex 10.00-19.00. Sáb e Dom 14.00-19.00. A entrada é gratuita. </span>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9182722082811026982.post-2487318282891563752010-12-01T03:53:00.000-08:002010-12-01T04:02:41.372-08:00Rui Effe - Tóxicos Delírios Musicais<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhH2VQ2dALkyphhd3Hy60HzIvUVAVJlf6I1UAM2HkL2hxPZldi-eDoKVKWCjtdq78SG8jDsFl5T3p76w8s1PkV82pWDEvO4HPIdAIvHLO_UFQUzXlBeNQdLG0gzqXgk7ML7WWnB1UDqMg4/s1600/Sin%25C3%25B3nimo%252520-%252520Rui%252520Effe%255B1%255D.jpg"><span style="color:#ffffff;"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 400px; DISPLAY: block; HEIGHT: 370px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5545682725469264786" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhH2VQ2dALkyphhd3Hy60HzIvUVAVJlf6I1UAM2HkL2hxPZldi-eDoKVKWCjtdq78SG8jDsFl5T3p76w8s1PkV82pWDEvO4HPIdAIvHLO_UFQUzXlBeNQdLG0gzqXgk7ML7WWnB1UDqMg4/s400/Sin%25C3%25B3nimo%252520-%252520Rui%252520Effe%255B1%255D.jpg" /></span></a><span style="color:#ffffff;"><br /></span><div><br /><br /><span style="color:#ffffff;">Segundo a lenda medieval, na província de Taranto, no Sul de Itália, um veneno misterioso punha os habitantes em delírio, delírio esse que inspirou um género musical. São estas loucuras e estas músicas que se sentem ao percorrer com o olhar os percursos sinuosos dos desenhos parcos de cor mas plenos de movimeno de Rui Effe. “Uma noite adormeci a ver um filme e a meio da noite acordei com o som de um violino que tocava aceleradamente uma música lindíssima. Fui pesquisar à internet e descobri que a música era uma tarantela. Descobri também que associada à tarantela existe uma lenda. Foi essa lenda que me levou a fazer estes desenhos.” É assim que Rui Effe explica o porquê do tema da sua exposição “La Tarantella”, na Galeria de São Bento.<br />O corpo tem sido sempre uma das maiores preocupações e interesses deste artista (o seu blogue chama-se esteeomeucorpo.blogspot.com).<br /><br />De forma menos directa, em “La Tarantella” é ainda o corpo que se expressa afectado e infectado através de um veneno catalisador de danças e convulsões físicas. Trata-se de uma representação gráfica de substâncias estranhas que, ao entrarem em contacto com o corpo humano, quer sob a forma física, quer espiritual, o tornam peculiar. Nesta representação, apesar de abstractizante, é possível visualizar correntes circulatórias em alta velocidade que fazem os olhos dançar pela superfície do papel e da tela como corpos em transe. É uma “exaltação, um delírio e a prostração do corpo assim que invadido pela substância contaminante”, diz Effe. O registo da maior parte destes trabalhos é de um desenho automático, realizado em velocidade sobre papel e em objectos. Desde sempre ligado essencialmente à disciplna do desenho, Rui Effe tem-se dedicado ultimamente também à produção de objectos, instalações e assemblages, com resultados plásticos misteriosos e impactantes. Em “La Tarantella”, o desenho torna-se mais uma vez tridimensional em telas suspensas, acordeões, ninhos, teias e outras realidades físicas em técnicas pouco convencionais. Há um lado obscuro e de opacidade que impede uma visão imediata do conteúdo de cada elemento. O mistério é parte integrante desta série, com peças desconcertantes que provocam o observador. Nem tudo é lógico, nada é certinho. “La Tarantella” gira em círculos e linhas sinuosas que entontecem como um veneno.<br /><br />Uma vez que o conceito da exposição se baseia em crenças e mitos, eis mais um pouco do elemento histórico que fundamenta o conceito das obras. O título e género musical que serve de referência tem a ver com o tarantismo (também chamado tarantulismo). Segundo a crença popular este é um delírio muito específico, causado pela picada tóxica de uma aranha muito especial: a tarântula (Lycosa tarentula). Quando os habitantes de Taranto eram atacados por este bicho, o resultado era uma febre que se traduzia numa dança frenética – a tarantela. Nos desenhos de Rui Effe, os cérebros derretem-se, as figuras esbracejam, as veias dilatam-se e transformam-se em pautas de uma música veloz e inebriante como um orgasmo ou um outro qualquer êxtase físico ou mental.<br /><br />Miguel Matos<br /><br />“La Tarantella” está na Galeria de São Bento (Rua do Machadinho, 1) até 30 de Dezembro. Aberta de terça a sexta das 14.00 às 20.00. Sábados. domingos e feriados só por marcação. Entrada gratuita. </span></div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9182722082811026982.post-16503299081085159252010-11-28T11:49:00.000-08:002010-11-28T12:06:21.782-08:00PIECES and PARTS - Plataforma Revólver, até 22 Janeiro. R. da Boavista, 84, 1º. Lisboa<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiUXptSTEC3MgImsWcmNTj-0vNVEiWJi_hnztXZ9J7ZC7wLrFSONj0yT-TBWoBBrD-hwgcKHcxI2RL7lAKvBuDhQMFoEb640P6_5_LebHJi1ER7gDFmJLJc4fFwjxhOmMWdXvmJJ6yE4Sw/s1600/Convite-artecapital.jpg"><span style="color:#ffffff;"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 284px; DISPLAY: block; HEIGHT: 400px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5544694341762828402" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiUXptSTEC3MgImsWcmNTj-0vNVEiWJi_hnztXZ9J7ZC7wLrFSONj0yT-TBWoBBrD-hwgcKHcxI2RL7lAKvBuDhQMFoEb640P6_5_LebHJi1ER7gDFmJLJc4fFwjxhOmMWdXvmJJ6yE4Sw/s400/Convite-artecapital.jpg" /></span></a><span style="color:#ffffff;"><br /></span><div><span style="color:#ffffff;">Curadoria de Elsa Garcia e Miguel Matos<br /><br /><br />Nascida em 2002, a Revista Umbigo começou por ser uma publicação sobre arte e cultura com um enfoque específico: o corpo como lugar e assunto da criação artística. Objecto editorial difícil de catalogar, provou a conquista do seu público apesar do deserto editorial em que se situava na época da sua génese. Embora o corpo não seja já o tema fulcral da Umbigo, foi neste assunto que tudo se originou. Quando se completam oito anos, 35 edições trimestrais da revista, que melhor tema para uma exposição comemorativa do que o corpo? É pois este o assunto que, partido e reunido, a Umbigo propõe analisar.<br /><br />“The human organism is an atrocity exhibition at which he is an unwilling spectator”<br />J. G. Ballard, The Atrocity Exhibition<br /><br />Não é assunto novo na arte moderna e contemporânea. O corpo sempre foi um dos objectos mais “remexidos” pela arte. Desde a “lógica da representação à lógica da participação/interacção, do critério do perfeito ao desafio do inacabado, o corpo na arte decanta-se, miscigeniza-se, desproporciona-se, desequilibra-se, desvaloriza-se, efemeriza-se, órfão do sentido único”<span style="font-size:85%;">1</span>. O corpo como realidade física é composto por órgãos, peças e partes visíveis e outras ocultas, apenas imagináveis até à invenção dos métodos e tecnologias médicas de visualização do seu estado interno. Falamos de um corpo que já não o é apenas como um todo, mas também como uma dispersão através da representação das suas partes. Se encarado como objecto estético e metafórico, cada órgão é visto pela sua capacidade iconográfica, seja através da representação realista ou através do rasto da sua passagem ou percepcionado através dos materiais por ele produzido. É uma multiplicidade de imagens que, sendo do corpo, dele já se afastaram. Referem-se ao seu portador, mas vivem de forma autónoma. Estes fragmentos - esta desconstrução - podem constituir um alfabeto, separando as letras da palavra carnal. Cada um deles vive assim em conjunção com outros, coordenados ou não, criando um discurso passível de diferentes leituras que podem ser literais, conceptuais ou poéticas, consoante o observador e o proponente de tais visões. Paradoxalmente, “Pieces and Parts” reune as partes sem nunca se conseguir ver o todo.<br />Entre os signos e as próteses, as marcas do desejo e as provas de devoção, o corpo é palco daquilo que o próprio corpo sente e pensa. Um corpo analisado em memórias e fragmentos é o mote para uma exposição em forma de lição de anatomia. Através de objectos representativos das peças e partes que compõem o corpo humano, reune-se uma amostra de diferentes abordagens à sua representação. O conjunto resulta numa visão em desconjunto, afasta-se da totalidade física para atingir uma sucessão de imagens e objectos aparentemente sem sentido mas que sugerem a única coisa que os seres humanos inequivocamente partilham: uma idêntica geografia interna, uma cartografia comum, uma máquina orgânica… A exposição reúne linguagens e técnicas divergentes, como a pintura, a joalharia, a escultura, o vídeo e a instalação de autores provenientes de Portugal, Brasil, EUA, Espanha e Sérvia.