domingo, 27 de setembro de 2009

A Arte Pós-Darwin


Miguel Matos foi conhecer uma exposição de Arte e Ciência mas não ficou transgénico


Um preto de carapinha loira ou um branco de carapinha não é natural. Ter uma orelha num braço também não é natural, mas ao contrário dos casos anteriores, não é falta de restaurador Olex. É Inside, o cruzamento entre arte e ciência que se mostra na Cordoaria.


Aproximar a arte da vida, desviando o conhecimento da ciência para a produção artística. É este o objectivo da Arte e Ciência um conceito artístico emergente e muito recente. Engloba um conjunto de práticas artísticas que romperam com aquilo a que tradicionalmente se chama Arte Contemporânea. Estas práticas são tão variadas e dão resultados tão diferentes que até agora ainda não se conseguiu encontrar um único nome para designar todo este conjunto. Até agora apareceram vários nomes para as propostas que misturam campos aparentemente antagónicos como estes. Bioarte é a terminologia mais conhecida, mas também lhe chamam sci-art, arte e tecnologia, arte e ciência... No fundo ainda ninguém definiu o que é isto.


“Inside” já está a ser preparada há dois anos e é uma exposição ambiciosa ao reunir os maiores especialistas nestas investigações artísticas. “Esta exposição é um manifesto que tenta apresentar em Portugal uma nova arte cujo conhecimento é muito diminuto”, diz Leonel Moura, Comissário do evento. É assim que no campo das biotecnologias vários artistas usam metodologias aplicadas na medicina ou na manipulação genética para gerarem esculturas, novas formas de vida ou reconfigurações dos corpos, do próprio artista ou de outros seres vivos. É também assim que no campo da inteligência artificial se propõe a possibilidade de gerar uma criatividade artificial, usando algoritmos e robôs.


“Pela primeira vez os artistas não estão a ilustrar a vida, mas a criá-la, seja de formas biológicas ou artificiais, Isto levanta questões que têm a ver com a vida.”, defende Leonel Moura. Através da biotecnologia é possível utilizar a capacidade de manipulação genética para a criação de uma flor com genes de artista ou processos de medicina que permitem implantar uma orelha num braço. No caso da robótica e da inteligência artificial, há robôs que reagem a estímulos exteriores e têm comportamentos autónomos. A importância deste tipo de arte é dar a ver uma realidade que já existe mas que não está à vista da maior parte das pessoas. Trata-se de descontextualizar estas técnicas para atraír a atenção e criar uma nova visão do mundo. “Esta exposição vai parecer muito futurista, mas não é”, diz Leonel Moura. “Tudo o que nós fazemos só é futurista para quem ainda não se apercebeu de que estas coisa já existem realmente. As operações estéticas, os transplantes, a manipulação genética, a robótica, a inteligência artificial... tudo isto já existe”.


Aquilo a que se chama Arte e Ciência começou a surgir nos anos 70 de uma forma muito incipiente mas só neste século é que isto tem ganhado forma. São agora realizadas exposições deste tipo de arte em vários países, apesar da resistência oferecida pelos agentes culturais mais conservadores. O público interessa-se pelo tema e os museus começam a perceber e a reconhecer a sua importância. Na opinião de Leonel Moura, “é muito visível a crise da arte contemporânea na dificuldade que tem em apresentar coisas novas. Defendo que não estamos perante mais uma tendência da arte contemporânea, mas sim uma nova arte, que provoca uma ruptura. Altera o próprio conceito de arte, assim como os seus processos de produção. É claro que estamos a mexer num domínio muito sensível e ainda vamos ver coisas horríveis a serem feitas neste âmbito. Mas também muitas coisas boas. O ser humano precisa de um empurrão para evoluir como organismo. Vamos conseguir superar a evolução natural e começar uma evolução artificial”. Será este o início do período pós-Darwin?


Time Out, Setembro 2009

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