terça-feira, 12 de maio de 2009

Carlos Calvet - Geometrias de um Surrealista Reinventado


Miguel Matos ficou surpreendido com a nova exposição de Carlos Calvet e fez-lhe perguntas sobre a sua arte.

De entre os poucos surrealistas portugueses vivos e assumidos, Carlos Calvet é o segundo no pedestal, logo a seguir a Cruzeiro Seixas. Esta semana, na Galeria Valbom, ele demonstra que se pode surpreender tudo e todos depois de 60 anos de pintura. Para quem se habituou às paisagens metafísicas de cores garridas e às explosões apocalípticas dignas de capas de livros de ficção científica, esta nova visão geométrica é uma surpresa. Eis a conversa tida enquanto se desembrulhavam quadros para a montagem.

Segundo consta, o Carlos entrou na exposição dos surrealistas em 1949 de uma maneira muito informal... Conte lá como foi isso.

Na altura não estava muito integrado no grupo mas convivia um bocado com o Mário Cesariny, o Cruzeiro Seixas e o Mário Henrique Leiria. Participei na exposição com um quadrinho que nem entrou no catálogo. O convite foi feito à última hora. Eu andava a estudar arquitectura e não nos encontrávamos muito. Arranjou-se uma moldura improvisada e lá entrei na exposição. Fiz um quadro engraçado que se chamava “Bicho que dá nas Praias”. O Cesariny gostou tanto que ficou com ele durante muitos anos até à altura em que foi viver para Inglaterra. A pintura era sobre papel e, quando ele voltou, passados alguns anos, o papel tinha-se desfeito, talvez com a humidade. Perdeu-se para sempre.

Como é que aos 80 anos passou de uma pintura essencialmente figurativa e surrealista para um registo geométrico e abstracto?

Passei por várias fases, com muitas experiências pelo meio e já tinha feito tentativas destas ao princípio. É realmente uma visão modificada, mas eu gosto de criar paradoxos na imagem.

O que é que torna a sua pintura tão enigmática? Será pelas escalas diferentes na mesma imagem que dão outros significados aos objectos representados? Como as mãos enormes que parecem causar uma intervenção divina...

A mão é realmente um instrumento com um poder simbólico imenso. São os objectos do mundo exterior que adquirem uma qualidade semântica e metafórica e que enriquecem a atitude expressiva.

E afinal a sua pintura é surrealista ou metafísica?

Essas coisas não estão afastadas. O Chirico era metafísico... O surrealismo é muito vasto e variado, com tantas possibilidades que se impregna... Quem experimentou ficou preso pelo surrealismo. Pode haver uma atitude surrealista concentrada numa determinada expressividade única, pessoal, e outra que é muito mais absorvente das variedades possíveis.

No fundo, quer queiramos quer não, a dimensão onírica faz parte de todos nós...

Pois faz e sempre foi uma das grandes riquezas da arte, a exploração dos conteúdos do inconsciente. O inconsciente aparece sempre disfarçado na arte, de maneira metafórica.

E estas novas imagens de formas que parecem puramente geométricas, também têm origem no inconsciente?

A geometria está ligada ao mundo dos arquétipos platónicos, pitagóricos e também à psicanálise moderna com o Jung. O mundo arquetipal é composto por formas fundamentais que estão na origem de tudo. São materiais que aparecem de variadas maneiras mas com o seu sentido próprio, que se refere a esses arquétipos.

Daí a mistura, em alguns quadros, do geométrico abstracto com o figurativo?

Isso cria uma dualidade que é estimulante para o pensamento e para o prazer da visão. É um paradoxo.

Como é que nasce uma das suas imagens?

Tenho centenas de esboços. Trabalho com um bloco de algibeira e desenho onde calha, em qualquer sitio, quando e onde me apetece. São apontamentos que depois passam a ser quadros, mais tarde ou mais cedo. Faço tudo ao gosto, não trabalho com regras geométricas. Uma regra matemática até pode estragar a expressividade, que está ligada à emoção.

Acha que as pessoas ainda estão interessadas no surrealismo?

Parece que sim, mas a mim não me interessa essa questão. As pessoas gostam do que eu faço e isso chega-me.

“Carlos Calvet – Pinturas Recentes” está patente na Galeria Valbom (Av. Conde Valbom, 89 A) de 9 de Maio a 30 de Junho. Aberta de segunda a sábado das 13.00 às 19.00 . A entrada é gratuita.

Time Out, terça-feira, 5 de Maio de 2009

segunda-feira, 11 de maio de 2009

João Figueiredo - Back to the Palace



Ingres e Pessoa: juntos e recombinados


João Figueiredo ajuda o IADE a apagar 40 velas com uma exposição de pintura. Miguel Matos foi ver a festa.


O que têm em comum o pintor Jean Auguste Dominique Ingres e o poeta Fernando Pessoa? Aparentemente nada. Mas João Figueiredo juntou-os numa exposição de pintura no IADE, por ocasião das comemorações dos 40 anos desta escola.

João Figueiredo tem já um longo historial de obras criadas tendo como base a mistura de elementos e a subversão de ícones, trabalhando com colagens e recortes, pintando sobre obras de outros autores. Mas porquê juntar estes dois nomes? “Ingres aparece porque é o meu pintor preferido. Sei que não há uma relação directa entre ele e Fernando Pessoa mas foi uma forma de juntar a pintura à literatura”, diz. Tudo começou quando o artista ganhou um prémio enquanto estudante de Design de Comunicação no IADE.

