quarta-feira, 24 de março de 2010

Marta Wengorovius - O banco mental de marta


Se há obras de arte que parecem necessitar de um manual de instruções, estes desenhos levam a ideia à letra. Os desenhos que Marta Wengorovius expõe na Galeria Alecrim 50 pedem movimento para que, ao aceitar a proposta da artista, se possa fruir da experiência total.

Desde há muito que Marta Wengorovius vem explorando um discurso sobre o corpo: “cada vez mais penso que o corpo um dia vai--se embora. Temos de ter luz no corpo e mantê-lo acordado, manter os sentidos apurados e saber o que sentes, porque isso depois apaga--se”, diz. Mas enquanto anteriormente o corpo se mantinha numa atitude de captação, agora a artista obriga o corpo a observar-se a si próprio através do movimento, do gesto. É uma performance que qualquer um pode realizar de si para si, percorrendo linhas. Porque a contemplação não é necessariamente uma coisa estática, tal como a acção não tem de implicar movimento, as peças que criou para “John, Edvard, Jorge, Bruce, Alberto e Agnés” vêm no seguimento da lógica de trabalhos seus anteriores chamados “Objectos de Errância”. Estes convocavam o olho e a forma como ele capta a luz para momentos de revelação e contemplação. Desses objectos minimais para os desenhos, Marta transpôs a ideia de trabalhar só com uma linha, uma coisa muito mínima, mas que consegue o máximo efeito visual.

A artista convoca para este encontro John (Cage), Edvard (Munch), Jorge (Silva Melo), Bruce (Nauman), Alberto (Carneiro) e Agnés (Martin) e todos aqueles que diante destas obras tomarem os seus lugares. Por entre as várias obras, dois dos desenhos em papel nesta exposição encontram um seu duplo em espelho. A referência para este método vem do trabalho do artista italiano Michelangelo Pistoletto (n. 1933), nomeadamente nos espelhos em que a imagem e o observador funcionam em conjunto e só nessa circunstância simultânea é que a obra vive.

“Nos anos 50, com Pistoletto, era importante aparecer alguém que dizia que nós fazemos parte do quadro, que estamos dentro dele. Isso já aconteceu há muito tempo e eu tenho a obrigação de acrescentar alguma coisa. Os espelhos aparecem numa ideia de poderes treinar o movimento”, explica a artista. Na obra dedicada a Alberto Carneiro essa intenção é clara. “É a ideia de poderes observar-te a ti mesmo a fazer qualquer coisa. Aqui fazes o movimento que é o mesmo que o artista fez ao criar o desenho”, diz Marta. “Então esse gesto estranho, eu queria que o sentisses no movimento que fazes com a mão. Neste caso não só estás dentro do quadro como tens uma tarefa para executar.”Se o desenho de Alberto Carneiro nos convida a fazer o gesto do próprio artista, o quadrado de Bruce Nauman pede para nos movermos sobre ele e assim entrar no seu ateliê. Não se acanhe: esta peça é mesmo para pisar, caminhando sobre a linha do desenho e observando o reflexo do seu movimento de pernas para o ar. Pode apenas imaginar a acção com o desenho sobre papel ou realizá-la com o desenho sobre o espelho.

No caso do banco de John Cage, este convida-nos a sentar e ouvir o silêncio à nossa volta com todos os ruídos que estão dentro dele. “O meu banco é mental”, diz Marta acerca desta obra. O desenho que tem como base o célebre quadro O Grito, de Edvard Munch, dá-nos a possibilidade de imitar com a boca a emoção do quadro e o palco de Jorge Silva Melo dá-nos espaço para sentir a nossa própria presença física. Agnés Martin propõe manter a felicidade de um despertar com a permanência da luz através de uma cortina branca às riscas.

“Quando se executa um destes gestos”, diz Doris von Drathen no catálogo referente à exposição da artista no ano passado, no Centre Culturel Calouste Gulbenkian de Paris, “algo estranho acontece com o observador: o que há pouco nos pareceu um objecto de arte museológico na parede, dissolveu--se.” Assim, a linha pintada ganha existência fora do quadro e transforma-se em movimento real.

Wengorovius alicia o visitante não só a interagir com a sua obra mas também a fazer parte da mesma. Aceita o convite?

“John, Edvard, Jorge, Bruce, Alberto e Agnés” está patente na Galeria Alecrim 50 (Rua do Alecrim, 48/50) até 30 de Abril. Aberta de segunda a sexta das 10.00 às 19.00 e sábados das 11.00 às 18.00. Entrada gratuita.

Time Out, 23 de Março de 2010

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