O artista em metamorfose. “Pinocchio” é a exposição que Jorge Molder apresenta no Chiado 8. O nariz de Miguel Matos aprovou.
Existem várias razões para um artista se auto-retratar. Uma delas é mentir – actividade preferida do bonequinho de madeira mais famoso do mundo. Quando um autor pinta ou fotografa um retrato de si próprio, ele pode querer assumir uma outra identidade sem no entanto fugir completamente de si mesmo. E com isso acaba por ser o “mirone” da sua própria imagem, um voyeur.
Jorge Molder trabalha o auto-retrato há quase 20 anos. Nas suas fotografias, sempre a preto-e-branco, o que vemos não é exactamente a imagem do artista mas sim a imagem de uma personagem criada por ele. Uma personagem que, ela própria, não é concreta. Não é sempre a mesma – e assim se cria o enigma da auto-representação.
Na exposição “Pinocchio”, Jorge Molder avança para um outro nível, ao encobrir o seu rosto com uma máscara feita a partir do seu rosto. A coisa complica-se e torna-se mais abstracta. O interesse aumenta...
Molder mandou executar uma escultura que o representasse: um duplo do seu corpo. E o que fez? Fotografou-se a partir desta peça.
A função da máscara é encobrir e disfarçar aquele que a veste. Sob a máscara encontra-se, supostamente, a verdade. Mas o que é que acontece quando a máscara representa, copia a verdade que se esconde por debaixo dela? É que em “Pinocchio”, a máscara que Molder veste é uma réplica do seu próprio corpo. Isto é uma subversão do retrato. Como diz o crítico de arte Bruno Marchand acerca destas obras, “é fácil perceber como nos habituámos a procurar nestas imagens pistas que nos conduzam a uma determinada verdade sobre o sujeito retratado. De certa maneira, esperamos que elas nos comuniquem um estado de alma ou que nos dêem acesso a uma espécie de autobiografia sumária do artista”. Mas neste caso, as expectativas, como sempre acontece nos trabalhos de Jorge Molder, saem goradas.
A personagem que nos aparece à frente fica ainda mais longe da sua pessoa. Até mesmo a ausência de quaisquer referências pessoais, temporais ou de local nas fotografias adensa o mistério. No entanto, afirma-se mesmo assim a continuidade da obra do artista, pois o discurso tem o mesmo tema, uma e outra vez. E qual é esse tema? A identidade – sempre esta. “Pinocchio” joga o mesmo jogo de sempre mas com novas cartas.
O mais perturbador neste magnífico conjunto de imagens é reparar que fotografias de máscaras, fragmentos de mãos e esculturas possuem tanta expressividade como o modelo a partir do qual foram criadas. Não só são mostradas as peças que constituem o duplo do artista como também partes do processo de construção destas mesmas peças. É a identidade a ser esticada e estilhaçada até ao seu limite. Cria-se uma sensação de estar perante um puzzle hipnótico, ao observarmos estas imagens de um metro quadrado numa companhia de seguros em pleno Chiado.
“Pinocchio” está patente no Chiado 8 (Largo do Chiado, 8) até 10 de Julho. De segunda a sexta das 12.00 às 20.00. A entrada é gratuita.
Time Out Lisboa, terça-feira, 23 de Junho de 2009
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