Esse prémio consistia numa colecção de obras de Fernando Pessoa, revistas e anotadas por António Quadros. “Esta é uma homenagem a ele, fundador do IADE e grande estudioso da obra de Fernando Pessoa. Inspirei-me neste homem para interpretar Ingres, aproveitando para discorrer sobre o universo feminino e juntando isso às dúvidas existencialistas de Pessoa”, explica João Figueiredo.

Em “Back to the Palace”, Fernando Pessoa está presente não tanto nas imagens mas mais nos segredos que estas mesmas imagens guardam. Pessoa serve como pretexto para contar uma outra história para além da que Ingres contou. Na verdade, a exposição tem detalhes pessoais do autor pois é exposta na sala onde há anos João Figueiredo recebeu o referido prémio.

Para além dos cortes, recortes, amputações e acrescentos em copy/paste criativo, há um aspecto que se repete: muitas das figuras encontram-se encerradas em caixas que parecem aquelas que os mágicos usam para cortar pessoas ao meio. Isto tem uma razão, como explica o pintor: “antes de chamar esta exposição ‘Back to the Palace’, estive para lhe dar o nome de ‘A Impossibilidade do Espaço’. Tem a ver com a impossibilidade da mente, da nossa múltipla personalidade e daí a referência a Fernando Pessoa e aos seus heterónimos. São, no fundo, caixas e espaços que interagem mas que sugerem formas improváveis. Há imagens que estão de tal maneira desmembradas que parecem impossíveis.” É todo um intrincado de espaços e pessoas em planos que não parecem pertencer à realidade. Até o célebre quadro O Banho Turco, de Ingres, nunca mais foi o mesmo após o remix de João Figueiredo.

“Back to the Palace” está patente no IADE – Palácio Pombal (Rua do Alecrim, 70) de 5 a 29 de Maio. Aberto de segunda a sexta das 10.00 às 18.30 e sábados das 12.00 às 17.00. A entrada é gratuita.

Time Out, 28 de Abril de 2009

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Rui Calçada Bastos - Cabin Fever




Farto de voar em classe turística?


Miguel Matos acompanhou Rui Calçada Bastos numa viagem de avião e ficou com “Cabin Fever”.

Senhores passageiros da RCB Airlines, apertem os cintos e apaguem os cigarros... “Cabin Fever” é o termo usado para referir uma reacção claustrofóbica que acontece quando alguém está isolado ou fechado durante um largo período. Dá origem a sintomas como irritabilidade, falhas de memória, inquietação ou sono excessivo.
O avião, numa viagem de longa distância, é o local privilegiado para sentir este tipo de distúrbio. “Quando estás há muito tempo num avião perdes a noção do espaço, de onde estás...”, diz Rui Calçada Bastos, que decidiu transpôr esta desorientação para a exposição que apresenta esta semana na galeria Appleton Square.

A instalação “Cabin Fever” combina uma selecção de oito fotografias de grande formato com uma intervenção estrutural, em que o artista construiu um labirinto através do qual os visitantes têm de se deslocar para conseguirem ver as imagens de perto. A exposição em causa não será uma qualquer mostra de fotografias penduradas numa parede. “Cabin Fever” é, acima de tudo, uma instalação fotográfica colocada por entre uma estrutura de pilares brancos que criam corredores cruzados e provoca uma sensação de desorientação.


Este dispositivo funciona da mesma forma que a estrutura dos blocos verticais do Museu Judaico em Berlim. Ao contrário da forma como habitualmente os visitantes se deslocam através de um espaço expositivo, “Cabin Fever” explora a desestabilização das nossas perspectivas ao obrigar à sensação de uma mudança constante dos nossos eixos de navegação.


Rui deverá conhecer muito bem esta sensação pois a sua vida tem sido feita de viagens para cá e para lá. Aos 16 anos foi para Macau, onde viveu durante uma década. Depois veio estudar para Portugal. Está há sete anos em Berlim, inicialmente para uma residência da Gulbenkian na Künstlerhaus Bethanien, onde muitos artistas portugueses se fixaram temporariamente, como Noé Sendas e Adriana Molder. Hoje é responsável pela galeria Invaliden 1, em conjunto com outros artistas. Recentemente voltou a voar muitas horas para realizar um projecto fotográfico e de vídeo em Xangai.



A ideia da viagem atravessa a vida e o trabalho deste artista desde sempre, assim como as ideias relacionadas com os bloqueios à comunicação. Na verdade, quando viajamos num avião estamos todos num espaço confinado e evitamos toda e qualquer tentativa de comunicação com a pessoa que está apenas a 10 cm de nós (ou ao nosso colo, se for num avião de uma companhia low cost). O espaço entre a janela e o banco da frente é aquela nesga discreta por onde podemos vislumbrar alguns pormenores que possam identificar a pessoa que está à nossa frente. E numa viagem longa, por vezes esta pequena quantidade de informação pode tornar-se subitamente interessante. É numa perspectiva que está entre o voyeurismo e a fuga à interacção que “Cabin Fever” se desenvolve. Como explica Rui Calçada Bastos: “Percebe-se mais de uma pessoa quando se vê esta de costas do que de frente. Já Magritte explorava isso. Estar de costas é o lado que não conheces de ti e que os outros vêm e que acrescentam ao teu eu. Tu de costas és tu. De frente podes ser ou não ser.”

“Cabin Fever” está patente na Galeria Appleton Square (Rua Acácio Paiva, 27 r/c) de 24 de Abril a 23 de Maio. Aberta de terça a sexta das 14.00 às 19.00. A entrada é gratuita.


Time Out
, terça-feira, 21 de Abril de 2009