Segundo a lenda medieval, na província de Taranto, no Sul de Itália, um veneno misterioso punha os habitantes em delírio, delírio esse que inspirou um género musical. São estas loucuras e estas músicas que se sentem ao percorrer com o olhar os percursos sinuosos dos desenhos parcos de cor mas plenos de movimeno de Rui Effe. “Uma noite adormeci a ver um filme e a meio da noite acordei com o som de um violino que tocava aceleradamente uma música lindíssima. Fui pesquisar à internet e descobri que a música era uma tarantela. Descobri também que associada à tarantela existe uma lenda. Foi essa lenda que me levou a fazer estes desenhos.” É assim que Rui Effe explica o porquê do tema da sua exposição “La Tarantella”, na Galeria de São Bento.
O corpo tem sido sempre uma das maiores preocupações e interesses deste artista (o seu blogue chama-se esteeomeucorpo.blogspot.com).
De forma menos directa, em “La Tarantella” é ainda o corpo que se expressa afectado e infectado através de um veneno catalisador de danças e convulsões físicas. Trata-se de uma representação gráfica de substâncias estranhas que, ao entrarem em contacto com o corpo humano, quer sob a forma física, quer espiritual, o tornam peculiar. Nesta representação, apesar de abstractizante, é possível visualizar correntes circulatórias em alta velocidade que fazem os olhos dançar pela superfície do papel e da tela como corpos em transe. É uma “exaltação, um delírio e a prostração do corpo assim que invadido pela substância contaminante”, diz Effe. O registo da maior parte destes trabalhos é de um desenho automático, realizado em velocidade sobre papel e em objectos. Desde sempre ligado essencialmente à disciplna do desenho, Rui Effe tem-se dedicado ultimamente também à produção de objectos, instalações e assemblages, com resultados plásticos misteriosos e impactantes. Em “La Tarantella”, o desenho torna-se mais uma vez tridimensional em telas suspensas, acordeões, ninhos, teias e outras realidades físicas em técnicas pouco convencionais. Há um lado obscuro e de opacidade que impede uma visão imediata do conteúdo de cada elemento. O mistério é parte integrante desta série, com peças desconcertantes que provocam o observador. Nem tudo é lógico, nada é certinho. “La Tarantella” gira em círculos e linhas sinuosas que entontecem como um veneno.
Uma vez que o conceito da exposição se baseia em crenças e mitos, eis mais um pouco do elemento histórico que fundamenta o conceito das obras. O título e género musical que serve de referência tem a ver com o tarantismo (também chamado tarantulismo). Segundo a crença popular este é um delírio muito específico, causado pela picada tóxica de uma aranha muito especial: a tarântula (Lycosa tarentula). Quando os habitantes de Taranto eram atacados por este bicho, o resultado era uma febre que se traduzia numa dança frenética – a tarantela. Nos desenhos de Rui Effe, os cérebros derretem-se, as figuras esbracejam, as veias dilatam-se e transformam-se em pautas de uma música veloz e inebriante como um orgasmo ou um outro qualquer êxtase físico ou mental.
Miguel Matos
“La Tarantella” está na Galeria de São Bento (Rua do Machadinho, 1) até 30 de Dezembro. Aberta de terça a sexta das 14.00 às 20.00. Sábados. domingos e feriados só por marcação. Entrada gratuita.
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