<br /><br />Miguel Matos<br /><br /><br /><br />Artistas:<br />Alexandra Mesquita, Ana Vidigal, Annie Sprinkle, Carlos Mélo, Clara Games, Cristina Ataíde, Fátima Mendonça, Inês Nunes, João Galrão, Julião Sarmento, Lara Torres, Leonor Hipólito, Lluís Hortalà, Manuela Sousa, Miriam Castro, Miguel Branco, Rafael Canogar, Rui Effe, Sara Maia, Teresa Milheiro e Vladimir Velickovic.<br /><br /><br /><br /><span style="font-size:78%;">1. BARBOSA, António. <em>Corpo Metafórico in O Corpo na Era Digital</em>. Faculdade de Medicina de Lisboa, Lisboa, 2000.</span></span></div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9182722082811026982.post-56674985621408562592010-11-19T03:59:00.001-08:002010-11-19T04:02:36.623-08:00Fátima Mendonça - Um carrossel de obsessões domésticas<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi-3M3cibnkfQecNrcmtNGF55ZEb2FMmDVSm4_KL9sRklS-ECa6PeCD6MP1LFr811g90eBdgXj8LEkikU7qgD271NFiH1pvHobyK7tPBmSNaLGBf6QDoSuXsBYDDPKbcsPgsALe1QyAEv8/s1600/FM0133%252520Casa-Carrossel%252C%2525202010%252C%252520pastel%252520de%252520%25C3%25B3leo%252520sobre%252520papel%252C%25252055x68%252520cm%255B1%255D.JPG"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 400px; DISPLAY: block; HEIGHT: 324px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5541229898103066370" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi-3M3cibnkfQecNrcmtNGF55ZEb2FMmDVSm4_KL9sRklS-ECa6PeCD6MP1LFr811g90eBdgXj8LEkikU7qgD271NFiH1pvHobyK7tPBmSNaLGBf6QDoSuXsBYDDPKbcsPgsALe1QyAEv8/s400/FM0133%252520Casa-Carrossel%252C%2525202010%252C%252520pastel%252520de%252520%25C3%25B3leo%252520sobre%252520papel%252C%25252055x68%252520cm%255B1%255D.JPG" /></a><br />Fátima Mendonça pinta sempre o interior de si, por vezes no interior de uma casa. Na casa pintada de Fátima, vive uma toureira que enfrenta os medos de frente, que seduz e entra no jogo da carne e da morte. As toureiras, metáforas de coragem, visitam muito as suas pinturas. Na casa imaginada de Fátima há uma toureira que se isola de tudo. O mundo em que vive, construiu-o para si com aquilo que tinha à mão: doces, dores e obsessões. Com estas matérias-primas caseiras, construiu um carrossel. Uma coisa que gira, que gira, que gira, que não vai a lado nenhum e não pára.<br />Um divertimento de ais e ansiedades que dá a volta à casa, que dá a volta à toureira e que nunca mais tem fim... É esta a “Casa-Carrossel” que Fátima Mendonça transportou para a Galeria 111. “Eu trabalho de forma circular”, diz a pintora. Isto quer dizer que há um conjunto de elementos que, de forma obsessiva, circulam, aparecem e desaparecem nas imagens que cria. Também a sua visão das coisas que a cercam e da vida que tem tende a criar ciclos e círculos. Nestas realidades à roda do inexplicável, Fátima deixa de lado o medo que foi o motivo da sua anterior exposição. Já não é o medo que espreita pelos cantos da casa ou que se esconde sob o papel de parede. Não que ele tenha desaparecido, mas a artista entregou-se a outras paciências.<br /><br />O seu mundo afunilou-se, reduziu-se a uma casa isolada, que nem assenta sobre a terra, mas que se pendura por um pau, longe do contacto com o mundo.<br /><br />Da casa pendurada por paus e fios cresce um enorme carrossel, construído por quem lá mora, montado com objectos domésticos e estilhaços de coisas que doem.<br /><br />“É como se tivesses o coração todo partido e fosses, no meio do desespero, colar as pecinhas e, então, fica outro objecto com forma de coração, todo atrofiadinho, todo remendado. E acaba por ter muito mais valor do que o coração impecável porque foste tu, com a tua dor, que o foste ligar e construí-lo de novo”, conta Fátima. “É a tua forma de superar, como se agarrasses na tristeza e conseguisses construir algo, mesmo que saibas que aquele carrossel não te leva a lado nenhum. Mas é bonito e é para isso que serve um carrossel, para nos divertirmos.”<br /><br />Nestas telas e desenhos vemos uma casa suspensa, distanciada do chão. Dentro dela mora alguém que não tem contacto com a realidade. Nesta casa, a única coisa que a toureira pode criar são carrosséis no telhado. Carrosséis feitos, à falta de melhor, com o material que está à mão. São coisas manuais, criadas com os fantasmas de quem lá vive. Há carrosséis feitos de fios, de pernas de toureira, de formas de bolo e de rabos de touro.<br /><br />Não há nesta exposição uma história para contar. Apenas um registo obsessivo de movimento circular. Sente-se uma vertigem pelas alturas e uma atracção pelas velocidades. Tudo gira num vórtice de símbolos como os rabos de touro (metáforas para a dor) numa volta de pernas de toureira – “é como se ela tivesse parado de brincar às touradas. É uma ironia. Ela já não consegue fazer nada com os fatos, e então pega neles e faz um carrossel”. Há rodopios também feitos de formas de bolo. Fátima diz que “podemos construir uma prótese de bolo, uma mão, por exemplo. Os bolos são coisas que eu ligo à casa. São coisas doces, que sabem bem e que alimentam, mas essa ideia interessa-me porque consigo encontrar nela qualquer coisa de assustador e perverso”.<br /><br />Não venha à exposição “Casa-Carrossel” se as voltas lhe perturbam a lógica e causam tonturas. “A ideia do carrossel é uma ideia circular”, explica a pintora. “Tem um lado lúdico, obsessivo e pode ser uma coisa angustiante porque dá uma sensação de perigo, mas tem também um lado de festa. Este é um carrossel impraticável, é mais um labirinto do que um carrossel, criado por alguém que anda ali às voltas e nunca desce à terra. No fundo, os carrosséis têm qualquer coisa de gigantesco, é como se fossem um espaço onde nos perdemos.” E se nos perdemos é porque a razão se mostrou inútil. No limbo entre o real e o imaginário interior de Fátima Mendonça, o melhor é entrar no carrossel e aproveitar a viagem.<br /><br />“Casa-Carrossel” está patente na Galeria 111 (Campo Grande, 113) até ao fim do ano. De terça a sábado das 10.00 às 19.00. Encerrada nos feriados. Entrada gratuita.<br /><br />Miguel MatosUnknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9182722082811026982.post-90154600836533913962010-11-16T16:14:00.000-08:002010-11-16T16:29:41.838-08:00Teatro Digital - Reflexões sobre Miguel Chevalier<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgZ-2cFFxjRK7hjAS1PCefcSyIfB7qBEstiA0USgBkhxWp_7bWmBai9mcSFAtNxlRv8PclwI5zPutj-U0hF0s_RngFFjlOe7w3uMvsfBqFNjAJ-slmJtSjd64lNxEg1q50dMWHKnOVy08M/s1600/oxalis%255B1%255D.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 400px; DISPLAY: block; HEIGHT: 394px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5540308472419228658" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgZ-2cFFxjRK7hjAS1PCefcSyIfB7qBEstiA0USgBkhxWp_7bWmBai9mcSFAtNxlRv8PclwI5zPutj-U0hF0s_RngFFjlOe7w3uMvsfBqFNjAJ-slmJtSjd64lNxEg1q50dMWHKnOVy08M/s400/oxalis%255B1%255D.jpg" /></a><br /><br /><div><span style="color:#ffffff;"><em>“A arte digital oferece um verdadeiro reservatório de formas impossíveis de imaginar de outro modo, uma quantidade ilimitada de formas representando, por exemplo, objectos em três dimensões a partir de equações complexas, ou de imagens fractais bi ou tridimensionais geradas unicamente por simulação gráfica. O computador pode permitir traçar as figuras mais inimagináveis, onde poderosas equações possuem uma pluralidade de parâmetros funcionais, capazes de satisfazer o nosso inconsciente óptico”</em><span style="font-size:78%;">1</span>. - Herlander Elias in </span><em><span style="color:#ffffff;">Néon Digital<br /><br /></span></em><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjo8JeEmkBSvUyzls8UVGephXo8VxVwXagj4A63Scnamv0wurold2m9MF2hjam3EgSSC1R9DaceZ7Xg8zzLbizq7wIUkTj1B-wc4xu2Hk00AZsg6vNsLQ8WVfPc8Pk47m6Q0YrZcIWQ0Rk/s1600/PixelsInfini_blanc%255B1%255D.jpg"><span style="color:#ffffff;"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 399px; DISPLAY: block; HEIGHT: 400px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5540308488581678946" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjo8JeEmkBSvUyzls8UVGephXo8VxVwXagj4A63Scnamv0wurold2m9MF2hjam3EgSSC1R9DaceZ7Xg8zzLbizq7wIUkTj1B-wc4xu2Hk00AZsg6vNsLQ8WVfPc8Pk47m6Q0YrZcIWQ0Rk/s400/PixelsInfini_blanc%255B1%255D.jpg" /></span></a><span style="color:#ffffff;"><br /><br /><br />Um desafio de ver e agir. É o que Miguel Chevalier propõe ao entrarmos, ao sermos sugados por vezes, para dentro das suas instalações interactivas. A realidade que cria é composta por “ambientes” onde o movimento humano é ponto de partida para o desenvolvimento de uma obra de arte em que o deslumbre visual nos leva a divagar em paragens incertas. Neste repto de fazermos parte da obra de arte, de viajarmos com ela, pede-se coragem – é que este mundo virtual que se desdobra perante nós abre portas para o desconhecido...