segunda-feira, 13 de abril de 2009

Slava Mogutin - O Hooligan



Umbigo, Junho de 2005 Slava Mogutin

Slava Mogutin

O Hooligan

Por Miguel de Matos


Slava Mogutin é um voyeur de câmara descartável em riste. Excita-se ao fotografar amigos em situações íntimas, vulneráveis, como um homem a cheirar a axila do outro ou uma amiga a depilar a púbis e para ele, isso é mais excitante do que o sexo. Fotógrafo, jornalista, poeta, actor porno, modelo, performer... São várias as facetas deste russo exilado em Nova Iorque pelo simples facto de se ter assumido publicamente como gay num país socialmente hipócrita...

«Hooliganismo malicioso com um excepcional cinismo e insolência extrema» – foi a forma como o parlamento russo definiu o comportamento de Slava Mogutin. Aliás, uma perfeita definição do carácter provocatório do seu trabalho. Slava - Yaroslav Mogutin – nasceu na Sibéria em 1974. Aos 21 anos era já um conhecido jornalista. Conhecido não só pelos seus artigos controversos e poesia subversiva, como pelas revelações que fez, algumas acerca de políticos como Vladimir Zhirinovsky. Conhecida também era a sua conduta sexual, considerada como um crime. Após numerosas ameaças de morte, foi forçado a abandonar a Russia, encontrando asilo político nos EUA, com o apoio da Amnistia Internacional. Escreveu seis livros e iniciou recentemente a sua carreira de actor pelas mãos dos realizadores Bruce La Bruce e Laura Colella. É actualmente uma figura importante no underground novaiorquino. E os seus livros, que em tempos foram condenados, hoje são êxitos de vendas numa Rússia mais liberal.

Em My First Man: Sentimental Vomit, Slava escreve um relato autobiográfico que explica, em parte a sua obra fotográfica. A dada altura, o autor conta que o seu primeiro parceiro sexual «gostava do meu corpo, até mesmo das minhas pernas escanzeladas, que ele dizia serem “sexy”. Deve ter sido com ele que eu me apercebi de que era atraente e este conhecimento virou o meu mundo do avesso». Esta primeira vez foi um quase desastre, em parte pelo facto de o jovem Slava ter vomitado na cama. No final do texto, ele confessa: «A minha depressão adolescente cresceu e tornou-se em algo maior do que um simples desejo de uma boa vida e dos braços fortes de alguém. Ainda hoje escrevo não tanto sobre ele mas sim sobre o vómito em que, essencialmente, tudo começou. Desde então, sempre que vejo um vómito, fico sentimental».

Tendo em conta o teor das fotografias de Slava, a sua carreira tem seguido um percurso algo improvável, senão vejamos: desde 1999 que expõe regularmente em Moscovo (Regina Gallery), Nova Iorque (RARE Gallery, 357 Forum e até mesmo na badalada Deitch Projects), Melbourne, Grécia, Los Angeles, Copenhaga, etc. Em 2004, a Galeria Luís Serpa, em Lisboa, exibiu algumas peças do artista. De entre as revistas para as quais assina editoriais e projectos artísticos salientam-se: Attitude, BlackBook, The Face, Flaunt, I-D, Index, Neo2, Purple Sexe, Stern, Time Out, V, Visionaire e Vogue Rússia. Sente-se algumas ligações entre Slava Mogutin e fotógrafos como Nan Goldin (ver Umbigo #1) ou Wolfgang Tillmans (ver Umbigo #6) – a sua forma de expor as imagens, sem molduras, apenas fotos coladas nas paredem em composições geométricas, é similar à deste fotógrafo alemão. Recentemente, foi editado o livro 30 Interviews, com as entrevistas que Slava levou a cabo durante a primeira década da sua carreira – desta vez em versão integral e sem o dedo da censura. Entre os outros títulos já publicados salientam-se também America in my Pants (1999) e SS: Superhuman Supertexts (2000).

Mas regressando ao trabalho como fotógrafo, tudo começou com umas fotos fetichistas para a revista porno Honcho. Tema base: Fatos de cabedal, uniformes militares ou roupa de desporto. «A maior parte das vezes trabalhava com gajos com os quais andava a ter uma espécie de relação. Por isso, quando comecei a fotografar para revistas de moda russas, levei a mesma ideia», disse em entrevista à revista Index. Tal como Terry Richardson (Ver Umbigo # 11), Slava tenta forçar os limites entre a moda, o erotismo e a pornografia, acabando por “injectar” material hardcore em revistas mainstream.

Como já referi, Mogutin também se aventura na pele de modelo e actor (quase sempre nu). Faz parte das suas tendências exibicionistas. No entanto, a sua experiência no filme Skin Gang (também conhecido como Skin Flick), do polémico realizador Bruce La Bruce foi algo decepcionante. Slava, conhecido no meio porno como Tom International, não conseguiu dar à cena que interpretava o “climax” que se pedia, por estar demasiado nervoso – mesmo após um certo e determinado comprimidinho azul... Nesta cena, Slava canta e ao mesmo tempo carrega pelo cenário a modelo Nikki Uberti (na altura mulher do Sr. Richardson, que também estava presente a tirar fotografias), enquanto ela atira e parte pratos. Tudo isto, com as luzes fortes e uma câmara apontada, assusta qualquer homem, convenhamos...

