quarta-feira, 6 de julho de 2011

Rui Effe - Quase Nada



Existem lugares vazios onde se sentem vestígios de uma vivência. Por outro lado, existe também o seu contrário: lugares cheios de coisas onde não se sente vida. São como simulacros de algo que não chegou a acontecer, espaços a que pode dar-se o nome de “não-lugares”, pegando na referência do antropólogo francês Marc Augé. A ideia de “não-lugar” deriva de preocupações sociológicas e urbanísticas, e tem sido desde os anos 70 mote para reflexões que chegam à filosofia e à arte contemporânea. No fundo, é uma oposição à noção sociológica de lugar e à ideia de um espaço relacionado com o tempo e com a história. As cidades estão repletas de espaços assim e exemplos destes são os aeroportos, os terrenos após uma demolição, as obras embargadas, os supermercados e zonas de passagem.
De acordo com teorias recentes, os não-lugares não estão totalmente desprovidos de propósito ou memória. No fundo, o espaço transforma-se e assume a acumulação de outros significados sociais. Entre a perda do espírito inicial e a aquisição de novas funções económicas, sociais ou culturais, fica um espaço de leitura complexa, a que se junta a percepção alterada pelo tempo. É neste limbo que Rui Effe situa a sua exposição “Quase Nada”. Pode um museu ser um não-lugar? A Casa-Museu Marta Ortigão Sampaio de casa pouco teve pois nunca chegou a ser habitada. Não foi cenário de tristezas nem alegrias. No entanto, está cheia até ao tecto com obras de arte, móveis, jóias e objectos de uso quotidiano pertencentes a alguém que nunca aí viveu. Em “Quase Nada”, Rui Effe planta interrogações ao visitante e impossibilita o acesso às respostas. As suas esculturas, vídeos e instalações são afirmações de uma presença, mas neste caso é a presença de uma impossibilidade. Como portais que levam a lado nenhum.
O discurso plástico de Rui Effe convoca a alienação do contexto de um lugar. Fala sobre o negativo da comunicação e a existência do nada. Explora o vazio que pode preencher um lugar e torna visível a forma muda de algo que desapareceu. Na instalação site-specific O Eco, com que Rui Effe intervencionou o lago do jardim, vemos a marca daquilo que já foi mas já não é: um tronco de uma árvore morta, cujo corte espelha as folhas das árvores vivas.
Nos espaços interiores e exteriores da Casa-Museu Marta Ortigão Sampaio, pelas suas paredes e recantos, as obras de Rui Effe ora chocam ora dialogam com as obras de pintura naturalista de Aurélia de Souza e Sofia de Sousa. Evocam a suspensão do tempo em sacos negros e a noite escura dentro de uma candeia, frente a pinturas quase esquecidas. As esculturas são presságios, objectos velados de negro como O Segredo: uma santa de madeira e açúcar coberta com um véu de nylon preto. Alusão aos mistérios da fé e entidade de abstractas premonições. O acesso negado à verdade é ainda abordado em O Mistério, uma estrutura arquitectónica exposta numa das varandas e que lembra um confessionário. Numa parede paira a Viúva: uma pá de cavar coberta por um véu de luto. É como um percurso iniciático que pode fazer-se de dentro para fora ou de fora para dentro. Enquanto numa enorme vitrina se mostra uma cidade queimada com formas construtivistas, no jardim corta-se o acesso a caminhos de carvão e criam-se percursos que não levam a lado algum nesta viagem às cegas.



Miguel Matos

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