<br />Para Wolf Lieser, especialista em arte digital, “Em princípio, toda a activação de um processo mental que acontece durante a observação de uma obra artística pode ser considerada uma interacção”. O que é o mesmo que dizer que toda a arte é interactiva. Mas há obras de arte, nomeadamente no campo da arte digital, em que há uma interacção técnica, ou seja, estabelece-se uma interacção directa com o receptor através da sua participação tangível na obra. A interacção nas obras de arte digital pode limitar-se ao simples premir de um botão ou ir até um conjunto de relações mais complexas entre a obra e o utilizador/observador. Nas projecções interactivas de Miguel Chevalier verificamos que a obra, apesar de só estar completa com a presença do espectador, consegue viver até mesmo sem ele. Isto porque o seu trabalho baseia-se na generatividade, o que implica o desenvolvimento autónomo de formas a partir de uma espécie de ADN digital. Segundo o artista, trata-se de um “simulacro da natureza” que envolve a vida, a mutação contínua, o movimento e a transição entre estados. Por exemplo, em Fractal Flowers, as sementes virtuais criam flores autónomas que crescem, abrem e murcham até ao infinito. No entanto, sempre que se requer a interactividade, o artista toma o observador como sujeito da experiência artística, um elemento cuja acção e movimento sustenta a própria obra de arte. Isto implica uma responsabilidade partilhada no que diz respeito à autoria e ao processo de criação. O observador passa a actor, ao transitar do tradicional comportamento passivo para um comportamento activo, chegando a representar um elemento central na obra de arte. Esta conectividade entre obra e observador salienta o carácter performativo presente em muitos dos trabalhos de Miguel Chevalier.<br />A interactividade característica do trabalho deste artista situa-se num nível em que Miguel estabelece a priori as acções possíveis ou não de serem realizadas perante o conjunto de imagens e dispositivos que coloca à disposição do visitante. Assim, o interveniente é uma espécie de performer mas apenas a um nível limitado, sem possibilidade de radicalmente transformar as acções permitidas. Na actividade previamente pautada pelo artista, o usuário tem o poder, primeiro que tudo, de optar por entrar ou não na obra de arte. Depois disso, tem o poder de aceitar uma ou várias (ou todas) as opções de interacção, como se de um jogo se tratasse. Noutro nível de exploração da obra, o usuário poderia ampliar ou negar a informação previamente fornecida pelo artista, assumindo um papel cada vez mais autoral. Não é, no entanto, esse o interesse primordial de Chevalier.<br />Ainda no que concerne à possibilidade de leitura performativa das instalações interactivas de Chevalier, é interessante notar que ela se dá a dois níveis: se por um lado podemos ser o actor que age de acordo com os dados com os quais nos é permitido interagir, movimentando o corpo e observando em tempo real a resposta visual em frente ou à volta deste corpo, há também a possibilidade de outros observadores, mais afastados do campo de acção, poderem contemplar a obra na sua totalidade, apesar de alheados da interacção. Assim, actor e ambiente podem funcionar visualmente como um “teatro digital”. Algumas instalações, como “Fractal Flowers” não requerem acções ou movimentos pensados ou conscientemente coordenados por parte do visitante. A simples presença física e a duração da mesma no espaço altera as coordenadas da imagem ou interferem no seu desenvolvimento. Aqui não se pode falar de performance mas sim de uma mera consciência corporal do observador que se sente alvo de uma acção que já não lhe pertence e escapa ao seu controlo.<br />Um aspecto importante do trabalho de Chevalier é o seu carácter site specific. A disposição dos elementos tecnológicos e a escala das imagens projectadas diverge grandemente consoante os locais onde as obras são apresentadas. Com isto mudam os públicos e os comportamentos perante as imagens. Uma vez que são peças que estabelecem uma relação directa com o espaço onde são instaladas, há sempre um elemento arquitectónico a considerar que é de importância extrema para a fruição da peça. Há uma relação directa entre o espaço real e o espaço virtual. Confirma-se assim que o que distingue as instalações digitais de grande escala é o equilíbrio entre aqueles dois domínios e os métodos empregues para “traduzir um espaço para o outro”2.<br />A prática artística de Miguel Chevalier não é uma actividade de ruptura, como se possa pensar à primeira vista, considerando os meios sofisticados que utiliza. Poderá parecer um paradoxo, mas um dos aspectos que distinguem a obra de Miguel Chevalier em comparação com outros artistas digitais é a sua relação com a tradição da pintura. Durante a sua juventude no México, Chevalier privou com personalidades marcantes da cultura e da arte, sendo de salientar os artistas muralistas David Siqueiros e Rufino Tamayo, que frequentavam a sua casa. Tendo esta referência, é pertinente notar que as suas instalações frequentemente, e cada vez mais, assumem grandes dimensões. São muitas vezes projecções murais de grande impacto, que provocam o estarrecimento do observador. Mas esta não é a única relação possível de ser estabelecida com os muralistas e com outras correntes estabelecidas na pintura. Pode-se também resgatar alguma tradição da pintura de paisagem, ao recordar as obras “Fractal Flowers” e “Ultra Nature” em que uma vista panorâmica vegetal é alterada e afectada pela acção do movimento do observador, que chega a ser actor. O artista, numa entrevista aquando da sua exposição “Segunda Natureza”, em Brasília, disse: “a minha formação em história da arte mostrou o quanto artistas como Seurat, Cézanne e Monet, no século XIX, assim como Mondrian, Matisse, Warhol, Fontana ou Nam June Païk, no século XX, e tantos outros, foram visionários e inovadores no campo da pintura. Esses artistas, em certo sentido, por meio de suas pesquisas pictográficas e das suas abordagens intelectuais prefiguram a arte computacional.”3 Serão eles precursores desta arte digital?<br />Wolf Lieser é um dos autores que reconhece esta afinidade de Miguel Chevalier com as correntes da pintura, salientando também a inspiração deste criador nas tradições pictóricas do pontilhismo e do impressionismo4. É curiosa a forma como a tradição da pintura aparece numa linguagem tão recente. Mas a verdade é que em todas as épocas, os pintores utilizaram os meios e as linguagens do seu tempo. O tempo de Chevalier é o tempo da tecnologia. Também Pierre-Yves Desaive relaciona as obras digitais de Miguel Chevalier com a história da pintura. Ele chega mesmo a dizer, a propósito da relação deste criador com Cézanne que “enquanto o artista pretende reduzir o seu sujeito a volumes geométricos, ao mesmo tempo deve evitar a humildade em vista da enormidade e complexidade da sua tarefa como pintor de paisagens. Seria incapaz de atingir o seu objectivo sem o recurso à própria natureza, um mundo natural que lhe oferece um repertório limitado de formas com as quais ele retranscreve a infinitude do visível”5. Miguel Chevalier não se situa longe desta posição. O seu processo, decorrente de técnicas e suportes digitais, de programas de computador em vez de tintas e pincéis, resulta na criação de um vocabulário pictórico próprio, composto, como no caso de “Fractal Flowers”, por elementares formas geométricas, à semelhança do que se passava com o cubismo. Recorrendo às ideias de Herlander Elias, “trata-se de uma cultura da Técnica que dispõe de formas de realização neoestéticas, justamente porque permitem a concepção de formas de beleza totalmente novas, mesmo quando os novos ideais de belo são influenciados pelas técnicas clássicas, pelos procedimentos e métodos de aproximação da arte museificada, agora compartimentados pela ciência de informação e pelos métodos de armazenamento de dados”.