sexta-feira, 9 de abril de 2010

Rui Effe - We're all in our private traps

Rui Effe

Quem há-de vir com justificação plena a presença do que é constituição responsável da actualidade?”, perguntava em 1964 António Areal num dos seus incendiários textos de crítica de arte. “Quem há-de vir defender as obras da vanguarda que ainda estão muito perto dos seus criadores? Quem primeiro há-de compreender que obras são essas que uma época cultural tem exclusivamente de exacta adequação progressis-ta?” Quem tiver a resposta pronta na ponta da língua que atire a primeira pedra e toque com a ponta da mesma língua na respectiva armadilha proposta nesta exposição por Rui Effe.

“We’re all in our private traps” representa um projecto paralelo, no sentido de representar um momento de divergência no percurso plástico de Rui Effe. Uma instalação que insinua uma crítica ao meio artístico, ou seja a si mesmo e aos elementos que rodeiam o artista. As armadilhas em que caem os diversos agentes de um mercado que se recusa a ser visto como apenas mercado mas que se deixa formatar por sistemas e lógicas promotoras e economicistas. Os que a esses sistemas fogem criam um outro, o sistema de crítica e academismo. Seja qual for a armadilha a que fugimos, acabamos sempre por cair em outra. O título, citação directa de Alfred Hitchcock em "Psico", alude à fuga impossível das situações que criamos e das quais depende o nosso comportamento. “We're all in our private traps”, dizia a personagem Norman Bates no famoso filme de Hitchcock. Nada mais verdadeiro - estamos todos presos das nossas decisões e concepções, das escolhas que fazemos no crime, na vida e na arte. Mas, e o próprio sistema com os seus metamórficos paradigmas? E os criadores? Não estarão até eles próprios “in their private traps” ao aceitarem a chave do quarto neste Bates Motel.

Norman Bates: You know what I think? I think that we're all in our private traps, clamped in them, and none of us can ever get out. We scratch and we claw, but only at the air, only at each other, and for all of it, we never budge an inch.
Marion Crane: Sometimes, we deliberately step into those traps.
Norman Bates: I was born into mine. I don't mind it anymore.
Marion Crane: Oh, but you should. You should mind it.
Norman Bates: Oh, I do, [laughs] but I say I don't.

Quando o artista tem de ser relações públicas e o galerista perde o poder, são os curadores que constituem as “superstars” da arte contemporânea. Estes, num pretenso e instável pedestal de superioridade, afogam-se em conceitos e sucumbem a lobbys. Os jornalistas confundem-se com os críticos e os críticos são apedrejados ao criticarem. Os directores dos museus obedecem a estratégias de atracção de públicos (mesmo que não sejam o seu público). Quem mais aprecia a arte contemporânea não a pode comprar e quem a compra interessa-se mais pela sua rentabilidade. As publicações sobre arte submetem-se às vontades de quem as possa financiar. Por outro lado, a linguagem usada é muitas vezes arquitectada para afastar públicos menos esclarecidos. As feiras de arte são luxuosos outlet shoppings, saldos da arte que não se vendeu na sua estação. As colecções de artistas emergentes vêem-se obsoletas ao fim de uma década e, os museus que optam por políticas conservadoras tornam-se invisíveis, iguais a tantos outros. Neste panorama, quem legitima e valida a arte que deverá perdurar? Voltando ao início, e numa actualidade que perturba passados 46 anos... Areal aventurou-se na possível resposta às suas perguntas: “Não é de todo o público; são os próprios criadores. Não são de maneira nenhuma os críticos. Porque se o sono da razão engendra de um modo geral o 'grande' público, de um modo particular o sono da razão engendra os críticos”.

Miguel Matos

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