Valentina está cansada da vida que tem e de carregar sozinha as compras do supermercado ladeira acima. A cama é fria à noite e ninguém apanha as canas do seu fogo de artifício. O monitor é o refúgio onde desabafa as suas fantasias e busca, busca... Um dia cria Valentina 170167, na esperança de que esse heterónimo virtual traga nova vida e um sentido à Valentina real. Fotografa-se e corresponde-se com outros homens e mulheres com números em vez de apelidos. Hoje recebe uma nova mensagem e à noite entrega-se a um desconhecido na esperança de casamento.
Esta história pode ser ficção. Mas Valentina 170167 é real. Não sabemos quem é, mas podemos contactá-la através do site onde ela busca um marido, um companheiro, o remédio para a solidão.
O fotógrafo Manuel Luís Cochofel trouxe Valentina 170167 para fora do monitor. Criou uma narrativa visual que extrapola para todos os utilizadores desse site que com ela se possam ter cruzado numa exploração de um universo que é público e privado. São retratos roubados. Imagens que descontextualizou ao fotografar o monitor de um computador. Cochofel recria a intimidade desta personagem através de um fio condutor que liga vários ambientes e introspecções.
“Criei o retrato interior de uma Valentina mas já nem sei qual delas era realmente a Valentina 170167. Há alguém que existe e que põe fotografias na internet à procura de marido. Espero recriar o estado de espírito de uma pessoa solitária, com dificuldades de relacionamento e que utiliza a net para encontrar a felicidade. Esse estado de espírito é criado através de imagens que são o repositório de memórias, de sonhos, de pessoas com quem ela se cruzou”, explica. Manuel Luís Cochofel fotografa sem compromissos desde 2000 e dessa liberdade misturada com uma curiosidade técnica resulta um corpo de trabalho curto e recente mas cheio de intensidade pictórica. Tem 43 anos, é músico e faz parte do Lisbon Underground Music Ensemble. Da música para a fotografia, tudo aconteceu também na internet. “Em 2000 registei-me num site de fotógrafos que foi a minha escola inicial. Comecei a fazer os meus primeiros bonecos e a pôr no site... Mas principalmente ia vendo outras fotografias e a internet resolvia as minhas dúvidas.” Desde 2005 que Manuel faz experiências de fotografar o monitor do computador lá de casa. Estes são retratos de criaturas que vivem submersas em píxeis. Uma camuflagem proporcionada pela trama do computador que traz voyeurismo, tridimensionalidade e um jogo de padrões difícil de conseguir ao nível técnico. E embora as imagens em si sejam desprovidas de emoção, elas criam um ambiente pesado e triste.
A exposição divide-se em duas partes. A primeira é constituída por imagens, retratos e corpos roubados do site matrimonial. A segunda é um retrato interior da personagem Valentina em que descemos à sua intimidade através de metáforas visuais de locais abandonados ou evocativos de experiências. No final há um desenlace que é feliz, mas só aparentemente. Um retrato de casal que denota uma tensão e deixa a narrativa em aberto. Será que Valentina encontrou o companheiro que desejava ou resolveu render-se ao que lhe apareceu à frente?
“The Inner World of Valentina 170167” está patente na galeria Pente10 (Travessa da Fábrica dos Pentes, 10) de 27 de Janeiro a 21 de Março. A entrada é gratuita.
Time Out, 20 de Janeiro de 2009
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