<br />Miguel Chevalier não se dedica apenas a temas de referência ao mundo vegetal ou à alusão à pintura através de meios digitais. Em “Crossborders”, a experiência do usuário no centro da instalação interactiva consegue ser ainda mais imersiva porque é tomada em dimensões mais complexas e envolventes. Através de sensores, imagens reais e virtuais (algumas delas em três dimensões) são manipuladas pelo visitante num emaranhado de redes urbanas, comunicacionais e geográficas. É uma envolvência em paisagens verbais, como uma caverna de significados intrincados e em permanente mutação. É um espaço constituído por dados e fórmulas, algoritmos e algarismos. Pertence à nossa realidade, mas num contexto simbólico e feito exclusivamente de informação. “Como espaço construído por cálculos, certamente difere, de muitas formas, dos espaços da nossa realidade física; é o sistema de referência espacial usado nos media digitais. Qualquer discussão acerca das diferenças entre espaços físicos e virtuais requer uma clarificação daquilo que entendemos como espaço em primeiro lugar”, analisa Christiane Paul.<br />Através das suas obras, Miguel Chevalier cria extensões da nossa consciência corporal e espacial. É a estimulação da percepção posta em relação com a cognição na “beleza natural” do ciberespaço.<br /><br />Miguel Matos<br /><br /><br /></span><span style="font-size:78%;"><span style="color:#ffffff;">1 Elias, Herlander. <em>Néon Digital – Um Discurso sobre os Ciberespaços</em>. Universidade da Beira Interior/Labcom, 2007<br /><br />2 PAUL, Christiane; <em>Digital Art</em>. Thames & Hudson, Londres, 2008.<br /><br />3 VENTURELLI, Suzete; <em>Segunda Naureza, 2009</em>. Espaço Cultural Marcantonio Vilaça, Brasília, 2009.<br /><br />4 LIESER, Wolf; <em>Arte Digital – Novos Caminhos na Arte</em>. H.F. Ullmann, Lisboa, 2010.<br /><br />5 DESAIVE, Pierre-Yves; <em>Flores Fractais in Inside – Arte e Ciência</em>. Ed LxXL, Lisboa, 2009.<br /></span></div></span>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9182722082811026982.post-91281931709724296482010-11-09T15:55:00.000-08:002010-11-09T16:01:10.691-08:00José Pedro Croft - Contentores em final grandioso<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiugTijj7RdGbeorLnSEWKnbHCMSR1f7QFqIO1I54RwYEhog_rWZtEm0fj4S1r_rjM1yOQgu7WEfLVVvX7hJuvq_J6y16Cb_Kl33IbAjiQ73X63KPhqZTkJ2DC1IV6aRaVDXy0ZEMkYZzk/s1600/croft.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 311px; DISPLAY: block; HEIGHT: 400px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5537704066297572818" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiugTijj7RdGbeorLnSEWKnbHCMSR1f7QFqIO1I54RwYEhog_rWZtEm0fj4S1r_rjM1yOQgu7WEfLVVvX7hJuvq_J6y16Cb_Kl33IbAjiQ73X63KPhqZTkJ2DC1IV6aRaVDXy0ZEMkYZzk/s400/croft.jpg" /></a><br /><div><span style="color:#ffffff;">A primeira temporada do Projecto Contentores chega ao fim com a mais radical intervenção de todas, concebida por José Pedro Croft. Desde Junho já passaram pelos contentores estacionados nas docas Luísa Cunha, Bruce Nauman, Fernando Ribeiro, R2 Design, Susanne Themlitz e Pedro Cabrita Reis. Uns com maior, outros com menor transformação destes enormes paralelepípedos.<br />Para finalizar em grande, José Pedro Croft vai empilhar os quatro contentores, tirar partes, acrescentar outras, puxar o exterior para dentro e empurrar o interior para fora. Tudo junto resulta numa torre que estilhaça imagens e proporciona uma vivência da escultura por dentro e por fora. Cruza os limites entre imagem e objecto e os limites do corpo com o espaço. Os contentores serão empilhados constituindo uma coluna. As portas ficarão entreabertas e no seu interior serão colocados espelhos. A Time Out teve acesso a uma antevisão da maquete da peça que inaugurará este sábado. O estado final dos contentores, só no final se conhecerá, visto se tratar de uma montagem sujeita a surpresas.<br /><br />José Pedro Croft dá nova forma aos velhos contentores, que adquirem assim a forma característica de outras obras escultóricas do artista. “Subverto a ideia de contentor como uma coisa que recebe imagens do exterior, que as reenvia e acaba por ser uma plataforma de passagem de informação”, explica. O espaço fechado do contentor passa a ser aberto e vulnerável a contaminações vindas de fora. O “quase-edifício”, de formas aparentemente claras no exterior, fragmenta-se com a visão que se pode ter a partir de dentro. Com os planos abertos para o céu e a ponte, assim como com as imagens presas aos espelhos, a percepção desta torre é de mutação, tendo em conta as mudanças entre o dia e a noite.<br /><br />Uma vez que esta é a última intervenção nos Contentores, José Pedro Croft teve total liberdade de manipulá-los, não se preocupando com o que ficará depois. “Nunca tive ideia de usar os contentores respeitando a sua forma”, diz. O próprio contentor como objecto tem muito a ver com as esculturas que José Pedro Croft tem concebido ao longo dos anos. Também elas são sempre contentores. “É verdade”, responde o artista. “Quando eu fiz a retrospectiva no CCB em 2002, reparei, olhando para trás, que todo o meu trabalho andava à volta de rectângulos, caixas e contentores. A escultura é um assunto frequentemente funerário, mas pode não ter a ver só com caixões. Pode ter a ver com caixas, contentores, arcas que guardam sal, farinha, cartas, memórias... Interessa-me a ideia desse sítio onde se guarda coisas que mais tarde são abertas. Se for uma caixa com cartas, elas podem ser lidas e reactivarem as experiências passadas ou, no caso de farinha, esta teve na origem a semente e há-de ser transformada em pão. É todo um processo dinâmico”.<br /><br />No fundo, se guardamos algo num contentor é porque esse algo tem um valor e a finalidade será, em princípio, a sua utilização posterior. O contentor é um lugar de transição, tal como a arte. Croft interessa-se pelo tema: “É um ambiente de fixação. As coisas estão em movimento e há um momento em que são fixadas naquele espaço. Mesmo quando é transportado, o que lá está dentro vai fixo. O que se mexe é o contentor. Depois há outro momento em que se volta ao processo dinâmico.”<br /><br />Nestas dimensões e volumes, a dimensão arquitectural demonstrada abundantemente na obra de Croft torna-se clara, pela forma como o artista trabalha estes contentores, aglutinados num edifício final.<br /><br />Miguel Matos</span></div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9182722082811026982.post-59793286979816846722010-10-20T03:26:00.000-07:002010-10-20T03:29:58.832-07:00João Queiroz - A paisagem como pintura<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiR36Mp9jBJLiZ4tRFmi8miFpiVL_QvAycHY7P9QJc_ng4TFmdzlBQoZ3iz6J9dc4YydwuMHdEFvXDwB8IFbo69Hp_crXEQBEstIXmG85K3LhEmByeKR55DmMtEohdzW-8DrVGiRepS3ck/s1600/Jo%C3%A3oQueiroz114.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 400px; DISPLAY: block; HEIGHT: 334px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5530073356312688050" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiR36Mp9jBJLiZ4tRFmi8miFpiVL_QvAycHY7P9QJc_ng4TFmdzlBQoZ3iz6J9dc4YydwuMHdEFvXDwB8IFbo69Hp_crXEQBEstIXmG85K3LhEmByeKR55DmMtEohdzW-8DrVGiRepS3ck/s400/Jo%C3%A3oQueiroz114.jpg" /></a><br /><div>A pintura de João Queiroz não é uma obra de espectáculo, mas consegue deslumbrar. Não é puramente figurativa mas mantém a representação. Não nos diz coisas explícitas, mas insinua que estamos a observar cenas da natureza. O observador que se deixa sugar pelas cores e traços marcados pela tinta e pelo corpo numa evidência de gestos, deixa progressivamente de se situar apenas e só na paisagem à sua frente. A cena dilui-se, torna-se um objecto visual, apenas e só, em toda a sua gloria.