“Ociosa juventude | A tudo submetida”, a expressão, usada numa obra de Arthur Rimbaud, é o mote que leva Maria Beatriz a explorar mais uma vez o tema da infância. O tema é recorrente nesta artista, mas as técnicas evoluem para outros suportes como a cerâmica.
A infância de Maria Beatriz foi feliz pela presença da sua mãe, das avós e das mulheres da sua família. Mulheres extraordinárias que não tinham medo de nada. Segundo contou, “a minha mãe tinha uma grande força e muita dessa força veio do meu avô que faleceu muito novo, tinha ela sete anos. Acho que, de uma certa forma, ela abriu-me caminhos, tinha uma força instintiva”. Mas depois os seus pais separaram-se e a partir dos 12 anos Maria Beatriz ficou a viver com o pai. “Aí começou uma época da minha vida muito difícil para mim, fiquei muito sozinha, ele era realmente uma pessoa muito difícil”. O percurso de Maria Beatriz (Lisboa, 1940) é semelhante ao de outros artistas da sua geração.
Após a frequência da Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em 1962, durante a greve estudantil, foge do clima de repressão da família e do país. Ruma à liberdade oferecida por Londres onde acorda para a liberdade de expressão há tanto desejada. Desde então até agora, faz visitas regulares a Portugal. Na sua primeira incursão, em 1964, inicia-se na gravura em metal na Sociedade Cooperativa de Gravadores Portugueses, mas logo no ano seguinte consegue uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian e muda-se para Paris, onde conhece Júlio Pomar, um dos criadores que a influenciou e acompanhou ao longo da vida.
Há 39 anos que Maria Beatriz vive na Holanda, terra que a acolheu e lhe proporcionou as ferramentas necessárias para a construção artística e pessoal. É em Roterdão obtém o diploma em Pintura e Artes Gráficas. Vive em Amesterdão e tem realizado regularmente exposições entre lá e cá, com destaque para a mostra antológica na Casa da Cerca, em Almada (1998) e “Vita Brevis” no Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão (2002). Maria Beatriz reconciliou-se com o pai nos seus últimos anos de vida e, de certa forma, com Portugal. Nunca regressou definitivamente, mas aparece por cá de forma fugaz para mostrar o que vai fazendo.
A exposição “Oisive jeunesse, a tout asservie...”, na Galeria Ratton, é a oportunidade de o público se manter a par desta que é uma das séries mais recentes da artista. Aqui emergem personagens recortadas e coladas sobre fundos profundos. Crianças e jovens em poses que se atrevem a contar histórias dentro de um universo vincadamente feminino. A tal vivência intensa no mundo organizado pelas mulheres, esse mundinho em que a artista cresceu. São pequenas senhorinhas a experimentar o que as rodeia, com os receios e entusiasmos trazidos naturalmente pela exploração da vida no mundo dos adultos. Crianças-mulheres que encenam poses e recuperam memórias de um tempo em que as pequenas coisas são maiores do que as grandes. Aqueles banhos no jardim, as roupas enormes que a mãe vestia, as guloseimas comidas às escondidas... Como se Maria Beatriz se olhasse no espelho e o reflexo lhe devolvesse a sua primeira imagem, aquela que lhe ficou desde tenra idade e que a acompanha na mulher que é hoje.
Mas estas meninas que, no fundo são e não são a menina Maria Beatriz, estão retratadas no ponto em que deixam de ser apenas meninas. Há algo nelas que denota transição. Seja num olhar que já não é de pureza, seja num trejeito de vaidade ou num sorriso de malícia.
O que se apresenta nesta série são retratos desenhados, posteriormente recortados e colados sobre superfícies de pormenorizadas texturas esponjadas ou de tintas escorridas. Compõem imagens que, pela sobreposição de técnicas, ganham em tridimensionalidade. Obras que, através dos recortes, desenhos e pinturas, caracterizam um pequeno paraíso perdido entre a inocência e a crueldade. “Oisive jeunesse, a tout asservie...” traz uma novidade ao corpo de trabalho de Maria Beatriz: o azulejo. A Galeria Ratton especializa-se em obras de arte sobre cerâmica. Como tal, e aproveitando este savoir faire, aliado à experiência da artista no âmbito da gravura, eis a primeira incursão de Maria Beatriz no azulejo, com pequenos painéis realizados em específico para esta exposição.
“Oisive jeunesse, a tout asservie” está patente na Galeria Ratton Cerâmicas (Rua da Academia de Ciências, 2-C) até 18 de Setembro. Aberta de segunda a sexta das 10.00 às 13.00 horas e das 15.00 às 19.30 horas. A entrada é gratuita.
Time Out, 2 de Setembro de 2009
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