segunda-feira, 13 de dezembro de 2010
David de Almeida - A Matéria em Discurso Directo
Como artista total que é, David de Almeida (São Pedro do Sul, 1945) sempre se dedicou à pintura, à gravura, à escultura e assemblage com resultados que criaram o seu discurso próprio. É esta faceta diversificada que se revela a muitos como uma surpresa nesta exposição antológica. A mostra não pretende ser exaustiva e organiza-se segundo a coerência das obras datadas de 1982 a 2010.
Na pesquisa plástica e estética de David de Almeida há um diálogo entre aquilo que o material é e aquilo que ele é capaz de realizar. Existe quase sempre a marca daquilo que o material riscou ou gravou na superfície para depois fazer emergir o próprio material que originou o risco, a mancha ou mesmo a cicatriz. “Não tenho grande relação com a tela”, diz o artista. “Sempre fui criado no meio dos materiais, das oficinas... tenho essa relação com a coisa física.”
Nesta exposição, os sentidos são convocados numa experiência em que o diálogo entre composição e material obriga a dupla leitura.
O difícil está em decidir qual delas é a primeira. Ou se capta a totalidade da obra ou se cede ao apelo físico e se parte à descoberta dos seus elementos matéricos. Descobrir de que é feita a obra, sentir a rugosidade da superfície vertical ou quase tocar (é o que apetece) a textura do metal em bruto, oxidado ou polido. Ou da pedra, esculpida ou aglutinada.
A surpresa está garantida para quem não tem acompanhado a actividade expositiva do artista em galerias como a 111 ou mais recentemente a Valbom, onde mostra regularmente o seu trabalho de pintura e escultura. A gravura, técnica talvez esperada pela maior parte dos visitantes, apenas aparece aqui em poucos mas excelentes exemplos. Em Portugal, país onde a gravura já teve dias áureos, não se aprecia esta técnica, perdurando o desinteresse e incompreensão face à obra gráfica. Assim, revisita-se nesta antologia um período dos anos 80, menos conhecido. “Na inauguração percebi que até alguns amigos meus não sabiam que eu fazia este tipo de trabalho”, conta David. “Algumas destas obras apenas tinham sido expostas na Galeria 111, numa altura em que a crítica emergente dos anos oitenta estava mais preocupada com outros assuntos. Anos depois, alguns críticos escreveram que as coisas mais importantes que eu fiz foram desta época.”
Ao longo das salas testemunha-se uma redução das formas ao seu mínimo, maximizando as potencialidades plásticas da cor, da matéria e da textura, ampliando assim a experiência sensorial. Há diálogos e desdobramentos entre aquilo que David de Almeida faz nas diferentes técnicas. Um jogo entre a pintura e a escultura que transforma o bidimensional em tridimensional e vice-versa. É de destacar uma série de obras em papel moldado, realizada em 1982. “À volta do sítio onde nasci há imensas gravuras rupestres. Fiz o percurso destas gravuras e pensei que nunca se tinha tirado provas delas. Então decidi fechar o ciclo.”
A técnica consistia em colocar borracha de silicone por cima da pedra e assim fazer o negativo.
Esse silicone tinha que ter umas costas em gesso. “Andávamos nós pelas matas com o silicone, baldes de água e sacas de gesso às costas. Era uma mão-de-obra enorme... Depois trazia o molde para o ateliê, montava as placas de gesso e prensava a pasta de papel contra o silicone”, conta. O resultado são formas ancestrais em relevos brancos de papel como pedra. Aliás, a pedra está quase sempre presente na obra de David de Almeida quer em evocação, quer por sugestão ou mesmo em matéria, como nos quadros em que as composições geométricas são feitas em pedra em pó com gel.
Entre a forma e a matéria, a luta acaba em vitória para os dois lados numa antologia que leva a entender onde começou o trabalho que hoje vemos e porque chegou ao resultado final.
Miguel Matos
“David de Almeida – Antologia" está patente na Galeria do Palácio Galveias (Campo Pequeno) até 30 de Janeiro de 2011. Ter-Sex 10.00-19.00. Sáb e Dom 14.00-19.00. A entrada é gratuita.
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