<br /><br />“A percepção da paisagem é uma 'evidência', uma injunção implícita, e é evidente que a paisagem é bela. Nada se equipara à bela paisagem. Ela é dada, apresentada aos sentidos como um usufruto, um repouso.” Quando Anne Cauquelin escreveu este trecho no livro A Invenção da Paisagem parecia referir-se à pintura de João Queiroz. Eis que no epicentro frenético da cidade, aparece uma exposição para ver devagar. “Silvae” é uma antologia do trabalho de João Queiroz em desenho e pintura. Começa em 1992 e vai até à actualidade, organizada como um percurso pouco estruturado, em que as obras se reunem por afinidades e não por épocas. O início da exposição tem como assunto aglutinador os seus primeiros trabalhos, associados a experiências relacionadas com a sua actividade como professor. São pesquisas formais e exercícios entre a imagem e a linguagem verbal. Piscadelas de olho irónicas à representação na arte e desenhos que indagam a influência da palavra no desenho. A paisagem, aqui ainda incipiente, é já um tema importante que leva às pesquisas posteriores. A paisagem é, de facto, o tema único que João Queiroz não mais abandonou até hoje. “A paisagem surge da preocupação em compreender como é que o nosso corpo vê um acontecimento e como é que nós escolhemos esse acontecimento entre os outros, como agregamos as coisas para constituir um objecto... como é que a linguagem leva a fazer isso.”, explica o artista, introduzindo o tom geral da exposição.<br /><br />Na pintura de João Queiroz, não é possível determinar rigorosamente cada um dos objectos representados (uma árvore, um ribeiro, ervas e folhas...) tudo se dilui e interpenetra, embora a sensação final no observador componha a imagem reconhecível de uma paisagem. Nestas imagens é importante a carnalidade da tinta, as espessuras, as escalas, as velocidades que o artista imprimiu na tela. Tudo isto só se revela com a presença directa do observador. Qualquer reprodução aniquila esta experiência. É preciso ver como as obras mudam conforme as dimensões, os suportes e as técnicas, sejam elas em óleo, aguarela ou outras.<br /><br />O pintor guarda na tela e no papel o registo posterior e subjectivo das sensações guardadas no corpo depois da observação de um cenário natural. As obras de João Queiroz são para ver com o corpo todo, usando as coordenadas espaciais que advêm da memória física e da nossa própria consciência corporal. Após uma demorada observação estas imagens deixam de ser paisagens, já são outra coisa. “São pintura”, diz o artista. São objectos para ver. Há assim como que um esvaziamento de sentido para criar uma experiência estética e plástica. É assim que a pintura (sobre)vive e renova o seu interesse. Como diz Queiroz, “se esta se esgotar num jogo de símbolos e sinais, na sua sucessiva interpretação e reinterpretação, tornar-se-à um objecto cultural no sentido mais bolorento do termo, e não mais parte fundamental da criação de novas sensibilidades e novos modos de ver. Não acredito que isso tenha de ser assim. Por isso estou atento à pintura”.</div><div> </div><div>Miguel Matos</div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9182722082811026982.post-46022808173743070112010-10-13T02:55:00.000-07:002010-10-13T15:22:32.632-07:00São Trindade - A Fotografia posta a nu<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhjgfI4M2sxQOSDa11pZQ2yirHt02DV5j8wg89KX23t3rpP05KdsX8PWBUWlfMc2bo-Vt15s9fLH96Llp9s3hMRIO02ldlFuIcNXv-P5_YiWu5T0pOLB77u8q2GzO2XS4jLcQmN27sBhik/s1600/sao2.jpg"><span style="color:#000000;"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 400px; DISPLAY: block; HEIGHT: 300px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5527468980763597506" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhjgfI4M2sxQOSDa11pZQ2yirHt02DV5j8wg89KX23t3rpP05KdsX8PWBUWlfMc2bo-Vt15s9fLH96Llp9s3hMRIO02ldlFuIcNXv-P5_YiWu5T0pOLB77u8q2GzO2XS4jLcQmN27sBhik/s400/sao2.jpg" /></span></a><span style="color:#000000;"><br /><br /></span><div><span style="color:#ffffff;"><span style="color:#000000;"><span style="color:#ffffff;">Os mitos são meios de o homem se conhecer a si próprio. Desde sempre que a arte se inspirou em lendas e mitos como pontos de partida para criações pictóricas. Os mitos constituem, muitas vezes, pilares ancestrais mais ou menos sólidos, mais ou menos credíveis, onde assenta a cultura de alguns povos. “Referente cultural, o mito actualiza-se, permanece vivo; por vezes adormecido, pode surgir numa erupção violenta e construtiva”, diz Victor Jabouille no livro Iniciação à Ciência dos Mitos.<br />A exposição “The Tailor” que a fotógrafa São Trindade apresenta na galeria VPF Cream Art, resgata o mito medieval de Lady Godiva que, embora longínquo geográfica e temporalmente, parece fazer sentido nos tempos que correm. Mas não é só de histórias e mitos que esta série fala. Ela discursa sobre os poderes da fotografia, sobre a construção de uma imagem e de como a fotografia, o desenho e a pintura se podem confundir sem nunca se tocarem.<br />São Trindade (Coruche, 1960) tem desenvolvido actividade na captação de imagens através da câmara fotográfica.</span> </span>Por isso é uma surpresa saber que é licenciada em pintura pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. Quem visita esta exposição percebe imediatamente a relação.<br /></span><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj1eDuWgkct-F9I4CkkoGngJI8Wu-DczZb3uhQFu2awScbQQ01vR5yjyDys_is5nNOSbYa38cTaa_QEvuBQY7nQHYuecOdI1fhUnq4Rehyphenhyphen_D1P0_rzIziZ-qmqR3Un79XC1g0CTYAWmUjs/s1600/sao1.jpg"><span style="color:#ffffff;"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 400px; DISPLAY: block; HEIGHT: 369px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5527468983858570546" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj1eDuWgkct-F9I4CkkoGngJI8Wu-DczZb3uhQFu2awScbQQ01vR5yjyDys_is5nNOSbYa38cTaa_QEvuBQY7nQHYuecOdI1fhUnq4Rehyphenhyphen_D1P0_rzIziZ-qmqR3Un79XC1g0CTYAWmUjs/s400/sao1.jpg" /></span></a><span style="color:#ffffff;"><br />Mas comecemos por saber quem foi Lady Godiva e o que tem ela a ver com o assunto em questão. Diz a lenda que, na primeira metade do século XI, a bela Lady Godiva defendeu o povo de Coventry (Inglaterra), que sofria com os altos impostos do marido, o Duque Leofric.<br />Lady Godiva apelou tanto que ele lhe propôs um desafio como condição: que ela cavalgasse nua pelas ruas de Coventry. Ela aceitou e mandou todos os moradores fecharem-se em casa aquando da sua passagem. Somente uma pessoa (Peeping Tom) ousou olhá-la e por isso ficou cega. Leofric retira os impostos, cumprindo assim a promessa.<br />Voltando a Lisboa, passados mil anos, entramos numa sala com um cavalo em papier-maché e gesso no centro. Olhamos para trás e vemos Lady Godiva imortalizada em fotografia, numa imagem que se refere à icónica pintura realizada por John Collier em 1897. No entanto, se repararmos no pormenor da sela, as iniciais “ST” denunciam que Lady Godiva nesta foto é São Trindade, em auto-retrato. À volta, tudo o que se segue é um conjunto de imagens fotográficas que regista os processos de concepção e construção do cavalo.<br />Há alguns pontos, de entre muitos, a salientar como temas nesta exposição. Primeiro, o mito de que já se falou (será que São se propõe cavalgar nua por Lisboa se o governo baixar os impostos?). Segundo, a questão do voyeur, pela referência a Peeping Tom e sendo o acto de espreitar, de ver de forma encoberta, um dos princípios fundadores da fotografia. Terceiro: a noção de espaço. São vários os símbolos e ícones que São introduziu nestas imagens de modo a contar histórias da imagem. Entre eles há um espelho que amplia o espaço e duplica a virtualidade da fotografia. O espaço fotografado é o ateliê onde foi construído este cavalo, mas que alude ao ateliê como local da criação, de realização.<br />O registo a preto e branco salienta o desenho imposto nas imagens, um desenho feito de contastes e linhas marcadas. As imagens tornam-se cada vez mais abstractas e incorporam uma bidimensionalidade que nos faz hesitar entre a fotografia e o desenho. “The Tailor” é uma série de obras cerebrais, mas que ainda assim consegue encantar o observador.<br />Do mito de Lady Godiva aos mitos da imagem, São Trindade traz à VPF Cream Art uma das melhores exposições aí já realizadas. Convoca a técnica artística, a história de arte e a mitologia. A análise dos mitos, conclui Victor Jabouille, “permite, além da apreensão do homem individualizado, compreender o homem enquanto ser gregário, isto é, como sociedade. E são os mitos actuantes nas várias épocas que especificam o conhecimento da sociedade.”