A fotografia, a literatura e o sexo andam em caminhos paralelos na vida de Slava. E sempre com um lado político. Ainda neste filme, é de salientar a cena em que ele recita o poema A Story of Betrayal, em que, supostamente, o autor é adoptado e fornicado por um regimento militar russo durante a II Guerra Mundial, para depois fugir em direcção aos Nazis e trair os compatriotas, como vingança (uma alusão ao seu passado conturbado na Rússia, apimentado pelo fascínio sexual por skinheads e militares em geral). No futuro, um dos projectos de Mogutin é realizar um livro em que os seus textos e fotos proliferem em simbiose. Tudo, claro, com a sua marca sexual, poética, mas ao mesmo tempo política, agressiva e cáustica. No fundo, o que Slava pretende não é agradar ao seu público mas sim confrontá-lo e dominá-lo.

São pouco directos a mensagem ou os sentimentos que Mogutin quer transmitir através das suas imagens. No entanto, a força a elas inerente é inegável. A ambiguidade é omnipresente. Oscila entre o puro desejo sexual, a ironia, o humor e o desespero ou a desilusão. «Trata-se de desejar o amor, mas não num sentido sentimental. Amor em diferentes formas e dimensões, uma esmagadora sensação de alienação no nosso mundo corporativista e pós-apocalíptico como um todo e na subcultura urbana gay em particular», descreve Slava.

A humilhação sexual, a indefinição da chamada youth culture e o seu encontro com a beleza é o leitmotiv do trabalho fotográfico de Slava Mogutin, a par com o perscrutar da poesia existente nos olhos de jovens abandonados aos seus vícios, às suas frustrações, aos seus fetiches. Corpos captados em snapshot, submissos a uma força apenas compreensível pelos seus pares.

O Umbigo de Slava


Entre sessões de fotos na Rússia para a revista Black Book e o regresso a Nova Iorque para mais um “ataque artístico-sexual”, conseguimos trocar algumas palavras via net com Slava Mogutin:


Umbigo: Porque é que o fetichismo e a submissão ocupam um lugar tão importante no teu trabalho?

Slava Mogutin: Acho que nasci pervertido! Acho que o fetiche sexual dos pés ou dos ténis é muito mais excitante do que simples cenas de foda. Jogos com brinquedos, máscaras, jockstraps, fatos de luta livre, roupa de desporto e uniformes de todos os tipos. Gosto de fotografar pessoas em situações vulneráveis e íntimas, como um gajo a snifar o sovaco do outro ou um rapaz no sofá com um pepino enfiado pelo rabo acima, ou skinheads a mijar e cuspir uns em cima dos outros. Gosto de mostrar cenas e imagens que normalmente seriam consideradas “obscenas” ou “chocantes”. Gosto de mostrar a beleza fundamental e a inocência destas situações. Estou a tentar compreender o conceito de “vergonha” ao ser “desavergonhado” – totalmente livre de tabus morais e estereótipos.


O que quiseste explorar com o texto Sentimental Vomit?

Sentimental Vomit é a memória do meu primeiro encontro sexual com outro homem. Eu tinha 17 anos, já sabia que era bicha e estava só à espera de ser seduzido e perder a minha virgindade. Foi tudo muito desajeitado e confuso, mas o objectivo foi descrever tudo aquilo da forma mais fria e distanciada possível. Tentei rejeitar o meu sentimento de raiva e angústia adolescente.


Que relação é que tens actualmente com o teu próprio corpo, com a tua imagem?

Cheguei a uma boa relaçao com o meu corpo, o que significa que não sinto vergonha nem tenho medo dele. Mas já não sou tão exibicionista como era. Ultimamente prefiro estar atrás da câmara do que em frente dela.


Como descreverias os rapazes que costumas fotografar? Sentes-te de alguma forma identificado com eles?

Fotografo principalmente amigos meus. Não gosto de usar modelos profissionais. Para mim é essencial ter uma ligação pessoal com os meus sujeitos de modo a conseguir obter deles bons retratos. Quero que os meus retratos contem uma história, mostrem o verdadeiro carácter, emoções e movimentos reais.


Conta-me como se processa uma das tuas sessões fotográficas...

Não sou um fotógrafo de estúdio. Uma vez que uso quase sempre câmaras instantâneas e descartáveis, a maior parte das minhas fotografias são instantâneos reais de situações e cenários reais. Nada encenado ou forçado. Mesmo quando fotografo para revistas, prefiro trabalhar sem produtores, cabeleireiros ou maquilhadores. Penso sempre que as sessões devem ser divertidas. A minha câmara é apenas uma parte do jogo, mas não a parte principal. Por vezes uso um estilo de reportagem mesmo cru, como na minha série a preto e branco dos Skinheads de Berlim. Às vezes produzo os meus modelos ou sugiro certas coisas mas nunca forçaria os meus modelos a fazer fosse o que fosse e nunca lhes pediria para fazer algo que eu próprio não fizesse.


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