terça-feira, 9 de março de 2010

Alexandra Mesquita - As espirais irrequietas da vida


Miguel Matos encontrou os objectos que Alexandra Mesquita procura na Galeria Arte Periférica.

Elementos essenciais à sobrevivência. É esta a ideia que Alexandra Mesquita explora ao recolher estes “Artigos Procurados”, a exposição que mostra os seus mais recentes sonhos e pensamentos. Tudo começa com “Sinal de proibição para proteger utopias”, peça que abre os portões para este mundo redondo de aventuras. Alexandra Mesquita revela os seus segredos: “é um sinal de proibição especial. No vermelho que está à volta da peça está uma série de situações que habitualmente proibimos, mas estão em amálgama, sobrepostas, e por isso não se consegue ler cada uma delas. Erguida no meio, tridimensionalmente, está uma frase: ‘proibir a proibição’. Isto é um reforço que se constitui ele próprio como uma utopia. No centro, a branco, está uma série de utopias que são minhas, mas que não se percebem, pois estão sobrepostas”.

Estas peças lutam para serem objectos sem nunca o conseguirem ser. “Penso que, de acordo com a maneira como o nosso corpo é constituído, há uma parte que é racional e que é bidimensional, constituída pelo bem e o mal, o sim e o não. Depois, há uma terceira dimensão composta pela nossa emoção. Por isso, é normal que estas escritas bidimensionais queiram ser som e emoção, queiram ser lidas, mas estão na vertical, tal como o nosso corpo”, explica Alexandra.

O observador destes objectos baixa-se, vira-se para um lado e para o outro ao perceber que estes elementos são afinal letras, signos e símbolos reconhecíveis. No entanto, ao não conseguir dominar todos os ângulos daquilo que está à sua frente, torna-se praticamente impossível aceder às palavras que estas letras secretamente formam. Frustração é o sentimento causado por esta impossibilidade de trazer a realidade ao domínio do observador. A luta é intencional e provocada pela amálgama conflituosa criada pela artista.

Estas “rodas da sorte”, sistemas circulares de signos e símbolos, bonecos e sinais de perigo organizados em espirais e caleidoscópios, são desorientadoras das nossas crenças e teimosias. Representam fugas à realidade e confrontam-nos com manias, obsessões e desejos que temos como habitantes de um país rectângulo que gostava de ser circular. Um país que se contorce para ser uma ilha ou uma jangada à deriva, à conquista de territórios. É aquele “estou bem onde não estou porque só quero ir onde não vou” característico da nossa identidade. Relógios que param o tempo, sopas e caldos entornados, incêndios e questões ambientais.

Tudo isto espelha inquietações. “Sem ser sempre salva” simboliza, nas palavras da artista, “a necessidade de termos uma bóia de salvação. No entanto, se nos perdermos no meio líquido, a melhor solução não seria ficarmos a boiar, mas sim nadar contra o meio que nos está a afogar. Isto é uma ironia. O título é uma frase escrita na própria peça mas que pode ser lida de diferentes formas. O cinzento à volta da bóia pode ser o mar revolto como pode ser a chapa de um navio de onde queremos tirar essa mesma bóia.”

Mas há reflexões mais íntimas nestes trabalhos, como as coisas que dizemos em códigos nas obras compostas por letras, palavras, exclamações e onomatopeias. Alguns destes círculos ligam-se às raízes da artista nos campos da poesia visual. São sopas de letras, palavras cruzadas e outros labirintos como os caminhos tortuosos das ansiedades em círculos infinitos.

“Artigos Procurados” está patente na Galeria Arte Periférica (Centro Cultural de Belém, loja 3) até 31 de Março. Aberta todos os dias das 10.00 às 20.00. Entrada gratuita.

Time Out Lisboa, 9 de Março de 2010

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