quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Pilar Albarracín - A Versão Oficial da Mentira


Miguel Matos ficou baralhado entre a realidade e a ficção com as novas obras de Pilar Albarracín.

São paradoxos surpreendentes, as chamadas “inverdades”. Imagens que contam histórias falsas e questionam aquilo que é verosímil. Assim tem trabalhado ultimamente a artista espanhola Pilar Albarracín. “300 Mentiras – Primeira Parte” é a exposição que traz cenas fortes, espetadas nos nossos olhos a partir das paredes da Galeria Filomena Soares. Sim, espetadas, porque a obra de Pilar desde sempre que não prima pela suavidade, mas antes pela contundência – quem sabe por herança histórica do seu país...

A maior parte dos artistas baseia o seu trabalho numa busca incessante da verdade. Pilar Albarracín procura a mentira! A fotografia é, por excelência, um meio de documentar a realidade, mas para Pilar é um instrumento de construção de ficções, de narrativas. Um meio que interroga a sociedade e as suas regras, o seu funcionamento e valores morais através da subversão de símbolos. A condição feminina, os estereótipos da cultura contemporânea cruzados com os da tradicional e a luta contra a submissão são alguns dos temas que desenvolve e sobre os quais discursa em formato de fotografias, vídeos, performances, objectos ou instalações. Neste caso, as “300 Mentiras” são todas fotográficas e abraçam a história social e a parafernália das imagens pop.

Pilar Albarracín está neste momento em destaque em Lisboa: é ela a artista que abre e encerra a exposição “She is a Femme Fatale”, no Museu Berardo, patente até ao final de Janeiro. Aqui aparece em auto-retrato vestida de toureiro, num questionamento da feminilidade e do poder. Finaliza com uma instalação de dezenas de panelas de pressão que assobiam, mais uma vez aludindo ao papel doméstico muitas vezes destinado à mulher pelos valores mais conservadores. Agora, nesta que é a sua série mais recente, Pilar mente. Quais são as mentiras que tem para contar? São mentiras que reconhecemos em outros contextos como verdades, como acontecimentos que marcaram a actualidade em algum ponto da história ou, por outro lado, imagens que se apropriam de referências cuja origem o observador já não identifica. São testemunhos de momentos da História que poderiam ter acontecido. Mas será que aconteceram, afinal?

Um monte de gente encapuzada, uma multidão à espera de passar a estrada como macacos, uma mulher vítima de repressão policial, uma figura feminina rebelde... Cenas facilmente reconhecíveis pelo que chega na TV. No fundo, “300 Mentiras” aborda também as realidades construídas pelos meios de comunicação social e mistura a mentira com a versão “oficial” dos acontecimentos. Como explica Elena Sacchetti, investigadora do Centro de Estudos Andaluzes, “cada ‘mentira’ (...) é atravessada por conteúdos mais abrangentes nos quais a artista se apoia: a identidade procurada, negada ou afirmada; as culturas baseadas no género; a tensão entre a vida e a morte; a luta pelo poder como fenómeno ancestral e actual; as assimetrias sociais, de género, étnicas e de estatuto social; a submissão ao poder estabelecido”. Uma exposição entre a realidade e a invenção, a imagem e a imaginação.

“300 Mentiras” está patente na Galeria Filomena Soares (R. da Manutenção, 80) de 21 de Janeiro a 6 de Março. Aberta de terça a sábado das 10.00 às 20.00 horas. A entrada é gratuita.

Time Out, 19 de Janeiro de 2010

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