terça-feira, 21 de abril de 2009

Tapeçarias: Arte com luxo e tradição



Tapeçarias: Arte com luxo e tradição

No Alentejo a arte faz-se ponto a ponto. Miguel Matos visitou em Lisboa a Galeria de Tapeçarias de Portalegre


São feitas em lã e penduram-se na parede. Representam milhares de horas e centenas de dias de trabalho. São obras de arte por direito próprio e vêm todas do Alentejo. Criadas por artistas de renome como Almada Negreiros ou Graça Morais, as Tapeçarias de Portalegre combinam a arte e o luxo em fios de um ofício único. Uma arte rara que exige muito conhecimento e preserverança. Existem poucas manufacturas deste tipo na Europa e em Portugal, com edições artísticas, é esta a única em funcionamento.

A Rua da Academia de Ciências é um local que mistura a arte contemporânea e as técnicas ancestrais. Para além da Galeria Ratton Cerâmicas, mesmo ao lado está a Galeria das Tapeçarias de Portalegre, o que prova que a tradição e a vanguarda podem mesmo dar as mãos. E não se pense que se trata de uma mera técnica de reprodução de obras de arte. Muitos artistas trabalham em específico para tapeçaria: Menez criou a pensar nisso. Júlio Pomar, Eduardo Nery e Lourdes Castro também, para além de muitos outros. “As tapeçarias são normalmente produzidas em edições limitadas de quatro exemplares, mas também existem peças únicas, feitas por encomenda. Não há reedições e as obras são todas assinadas pelo artista e com certificado de autenticidade”, diz Maria João de Melo, responsável pela galeria. Quanto aos preços destas obras, não são propriamente simpáticos. Podem ir dos 8 mil aos 90 mil euros, dependendo da complexidade e tamanho.

Agora um pouco de história: a tradição de tapeçarias em Portugal começa no século XVIII com manufacturas instauradas pelo Marquês do Pombal, que pouco tempo duraram. Foi apenas em 1946 que foi fundada a Manufactura de Portalegre e dois anos depois surge a primeira tapeçaria mural, por João Tavares. Ninguém dava grande coisa por este projecto até que em 1952 os tapeceiros franceses reconheceram a sua qualidade. Como é hábito, só depois de os estrangeiros gostarem, é que os portugueses começaram a apreciar. Guy Fino, um dos fundadores, consegue então convencer Jean Lurçat, o renovador da tapeçaria francesa, a visitar Portalegre. Aí confrontou-o com duas peças. Uma tecida em França e que o próprio Lurçat oferecera à esposa de Fino, e a sua réplica tecida em terras alentejanas. Convidado a identificar a tapeçaria francesa, Lurçat escolheu a de Portalegre. A partir de então considerou as nossas tecedeiras como as melhores do mundo.

A tapeçaria de Portalegre parte sempre de um original de um pintor. É a transposição para um outro suporte e a uma outra escala desta obra. Maria João de Melo explica sucintamente como se dá este processo: “o original é apresentado e a partir dele são feitos diapositivos que são depois projectados em papel de quadrícula milimétrica. A cada quadrícula corresponde um ponto. A desenhadora vai desenhando em tamanho real sobre este papel. Após isto, faz-se a escolha das cores. Uma tapeçaria tem uma média de 800 cores que são todas escolhidas individualmente sobre o desenho original. A Manufactura trabalha com cerca de sete mil cores mas se não existir um tom específico para um determinado pormenor, manda-se tingir. Cada tapeçaria tem cerca de 2500 pontos por decímetro quadrado, podendo atingir os dez mil em zonas mais exigentes. Uma tecedeira faz mais ou menos 5cm de altura por 60cm de comprimento por dia. O tempo total de execução depende da dificuldade do desenho, mas uma tapeçaria pode demorar um ano inteiro a produzir desde o início ao fim”. Poder-se-ia dizer que é arte em paciência de chinês não fosse ela estar profundamente enraizada nas nossas tradições têxteis.

Time Out, 15 Abril 2009

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