Miguel Matos sentiu-se ameaçado pelas novas telas de Fátima Mendonça, mas viu-se protegido pelos seus amuletos |
A pintura de Fátima Mendonça assombra-nos ao trazer à vista desarmada os medos e obsessões que tentamos a todo o custo ocultar dos outros e de nós próprios. Quem é que nunca teve monstros debaixo da cama? Quem é que nunca ouviu ruídos estranhos que assaltam a imaginação a meio da noite?
Em casa, no sossego do conforto doméstico, alguém se sente observado. Como se as paredes tivessem olhos e presenças se elevassem das traves do soalho de madeira. O medo é aquela sensação que todos nós temos em comum. Seja o medo comum ou aquele irracional a raiar a fobia. O sentimento de se ser vigiado, o medo constante e irracional: é este o tema da exposição “Para Cegar o Medo”, que Fátima Mendonça inaugura amanhã na Galeria 111.
Os olhos são metáforas para os medos. Muitos olhos, imensos olhos que nos miram a partir destas grandes telas, num registo puramente obsessivo já característico da obra desta criadora. Mas enquanto anteriormente as suas obsessões encontravam ecos num discurso sobre a infância, ou mais fortemente nas teias de sedução amorosa e sexual, agora a aranha dá-nos a conhecer a sua casa: a casa dos seus medos. “Estes quadros são paciências”, diz a artista. Representam as estratégias que Fátima aplica para se concentrar em outros pormenores e assim pôr os seus medos a um canto. Como vazar um olho para matar o que ele representa ou emparedar outro olho para camuflá-lo e sufocá-lo. É que as fobias são criaturas matreiras e teimosas que não nos deixam viver.
Uma figura que começou a aparecer frequentemente em outras obras de Fátima Mendonça é o toureiro. Figura sedutora que encara o medo de frente, é o símbolo daquela força que porventura faltará à artista para confrontar os seus temores. No meio destes olhos que emergem das paredes, do chão e dos cantos da casa, aparecem flores azuis. Estas flores são as mesmas que ornamentam os fatos dos seus toureiros. Surgem aqui penduradas nas paredes como amuletos, símbolos dessa figura destemida. Como se a presença destes elementos pudesse impedir os medos de se tornarem realidade. “Vivo todos os dias com o medo, desde jovem e pela primeira vez penso que estou a tentar lidar com isso”, diz a pintora. “Sinto que esta série é talvez o início de uma nova fase.”
“Para Cegar o Medo” chamou Fátima a este conjunto de imagens cheias de impacto que pintou como forma de catarse compulsiva. Mas o que fez ela com a tal entidade omnipresente? Estropiou-o, furou-lhe os olhos. “Assim retirei-lhe força. Não pode ver e fica com o seu poder limitado.” Apesar de o tema ser tenebroso, estas obras ainda transmitem beleza; uma beleza perturbadora, mas ainda assim beleza. É a possibilidade de redenção que transforma uma obra de arte em algo sublime.
Tal como no triste e belo poema que Amália cantou: “Quem dorme à noite comigo/ É meu segredo/ Mas se insistirem, lhes digo/ O medo mora comigo/ Mas só o medo, mas só o medo”...
“Para Cegar o Medo” está patente na Galeria 111 (Campo Grande, 113) de 10 a 7 de Novembro. De terça a sábado das 10.00 às 19.00. A entrada é gratuita.
Time Out, 8 de Setembro de 2009
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