terça-feira, 8 de junho de 2010

Carlos Mélo - Corpo Amplificado


Despertar o pensamento através dos sentidos e registar esses momentos: é assim que Carlos Mélo trabalha e é isso que vem mostrar em Lisboa, na Galeria 3+1. A performance é um eixo central para este artista, eleito como um dos representantes da geração brasileira da viragem do milénio e galardoado em 2006 com o II Prémio CNI SESI Marcantonio Vilaça para as Artes Plásticas.

É da performance e dos seus registos que vive a exposição “Entre-Campos”. Para além disso, na prática artística de Carlos Mélo há sempre um outro conceito crucial: o “subjeto”. A palavra resulta do cruzamento entre sujeito e objecto. Ou seja, é uma coisa e uma personagem ao mesmo tempo. É presença inanimada e catalisador da acção. Este contexto explica a presença, nas fotografias agora apresentadas, de um estranho boné como “subjeto”.

Carlos Mélo explica: “este trabalho vem de uma forte influência do candomblé. No boné há uma franja que é igual à usada pelos orixás para cobrir o rosto. Aqui há a apropriação desse elemento com outro objectivo. Como é um trabalho muito ligado a questões da experiência sensível e do lugar, eu não queria associar a temas da religião. De qualquer forma, a referência traz algo de uma experiência mística.” O artista usou este “subjeto” em Sintra (já de si um local místico) e interagiu com o meio da forma que lhe pareceu mais intuitiva. Daí nasceram imagens fotográficas que testemunham o artista na paisagem como canal entre o subjecto e o espaço.

As fotografias e desenhos com que Carlos Mélo ocupa a galeria são testemunhas de um acto. Constituem uma performance sem audiência. Tudo parte de uma acção desenvolvida num local específico, neste caso. O desdobramento performático dá-se com o registo fotográfico dessa acção e com a sua aparição multiplicada através de objectos relacionados, que se tornam ícones e símbolos como flores, microfones e cabelos. “O cabelo começou como uma mancha negra e semi-disforme em desenhos de grafite. Com o tempo essa mancha ganhou filamentos e transformou-se em cabelo que depois foi transposto para outros suportes artísticos”, explica Carlos.

O microfone é o sinal de um acto, de uma interacção ou comunicação, como nas performances em que o artista e um actor contracenam com palavras e movimentos. As flores são o elemento vivo entre objectos inanimados. “Na verdade, eu acho que o meu trabalho tem uma vertente autofágica. Ele vai-se consumindo, as coisas vão aparecendo, passam com o tempo e depois voltam. Nesse sentido é uma grande aventura, pois eu mesmo me surpreendo”, confessa.

As obras que Carlos Mélo mostra são imagens em espelho de si próprio. Quem aparece fisicamente nestes retratos é o próprio artista, mas de forma a nunca vermos o seu rosto. São “auto-retratos em fuga de si mesmos”, como lhes chamou a psicoterapeuta e crítica cultural Suely Rolnik. De facto, e de forma mais explícita nos desenhos, o rosto do artista dissolve-se, ao representar não já o “eu” dele próprio, mas sim os seus vários “eus”. Como no caso da artista portuguesa Helena Almeida, já não é o seu corpo que figura nas imagens, mas sim um corpo comunitário, um corpo seu e ao mesmo tempo reflexo do corpo do espectador. Os objectos – ou subjectos – que aparecem nos vários trabalhos (microfones, câmaras, cadeiras, flores) cumprem a função de amplificadores da experiência sensível ou marcas da sua presença no espaço. Desdobrando-se em técnicas e meios diversos como a fotografia, o desenho, o vídeo, a performance e a instalação, “Entre-Campos” pretende fazer o ponto da situação acerca do lugar onde se encontra Carlos Mélo na arte, na vida e nos sentidos que utiliza para apreendê-la.

“Entre-Campos” está patente na Galeria 3+1 (Rua António Maria Cardoso, 31) até 10 de Julho. Aberta de terça a sábado das 14.00 às 20.00. A entrada é gratuita.

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