<br /><br />Miguel Matos</span></div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9182722082811026982.post-82807149784823989522010-10-10T09:29:00.000-07:002010-10-10T14:09:50.581-07:00Graça Morais - Retrato com raízes<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhLTizjNY-cgf9lJFz1xUgMiOoh4hpIgBGVTIuVPHlgmpITwwEvIb3jFq9pYa0KDm3gigerdHWBqfpjFb6KzlCNFdq_5IHJSaI4yc8e2SwZ1MfymXy4VZUTZ1gu8_2rS9iaLfM1S6E2F-s/s1600/MIOLO_~3.PNG"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 400px; DISPLAY: block; HEIGHT: 262px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5526526599841424242" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhLTizjNY-cgf9lJFz1xUgMiOoh4hpIgBGVTIuVPHlgmpITwwEvIb3jFq9pYa0KDm3gigerdHWBqfpjFb6KzlCNFdq_5IHJSaI4yc8e2SwZ1MfymXy4VZUTZ1gu8_2rS9iaLfM1S6E2F-s/s400/MIOLO_~3.PNG" /></a><br /><div>Por Miguel Matos<br /><br />A pintura de Graça Morais, ícone essencial da cultura portuguesa, constitui uma obra baseada na intuição, ligada aos sentimentos e às emoções. As terras agrestes e as gentes de Trás-os-Montes foram o ventre da gestação do universo pessoal e psicológico que faz parte das imagens que cria. São estas referências íntimas e ancestrais que fundam em si os alicerces de um caminho seguido ao longo dos anos com idas e voltas à fonte, à raiz.<br />A natureza é o lugar essencial onde Graça Morais apoia a sua verticalidade como artista plástica. A sua aldeia é a realidade à qual sempre regressa numa atitude de agarrar-se e largar-se de si para se entregar à pulsão que desse movimento emerge. Com base nas vivências de um meio outrora fechado sobre si, mas ainda hoje conservador dos seus traços essenciais, Graça Morais constrói um outro mundo, o seu próprio, com todas as referências etnográficas que recolheu durante a vida, mas que, após assimiladas e transpostas, não são já puras. São as suas, comidas, mastigadas e transformadas num organismo ele mesmo produtor de cosmogonias. É desta incerteza de origens, da mistura daquilo que é seu com aquilo que lhe foi dado a ver, viver e sentir, desta confusão referencial, que se cria uma obra particular, identificável com um povo, mas pertencente a um outro domínio que é o da vivência pessoal da criadora, codificada e revelada ao exterior através das suas obras.<br />O que Graça Morais nos mostra nas imagens que cria não são registos senão das suas incertezas, de momentos e lugares, de pensamentos, ânsias e por vezes raivas. Se bebe dos hábitos, lendas e histórias de Portugal e da região que a viu crescer para partir numa aventura quase mística, não é já do domínio da antropologia o que se sente numa pintura como esta. No entanto, esta ideia não é consensual. Críticos há que têm descrito a obra de Graça Morais como um lento trabalho de redescoberta de um imaginário popular, através de uma “recriação gráfica” e inventariando os rituais da gente popular, chegando mesmo a associar a autora a um registo neo-realista com uma vertente antropológica, que busca as raízes de uma memória rural<span style="font-size:78%;">1</span>. Esta posição é contraposta por outros autores, que verificam no trajecto da pintora o desenrolar de um conjunto de idiossincrasias, mais do que de puras observações e registos. Considerar que o que Graça Morais faz é mera antropologia ou etnografia poderá resultar no perigo de reduzir a sua obra a apenas um dos seus elementos constituintes, sendo que a soma destes forma um corpo de trabalho revelador de um mundo próprio, enraizado num contexto rural real e experienciado pela criadora desde a infância. Apesar destas incursões, a recorrência de análises ligadas ao simples carácter de recolha, registo e representação de hábitos e costumes é refutada por opiniões opostas, como a de Sílvia Chicó<span style="font-size:78%;">2</span>, que chega mesmo a situar a obra de Graça Morais dentro de territórios aparentados com os do Surrealismo. Não será uma opinião desconcertante, uma vez que o lirismo, o sabor onírico e até o absurdo, pela associação de díspares realidades, não são estranhos à sua produção artística desde sempre. No entanto, há que notar a ausência de um programa político ou ideológico nesta obra, o que, por si, anula a inscrição da pintora nas referidas correntes artísticas.<br /><br />Mitos do Inconsciente<br /><br /><br /><div><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgOdQAkfUFGDxTF7DvYaoFfHI4MapKNVbGr0D5f1g1MWW8nnuM44axjZsE6FvhZ-1gVrjfch_o9n5hUId4YIg1ldHE5JeDeq6La46_VS6wQjTyatDbwOL_CY8lyjYVBoloFOu57uC_xBBs/s1600/MIOLO_~2.PNG"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 400px; DISPLAY: block; HEIGHT: 313px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5526526589510225298" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgOdQAkfUFGDxTF7DvYaoFfHI4MapKNVbGr0D5f1g1MWW8nnuM44axjZsE6FvhZ-1gVrjfch_o9n5hUId4YIg1ldHE5JeDeq6La46_VS6wQjTyatDbwOL_CY8lyjYVBoloFOu57uC_xBBs/s400/MIOLO_~2.PNG" /></a><br /><br /><br />“A nossa primeira infância marca-nos a todos e eu fui muito marcada pelo que vivi até aos sete anos nesse lugar [a aldeia de Vieiro], que na altura não tinha electricidade, nem estradas nem telefones”, diz a pintora. “O isolamento era tanto que tudo o que eu vivi foi muito intenso. A relação com o meu pai, com a minha mãe e os meus irmãos, numa família numerosíssima e com aquela gente toda na aldeia, ficaram marcadas profundamente no meu pensamento e no meu coração. Sinto que hoje sou uma privilegiada porque tenho esse mundo dentro de mim.” É da transição das origens rurais e sociais ao lado mais efabulatório e metafórico que cresce a essencialidade da sua obra, também a um nível plástico em que é possível identificar traços fortes de inspiração neo-expressionista. O resultado é a criação de uma terra imaginada, situada “na ligação a um ambiente rural, sagrado, quase mítico, com um campo semântico em que mulheres, gestos, faces, animais, cenas de pastoreio e de caça e matanças se confundem e se agitam numa geografia mental e íntima”<span style="font-size:78%;">3</span>. De facto, falar da obra de Graça Morais é inevitavelmente falar de uma geografia híbrida, que tanto tem de terra e carne como de imaginação e sonho. Uma mitologia uterina, um fio que vem do inconsciente e nos atravessa, embebido da identidade regional, sem que se consiga parar para observar a zona de charneira. E apesar dessa inconstância ontológica, mesmo assim, “penetrar na sua obra é entrar no mito dos rituais que ainda prevalecem no Portugal contemporâneo”, como disse Fernando Pernes<span style="font-size:78%;">4</span>.<br />Se o mito é, por definição, uma construção social de um povo ou cultura específica, os mitos criados ou recriados por Graça Morais são de outra natureza, são já transformados. Constituem como que mitos pessoais - criações internas a partir de referências intrínsecas não só a si mas também ao meio onde nasceu e cresceu. E daí o afastamento dessa tal visão etnográfica, pois ela é aqui apenas o ponto de partida para uma viagem longa e incerta. Recorrendo assumidamente desta vez a referências da área da Antropologia, Misha Titiev salientava que os mitos são histórias que dizem “principalmente respeito a entidades ou acontecimentos sobrenaturais”<span style="font-size:78%;">5</span>. O mito é como uma linguagem e faz parte do conjunto de sistemas simbólicos de uma comunidade. “Existem na cultura numerosos sistemas simbólicos que resultam por um lado da interacção social e, por outro, de manipulação cultural, constituindo como que uma apropriação do mundo. No entanto, estes sistemas simbólicos não são passíveis de uma leitura universal. Podemos observar que na sua grande maioria, apenas adquirem significado dentro das unidades culturais em que nascem. Na verdade, os símbolos são qualquer coisa de emocional (...)<span style="font-size:78%;">6</span>.