terça-feira, 20 de abril de 2010

Isabelle Faria - Retratos da burguesia animal


Ao entrar no ateliê de Isabelle Faria, as peças prontas à espera de serem recolhidas para a exposição “Monopoly World – Sloth” (que abre portas esta quinta, na Galeria 111) espalham-se organizadamente no espaço. Destaca-se ao fundo um antigo frigorífico alterado, de onde saem risos e gargalhadas. Espreitando para dentro é possível ler: “A preguiça física está inerente a nós. A mental talvez seja genética.” Frases que levam à sua ideia de partida: a preguiça como braço direito dos poderes na sociedade, sejam eles económicos, políticos, sociais ou sexuais.

Isabelle Faria tem-se servido dos sete pecados mortais como pretexto para cada uma das suas séries. Agora prepara-se para apresentar mais um dos pecados em que incorre amiúde a espécie humana: “A preguiça é para mim o estado em que não aproveitamos o tempo para construir qualquer coisa, seja ela positiva ou negativa. Muitas vezes quando estamos ligados a poderes acabamos por pensar que as outras pessoas fazem as coisas por nós, mas isso nem sempre acontece. Temos de continuar a lutar, pois em todas as áreas há uma enorme competição”, explica. Fala-se de lóbis, portanto. Os grupos de pressão aos quais a arte muito intimamente se liga. Para enriquecer esta ideia, Isabelle foi buscar referências visuais ao cinema. A Duquesa, O Libertino ou Marie Antoinette são algumas das influências de Hollywood por si repescadas. Após misturados e cruzados estes elementos, o que capta a atenção é o conjunto de grandes desenhos com animais que fitam o observador com olhares inquisitórios e ameaçadores.

Desde sempre que os animais têm servido propósitos artísticos como metáforas para a humanidade. Júlio Pomar, por exemplo, é um pintor que explora frequentemente a fauna, desde a selvagem à doméstica, para retratar personagens. Seguindo esta tradição, Isabelle Faria inscreve mais um capítulo com criaturas agressivas, vestidas em trajes barrocos e que usam as armas de morte dos humanos. Cães, águias, mochos, abutres, chimpanzés, orangotangos... cada animal simboliza um comportamento. Os cães aqui desenhados obedecem ou exercem o poder? Eles podem ser submissos ou ferozes, conforme quem os comanda, tal como os humanos. Um bando de águias actua como guarda-costas, mas estas defendem beneméritos ou vilões? Há mochos que nos penetram a alma com o olhar – são símbolos de sabedoria que se podem virar contra nós. Há também abutres que esperam pelos restos de algo ou de alguém... Isabelle consegue representar assim diversos quadrantes da sociedade. Estas imagens, pela escala e pela quantidade de olhares que nos dirigem, provocam impacto, tornando-se impossível delas fugir impunemente.

A técnica de Isabelle faz-se de traços rápidos e espontâneos que jogam com subtilezas de linhas e causam uma expressividade forte em volume, tridimensionalidade e perspectiva. Nisto, a ambiguidade joga um papel importante: “estamos a ver uma coisa que não tem nada a ver connosco, ou somos nós que estamos ali?”, pergunta a artista. Uma exposição rica em paradoxos e duplas interpretações. Não há territórios seguros nem locais neutros nesta fábula irónica. Por entre estes “retratos de família”, há caveiras sorridentes, na lógica da tradição da pintura de “vanitas”, género que evoca a passagem do tempo e a precaridade dos prazeres materiais. A caveira serve para nos lembrar de que a morte é o fim de todas as coisas, reforçando o carácter irrisório das vaidades e orgulhos mundanos.

Podemos voltar a olhar para as esculturas com as suas luzes chamativas, mas é o desenho que ganha os pontos nesta exposição. Arrisca-se a levar uma ferroada quem se aproximar demasiado...

“Monopoly World – Sloth” está na Galeria 111 (Campo Grande, 113 e R. Dr. João Soares, 5B), de 22 de Abril a 12 de Junho. Aberta de terça a sábado das 10.00 às 19.00. Entrada gratuita.

Time Out, 20 de Abril de 2010

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