Miguel Matos ficou surpreendido com a nova exposição de Carlos Calvet e fez-lhe perguntas sobre a sua arte.
De entre os poucos surrealistas portugueses vivos e assumidos, Carlos Calvet é o segundo no pedestal, logo a seguir a Cruzeiro Seixas. Esta semana, na Galeria Valbom, ele demonstra que se pode surpreender tudo e todos depois de 60 anos de pintura. Para quem se habituou às paisagens metafísicas de cores garridas e às explosões apocalípticas dignas de capas de livros de ficção científica, esta nova visão geométrica é uma surpresa. Eis a conversa tida enquanto se desembrulhavam quadros para a montagem.
Segundo consta, o Carlos entrou na exposição dos surrealistas em 1949 de uma maneira muito informal... Conte lá como foi isso.
Na altura não estava muito integrado no grupo mas convivia um bocado com o Mário Cesariny, o Cruzeiro Seixas e o Mário Henrique Leiria. Participei na exposição com um quadrinho que nem entrou no catálogo. O convite foi feito à última hora. Eu andava a estudar arquitectura e não nos encontrávamos muito. Arranjou-se uma moldura improvisada e lá entrei na exposição. Fiz um quadro engraçado que se chamava “Bicho que dá nas Praias”. O Cesariny gostou tanto que ficou com ele durante muitos anos até à altura em que foi viver para Inglaterra. A pintura era sobre papel e, quando ele voltou, passados alguns anos, o papel tinha-se desfeito, talvez com a humidade. Perdeu-se para sempre.
Como é que aos 80 anos passou de uma pintura essencialmente figurativa e surrealista para um registo geométrico e abstracto?
Passei por várias fases, com muitas experiências pelo meio e já tinha feito tentativas destas ao princípio. É realmente uma visão modificada, mas eu gosto de criar paradoxos na imagem.
O que é que torna a sua pintura tão enigmática? Será pelas escalas diferentes na mesma imagem que dão outros significados aos objectos representados? Como as mãos enormes que parecem causar uma intervenção divina...
A mão é realmente um instrumento com um poder simbólico imenso. São os objectos do mundo exterior que adquirem uma qualidade semântica e metafórica e que enriquecem a atitude expressiva.
E afinal a sua pintura é surrealista ou metafísica?
Essas coisas não estão afastadas. O Chirico era metafísico... O surrealismo é muito vasto e variado, com tantas possibilidades que se impregna... Quem experimentou ficou preso pelo surrealismo. Pode haver uma atitude surrealista concentrada numa determinada expressividade única, pessoal, e outra que é muito mais absorvente das variedades possíveis.
No fundo, quer queiramos quer não, a dimensão onírica faz parte de todos nós...
Pois faz e sempre foi uma das grandes riquezas da arte, a exploração dos conteúdos do inconsciente. O inconsciente aparece sempre disfarçado na arte, de maneira metafórica.
E estas novas imagens de formas que parecem puramente geométricas, também têm origem no inconsciente?
A geometria está ligada ao mundo dos arquétipos platónicos, pitagóricos e também à psicanálise moderna com o Jung. O mundo arquetipal é composto por formas fundamentais que estão na origem de tudo. São materiais que aparecem de variadas maneiras mas com o seu sentido próprio, que se refere a esses arquétipos.
Daí a mistura, em alguns quadros, do geométrico abstracto com o figurativo?
Isso cria uma dualidade que é estimulante para o pensamento e para o prazer da visão. É um paradoxo.
Como é que nasce uma das suas imagens?
Tenho centenas de esboços. Trabalho com um bloco de algibeira e desenho onde calha, em qualquer sitio, quando e onde me apetece. São apontamentos que depois passam a ser quadros, mais tarde ou mais cedo. Faço tudo ao gosto, não trabalho com regras geométricas. Uma regra matemática até pode estragar a expressividade, que está ligada à emoção.
Acha que as pessoas ainda estão interessadas no surrealismo?
Parece que sim, mas a mim não me interessa essa questão. As pessoas gostam do que eu faço e isso chega-me.
“Carlos Calvet – Pinturas Recentes” está patente na Galeria Valbom (Av. Conde Valbom, 89 A) de 9 de Maio a 30 de Junho. Aberta de segunda a sábado das 13.00 às 19.00 . A entrada é gratuita.
Time Out, terça-feira, 5 de Maio de 2009
Sem comentários:
Enviar um comentário