<br />Graça Morais apropria-se dos mitos (principalmente soteriológicos, morais e naturalistas), histórias, imagens e símbolos da sua terra e come-os, torna-os seus. Nesse processo, a pintora afasta-se do mero registo gráfico, da pura etnografia, situando-se no campo entre o sagrado e o profano, o factual e o inventado, o social e o pessoal. Perde-se dos seus suportes religiosos e antigos, afastando-se de referências narrativas para chegar aos territórios da ficção. É uma mitologia que nos envolve naquilo que de mais espiritual temos, enquanto faz uso de elementos simbólicos do quotidiano ou fragmentos de raizes esquecidas no subconsciente. Uma mitologia dentro daquela que é possível descortinar na definição de Victor Jabouille quando refere que o “mito recorda histórias de deuses e de heróis, tem uma tonalidade nebulosa, lírica, agressiva”. Palavras mais do que ajustáveis a uma possível descrição das obras desta artista. Ainda recorrendo a Jabouille, e fazendo o paralelismo com esta pintura, aqui, nestes mundos entre a terra e as gentes evocam-se “sociedades primitivas, grupos reunidos à volta da fogueira, contadores de lendas”<span style="font-size:78%;">7</span>.<br />Nas imagens que Graça Morais nos apresenta, as narrativas aproximam-se frequentemente dos ritos, como atitudes, gestos e acções de que as suas personagens fazem uso no intuito de atingir uma espécie de harmonia com a natureza, uma via de contacto com o meio visível e invisível. Neste âmbito, e ao contrário do que acontece com os ritos nas culturas tradicionais, o contexto sacrificial simbolizado pela metáfora da caça, não serve já para apaziguar ou captar as entidades metafísicas. Na sua visão, estas actividades acabam por destruir o equilíbrio das forças da vida, mas constroem um padrão de atitudes com os quais uma comunidade se identifica. A pintora ora demonstra, ora questiona a legitimidade de rituais como os da caça e da morte, usando também esta actividade tipicamente masculina como metáfora para a forma como a mulher tem sido tratada nas sociedades fechadas rurais, extrapolando para a generalidade da sociedade em que vivemos. É uma pintora-perdiz, mulher vítima e animal caçado. A perdiz faz parte do vocabulário da sua pintura e aparece como símbolo da dor, do drama, da destruição, da perda... A perdiz e o coelho, como animais que simbolizam a caça, são também animais de extrema beleza. Graça Morais ao pintá-los transforma-os na tristeza da morte e na crueldade da perseguição. Ao aceitar a violência de uma tela que invade o espírito, assistimos à crueldade, à dureza e aos rigores de uma gente.<br /><br />O Tempo num Rosto<br /><br />É nas fendas produzidas pelo tempo no rosto seu e de sua mãe que Graça Morais se reconhece como ser mortal e se apercebe da dimensão do tempo. Aí se transformam estes entes num processo efabulatório a que não é alheia a auto-representação quer através dos elementos da cultura da sua região, quer através do seu próprio rosto, ou do rosto da sua progenitora, tal como também nos revemos nos rostos das mulheres da aldeia. É na interpretação destes rostos que a pintora invoca obsessivamente, que se pode encontrar o poder da metáfora, porventura surrealista, do crescimento de raizes ou outras formas vegetais a partir da pele de corpos envelhecidos e ainda assim plenos de vida. São metamorfoses, estas associações tão poéticas como as passagens e transições pelas quais o ser humano caminha ao longo das diferentes fases da vida, principalmente num meio em que existe a calma para se contemplar essas mesmas modificações. Assim, este é também um discurso sobre o corpo, a morte e o envelhecimento físico. Para Pere Salabert, a beleza prodigiosa do corpo humano, baseada na funcionalidade e na limpeza, na ordem e na completude das formas, já não esconde, antes pelo contrário, abre-se a uma deterioração que transformará o belo em monstruoso através da desordem e da deformidade. Entre um e outro extremo? Medeia o espaço que separa o mundo do imundo, a juventude da velhice, a esperança da prostração<span style="font-size:78%;">8</span>. Na pintura de Graça Morais a deterioração da carne não é exactamente um sinal de decadência, mas sim de permanente devir e de<br />acumulação de experiências transformadas em sábia quietude. É também, e acima de tudo, vida. Assim se repetem expressões carregadas em rostos familiares para a artista e que se relacionam com o observador pela carga de algo inominável a que apenas acedemos superficialmente, mas que intuimos interiormente. Porque, como disse Matisse, “no desenho de um rosto, não interessa a justeza das proporções, mas uma luz espiritual que nele se encontra reflectida”<span style="font-size:78%;">9</span>.<br />A prática artística de Graça Morais caracteriza-se por uma indefinição permanente, uma constante fuga à catalogação dentro de “ismos”. Até mesmo na série “As Escolhidas” (1995), em que a figuração aparenta ser mais ligada a um registo do quotidiano, nada há de realista ou naturalista. Para além da referida ausência de conotações políticas nestas obras, a visão de Graça Morais sobre estas mulheres é profundamente pessoal, sem agendas ou “recados” sociais ocultos. Nestas mulheres, o que impressiona o observador é a atitude do corpo, os gestos, os movimentos do quotidiano. É o caso destas pinturas e desenhos que evocam o dia 1 de Novembro, dia de todos os santos. É de tradição nas aldeias de Portugal que as mulheres, neste dia, cuidem das campas dos familiares e amigos falecidos. Trata-se de um trabalho exercido pelas mulheres, que a artista interpreta, recorrendo a estes rituais de forma descontextualizada, salientando apenas posições e gestos, abstraídos de qualquer referência espacial. Nesta descontextualização, o rito da decoração das campas com flores confunde-se com o trabalho da lavoura. Somos levados a tomar os ritos dos defuntos, da morte, pelos ritos da terra, da vida. Por entre estas pinturas de sentimento metafísico, nascidas de uma observação silenciosa, uma delas marcou especialmente a artista: “esta mulher, que eu pintei várias vezes, estava a remexer na terra com um ar concentradíssimo. Passado pouco tempo ela morreu e foi para essa mesma campa que tinha enfeitado”. A dimensão dos movimentos e a contenção dos gestos das personagens é aqui explorada em pinceladas rudes, com uma grande intensidade de luz e de texturas num ambiente de silêncios expressivos.<br /><br />Metamorfoses<br /><br />Não é só nos rostos que podemos testemunhar as metafóricas metamorfoses de seres. Sendo os humanos como bichos, não é só a passagem do tempo o que estas metamorfoses evocam, mas também histórias e traços de personalidade que caracterizam as personagens. Nas rudes faces pintadas e desenhadas por Graça Morais, o que lhe interessa é a transmissão de uma sensação, de uma expressão, um sentimento, uma aura ou atmosfera. É a representação de uma intensidade, e não um retrato, aquilo que nos é oferecido. Porque Graça Morais não retrata. Recria. Retém as imagens de que se apropria e que imprime na sua imaginação e é com elas que trabalha cenas e situações que pertencem já ao domínio da sua criação.<br />“Por vezes olho para as pessoas e vejo bichos, sobretudo em lugares onde a minha memória activa o que vai vendo”, diz a Graça Morais. Os gafanhotos são insectos que possuem uma carga simbólica, tal como todos os seres transmutados dentro das pessoas que pinta. “Tenho uma caixinha cheia de gafanhotos porque em todos os Verões há sempre um que me entra em casa. Sempre ouvi falar do gafanhoto como um insecto ligado às pragas. Mesmo na Bíblia, sabemos do papel do gafanhoto como um bicho traiçoeiro que devasta tudo por onde passa. Comecei a desenhar gafanhotos e a sobrepor figuras numa atitude de trabalhos agrícolas. Imagino que as pessoas podem ser como gafanhotos, não a destruir mas a trabalhar e a produzir”. No recurso à representação de elementos pertencentes ao meio natural, como ramos de árvores, flores, legumes, batatas ou frutos, há que notar que estes são já objectos elevados ao estatuto de ícones. É através deles que sabemos que a criadora está a referir-se a uma altura específica do ano. Não são narrativas mas sim referências que nos permitem organizar memórias de uma possível história mental. “É o meu lado mais solar e simples”, diz. “Essas imagens muito leves evocam os dias quentes. Mas não há inocência nisso. Faço-o para marcar um tempo. Há um calendário ligado a um diário que faço em livros que vou escrevendo e, de vez em quando, há uma página em que desenho uma dessas representações da natureza. É um livro de horas”. Um registo da passagem do tempo ligado à sua vivência e transmutável na vivência de cada um.