quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

João Vilhena - Sexo para além da morte


João Vilhena fundou o clube “Splendor in the Grass”. Miguel Matos ainda não se inscreveu, mas explica o que é.

Há algum tempo que não se vê a figura singular de João Vilhena pelos eventos artíst
ico-sociais. Desde a sua morte que uma aura de expectativa se criou em torno do artista desaparecido em misteriosas circunstâncias. Isto até agora. Vilhena, como conceito e não como corpo físico, criou em Lisboa uma nova organização cultural: a sociedade Splendor in the Grass. Não se sinta confuso o leitor que acha que a morte impede um artista de criar. A sociedade tem vindo a ser fundada há cinco anos, desde o falecimento de João Vilhena, devidamente registado numa biografia póstuma e não autorizada, em que se especula sobre a sucessão de acontecimentos que levaram ao desfecho fatal. Mas como é possível existir vida depois da morte se Vilhena não é exactamente Jesus Cristo? Ele responde: “Estou agora não como corpo mas como entidade, na defesa de uma filosofia. Talvez me tenha tornado mais humano desde que morri.”

Após a morte de João Vilhena, punha-se a questão de como ele poderia continuar a existir como artista. Resolveu-se o dilema transformando-se na Splendor in the Grass Society. E o que é isto? Trata-se de um clube privado que tem como interesse central o tema da liberdade sexual, a defesa não de identidade de género, mas sim de pansexualidade. Na Splendor in the Grass Society é muito clara a defesa da ideia de existência de sexualidade nas pessoas e não propriamente de orientações sexuais restritivas. O título “Splendor in the Grass” alude ao universo cinematográfico, uma constante no percurso artístico do fundador João Vilhena.

Desta feita, ele recorre aos filmes Esplendor na Relva e Bonnie e Clyde, ambos norte-americanos, da década de 60 e emblemáticos de Hollywood. “Esta exposição faz uma reunião dos eventos que foram acontecendo depois da minha morte e reposiciona-os no momento actual. A partir daqui, a ideia é sempre trabalhar ideias de revolta, revelação e descoberta da sexualidade, não numa perspectiva adolescente, mas sim como uma nostalgia de um tempo que não chegou a ser vivido.”

Esplendor na Relva e Bonnie e Clyde aparecem como catalisadores desta experiência libertadora por terem sido filmes que romperam com a ideia tradicional de género e de sexualidade nos Estados Unidos. Segundo João Vilhena, “tentamos reforçar a ideia de que a sexualidade é uma coisa natural no ser humano e que não faz sentido pensar em normas de género hoje em dia. Se formos entrevistar adolescentes, verificamos que possuem uma abertura muito grande, sendo que muitos deles se afirmam como bissexuais. É por isso que queremos ter essa vertente educativa e dinamizadora, como sociedade.”

A primeira actividade deste clube privado começa agora. É uma mostra de trabalhos de som, fotografia e escultura sob a forma de instalação pluridisciplinar patente na Galeria das Salgadeiras, no Bairro Alto. O que Vilhena faz é uma apropriação total do espaço para criar todo um ambiente que envolve o visitante. O local faz todo o sentido, visto a Rua das Salgadeiras ter sido, na década de 1970, a rua dedicada à prostituição no Bairro. Para além disso, o local onde está hoje instalada a galeria era mesmo um bordel nesses tempos. “Temos também nesta exposição uma recolha de fundos para o Haiti. Consideramos introduzir uma responsabilidade social por parte dos artistas portugueses”, remata. Entre as questões sexuais, as intenções humanitárias e a vida depois da morte, o certo é que “Splendor in the Grass Society” será um evento de transformações mentais, psíquicas e corporais. Quem se atreve?

“Splendor in the Grass Society” está patente na Galeria das Salgadeiras (R. das Saldadeiras, 24) de 6 de Fevereiro a 20 de Março. Aberta de quarta a sexta das 17.00 às 22.00 e sábados das 16.00 às 22.00. A entrada é gratuita.

Time Out, 2 de Fevereiro de 2010

Sem comentários:

Enviar um comentário