quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Jóias a Quatro Mãos



Eduardo Nery desenhou as“Linhas Paralelas” que Alexandra Corte-Real transformou em jóias. Miguel Matos mostra-lhe o resultado.

Eduardo Nery, mestre da optical art portuguesa, tem pautado a sua carreira pelo recurso às mais diversas técnicas e suportes. Trabalha não só em desenho e pintura sobre tela, como em cerâmica, escultura, azulejaria e grandes projectos de arte pública. As suas linhas dinâmicas e coloridas, que assumem frequentemente dimensões quase monumentais (nos murais que tem feito, por exemplo), foram agora encolhidas milimetricamente à escala de um dedo, uma orelha, um pulso. Os desenhos de Eduardo Nery, transformados pela joalheira Alexandra Corte-Real são obras pensadas para uma função específica, articulando as linguagens dos dois artistas.

Para quem chega a este parágrafo com o sobrolho levantado, que o baixe pois para Nery, a joalharia é um assunto sério e que há muito lhe interessa, uma vez que se considera um artista e ao mesmo tempo um designer. Mas foi com a produção da taça para a Vista Alegre, no ano passado, que ganhou ânimo para acreditar que era capaz de fazer jóias também. “Em ambos os casos, estou a usar o dourado, cor que tenho usado desde os anos 70. Tenho um fascínio muito grande pelo ouro, pelo seu sentido metafísico e simbólico. A minha última exposição de guaches tinha imensas obras em que usava o ouro e estas jóias vêm no seguimento dessas duas experiências: os guaches e a taça da Vista Alegre.”

“Ocorreu-me a ideia e convidei o Eduardo”, diz Alexandra Corte-Real sobre como surgiu tudo isto. “Ele ficou a olhar para mim, pensou e depois aceitou. Para ele foi um desafio porque representou entrar numa área diferente. Para mim também foi desafiante porque tenho por hábito desenvolver o meu trabalho do princípio ao fim. Se ele aceitou que eu fosse intervir, eu tive de aceitar que a ideia-base seria dele.” O brilho dourado, que desde há décadas sublinha a obra de Nery, aparece agora sob a forma de jóia. A partir do convite de Alexandra, criou formas que bifurcam: dão lugar a objectos em prata e em prata dourada. “Estes materiais levaram-me a criar cores que fossem contrastantes com eles e ao mesmo tempo os integrem. As obras voltam à questão inicial das formas e do movimento na optical art. Ao desenhar, eu já pensava que esse desenho resultaria num pendente, em brincos ou botões de punho. No entanto, quem tomou essas decisões foi a Alexandra, pelo seu conhecimento da escala e do grau de dificuldade técnica”, explica o artista.

Não se trata aqui de um trabalho de colaboração, mas sim de co-autoria. “A Alexandra teve tanta autonomia no seu campo como eu tive a desenhar”, diz Eduardo Nery. No fundo, este projecto foi um grande desafio duplamente sentido. Para Nery, foi uma questão de dimensões, ao passar de uma escala de pintura para objectos tão pequenos. Por outro lado, para Alexandra Corte-Real, o desafio de transformar um desenho numa jóia, não fazendo apenas ajustes ou intervenções funcionais mas sim prolongando linhas e projectando as formas para que continuasse a haver o mesmo equilíbrio do trabalho original. “Este trabalho não é apenas uma adaptação”, explica a joalheira. “Não me limitei a acrescentar uma função, mas desenvolvi a peça.”

A jóia é, por definição, uma obra que se relaciona directamente com o corpo. Que preocupações teve Eduardo Nery ao desenhar para tal finalidade? “A única preocupação que tive foi a de não fazer peças agressivas. Ficou de lado uma ideia que tive para um colar. Nesse desenho eu não consegui encontrar as formas adequadas, uma vez que os seus ângulos se podiam espetar no pescoço. De resto, foi apenas uma questão de escala.”

Entre Nery e Corte-Real, “Linhas Paralelas” é uma exposição híbrida, de autoria mista. Joalharia de autor para quem não a considera como manifestação artística. Conhecendo o gosto da ASAE em apreender jóias de autor como fez em Serralves, reza-se para que a exposição chegue intacta ao seu último dia na Ermida de Belém.

“Linhas Paralelas” está patente na Ermida da Nossa Senhora da Conceição (Travessa do Marta Pinto, 21) de 5 a 20 de Dezembro. Aberta de terça a sexta das 11.00 às 17.00 (encerra para almoço das 13.00 às 14.00). Sábado e domingo das 14.00 às 18.00. A entrada é gratuita.

Time Out, 1 de Dezembro de 2009

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