<br />A passagem do tempo é vida e morte e é uma dimensão quase sempre presente na pintura de Graça Morais. No meio rural, isto acontece com uma aceitação maior, da mesma maneira como as flores murcham e as árvores se despem. A morte é, no campo, uma realidade tão intensa e dramática como em qualquer outra parte, mas existe aí, sentimos no discurso plástico e psicológico da artista, um assumir mais vincado do corpo e da sua mortalidade.<br /><br />Erotismo Proibido, Corpo Urgente<br /><br /><div><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhW-SMgRtZi8s-Mg14mdRaBBduW-g9gGhaEUUEjWfScv_Sol8QDDE_h2JwQEVglnxEQpNKXiIopMVs5RUUXPw-1k2YPwX6XLs0zXnBjuZE2BdedH7fHi_fuhovNLOkTrAUmMJbVOBzk1tU/s1600/MIOLO_~2.JPG"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 287px; DISPLAY: block; HEIGHT: 400px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5526526080043288018" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhW-SMgRtZi8s-Mg14mdRaBBduW-g9gGhaEUUEjWfScv_Sol8QDDE_h2JwQEVglnxEQpNKXiIopMVs5RUUXPw-1k2YPwX6XLs0zXnBjuZE2BdedH7fHi_fuhovNLOkTrAUmMJbVOBzk1tU/s400/MIOLO_~2.JPG" /></a><br /><br />Uma série de dez pequenos desenhos em grafite sobre papel (1984) é o testemunho mais íntimo e directo do erotismo que Graça Morais imprime a espaços na sua obra. O erotismo em Graça Morais é um erotismo de alguém que se deixa encantar pela magia do inexplicável. Um corpo à procura de outro corpo, no entendimento da expressão de Maria João Ceitil. Um corpo que não se prende em absoluto às ideias de verdade ou ilusão. É “a dinâmica do desejo, do amor, que nos deixa loucos, encantados, enfeitiçados, irracionais. (...) um corpo à procura de outro corpo: a magia, o feitiço, o poder irracional e absoluto que esse outro corpo exerce sobre nós. A magia do contacto. A magia do afecto.”<span style="font-size:78%;">10</span> É nessa irracionalidade que se convocam forças do indizível e isso transmite-se na desconstrução formal das figuras que se insinuam de forma mais ou menos directa, mais ou menos sexual.<br />A dimensão erótica do ser humano em contextos socialmente mais fechados é sempre um mundo quase hermético de mistérios e crenças. É isso que vemos nestes desenhos. “Eu acho que aí o erotismo surge como um exercício de castigo, de recalcamento”, explica a artista. São figuras reprimidas e têm a ver com a inquietação que Graça Morais sentia nesta época em relação à presença do erotismo na arte: “fui criada com os maiores mistérios à volta do sexo e do erotismo, com todas as proibições que a minha educação católica impunha”. O sexo e o erotismo levam consigo conotações negativas, trazendo a nós termos como “magia”, “feitiço”, “encantamento”, dimensões do profano e do herético. “Termos imemoriais que convocam algo de primitivo e de demoníaco”<span style="font-size:78%;">11</span>.<br />Nestas imagens surrealizantes, não podemos atribuir identidades ou géneros às figuras. Tudo é ambíguo e em devir metamórfico entre o humano e o bicho. Os animais nos quais os seres humanos se vão transformando são aqui seres exóticos como tigres ou leões. Isto relaciona-se com o tipo de imaginação que a pintora desenvolveu aquando dos tempos em que viveu em África. É o lado selvagem e devorador intrinsecamente ligado ao instinto erótico. É quase como tornar visível a urgência do corpo e da irracionalidade que isso implica. “É o erotismo visto como uma expressão do corpo humano que tem de ser reprimida e por isso esses desenhos têm a ver com a impossibilidade do amor, com a impossibilidade de dois corpos se juntarem e com a inquietação que eu sentia nessa altura”. O carácter proibido e a atracção silenciosa que o erotismo exerce é tema que subjaz nestas obras. São cenas densas, carregadas, quase como rituais religiosos. Como se o erotismo fosse não tanto um prazer como uma inevitabilidade que é necessário mas impossível reprimir ao fazer parte da nossa existência.<br /><br />Outros Temas, Outras Terras<br /><br />Ainda como testemunha de uma das fases mais marcantes do trabalho de Graça Morais, figura o quadro “Mulher e Guernica”, de 1982, altura em que, após admirar directamente a obra maior de Pablo Picasso, ela pega no drama e “reconta-o como se fosse um mito e naquilo em que por dramatização comum dois povos podem entender-se”<span style="font-size:78%;">12</span>. Trata-se aqui de uma citação directa, mas não apenas uma apropriação, e sim uma criação que recorre a elementos directamente assimilados. Não é uma homenagem a Picasso, mas sim um confronto de universos. E de Picasso, não é pecado roubar. Nada de estranho no contexto de um artista que tanto praticou a chamada “Pintura d’après”<span style="font-size:78%;">13</span>. Mas a Graça Morais não interessa o repescar de ícones da história de arte para reiventar a pintura. Também não é um sentido de actualização, de fazer “Guernica” voltar à contemporaneidade. É mais um sentido de identificação entre estilos e a extracção de novos sentidos subjectivos a partir do seu confronto. É uma realidade animal e agressiva que evoca o drama humano. Estes quadros representam o drama das mulheres num meio rural fechado, os recalcamentos, o erotismo reprimido, a violência doméstica sobre elas exercida em termos físicos ou psicológicos.<br />No seu trajecto de vida, Graça Morais sente-se uma nómada. É-lhe impossível permanecer muito tempo no mesmo lugar. Na série “Cabo Verde” (1988/89), a pintora revisitou mais uma vez os mitos ligados à natureza e aos animais exóticos, como os répteis (exponenciados numa enorme cobra imaginada). Estes quadros resultaram de uma estadia de dois anos no local, interrompida com idas e voltas. A rudeza, o lado agreste e quase inóspito das paisagens de Cabo Verde, aliados à simpatia e simplicidade das gentes captaram a atenção e despertaram a imaginação da pintora. Paradoxalmente, havia algo comum a Trás-os-Montes no seu relevo acidentado. “A minha pintura de Cabo Verde é pouco sobre o mar, mas muito sobre as pessoas. Fotografei, desenhei e pintei muito...”, explica. São imagens de grandes dimensões com um carácter mágico e com uma paleta cromática composta por tons quentes de terra e fogo. Nelas afrontam-nos enormes animais como cobras e elefantes imaginários, quase monstros resultantes de um espanto do confronto com o exótico que lhe fez lembrar os tempos em que viveu em Moçambique (1956-58). “África é um território que exerce sobre mim um fascínio muito grande e os africanos são pessoas muito doces,<br />afáveis... muito humanas”, diz. As terras de Cabo Verde originaram uma série quase delirante, talvez numa tentativa de “procurar em Cabo Verde a África que eu perdi na minha infância”.<br />No ciclo da vida e da morte, carne e corpo são convocados na roda das estações. Graça Morais testemunha e constrói com vivências pessoais a sua fábula, o seu mito. Fica a pintura e a sua reverberação dentro daqueles que se sentirem abertos - e preparados - para a receber.<br /><br /><span style="font-size:78%;">1 Almeida, Bernardo Pinto. <em>Arte Portuguesa da Pré-História ao Século XX – Vol.19 – O Modernismo II: O Surrealismo e Depois</em>. Fubu Editores, Lisboa, 2009.<br /><br />2 Chicó, Sílvia. <em>Definição de um Caminho in Graça Morais</em>. Ed. Quetzal/Galeria 111. Lisboa, 1997.<br /><br />3 Ramos, Ana Filipa. http://www.camjap.gulbenkian.pt/l1/ar%7BD2B27546-03B0-4185-A5F8-0B5ACC3E203C%7D/c%7B3e784961-393d-491b-a950-fbf661dfa281%7D/m1/T1.aspx<br /><br />4 Pernes, Fernando. In <em>Catálogo Graça Morais</em>. Ed. Sociedade Tipográfica S.A., Lisboa, 1992<br /><br />5 Titiev, Misha. <em>Introdução à Antropologia Cultural</em>. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1992<br /><br />6 Lima, Augusto Mesquitela, <em>Introdução à Antropologia Cultural</em>. Editorial Presença, Lisboa, 1991<br /><br />7 Jabouille, Victor. <em>Iniciação à Ciência dos Mitos</em>. Editorial Inquérito, Lisboa, s/d<br /><br />8 Salabert, Pere. <em>Pintura Anémica, Cuerpo Suculento</em>. Ed. Laertes, Barcelona, 2003<br /><br />9 Hess, Walter. <em>Documentos Para a Compreensão da Pintura Moderna</em>. Livros do Brasil, Lisboa, 2001<br /><br />10 Ceitil, Maria João. <em>Pôr o Corpo a Pensar</em>. ISPA, Lisboa, 2003.<br /><br />11 <em>idem</em><br /><br />12 Azevedo, Fernando. <em>Graça Morais, Ainda o mito e a Graça in Colóquio Artes</em>, número 72, Fundação Calouste Gulbenkian, Março de 1987.<br /><br />13 Ferreira, António Quadros. <em>Depois de 1950</em>. Edições Afrontamento, Lisboa, 2009.</span></div></div></div>Unknownnoreply@blogger.com0