domingo, 19 de julho de 2009

Brian Kenny - Odisseia Artístico-Pessoal de um Wigger




Brian KennyBrian Kenny

Odisseia Artístico-Pessoal de um Wigger

Por Miguel de Matos

Quem é leitor regular da Umbigo lembra-se concerteza da capa da edição 13, Slava Mogutin. Foi com Slava que o artista americano Brian Kenny veio a Portugal neste Verão - os dois criaram o colectivo Superm, desenvolvendo trabalho em vídeo, fotografia, desenho, grafitti, inatalação e mural. E foi com eles que a Umbigo passou alguns dias a fazer turismo dentro da nossa Lisboa e arredores. De Slava já vos contámos a história. Por isso aqui fica uma das muitas conversas tidas entre o Noobai, o Crew Hassan, a Brasileira, o cais do Ginjal e um quase secreto hostel no Saldanha....

Antes de mais, um esclarecimento acerca de um conceito que será útil no texto que se segue acerca Brian Kenny: wigger. O urbandictionary.com define wigger da seguinte maneira: Um indivíduo caucasiano do sexo masculino, normalmente nascido e criado nos subúrbios, e que demonstra um forte desejo de emular a cultura e o estilo hip hop afro-americano através da moda “bling” e princípios de conduta relativos à chamada “thug life”. A este conceito está também associado, em Portugal pelo menos, o fenómeno tuning.

Afinal de contas o que significa para ti o conceito wigger e o que pretendes dizer sobre isso? É uma crítica? É um elogio ao seu estilo?

Muitas pessoas usam esse termo de uma forma negativa. É como um branco chamar preto a um negro. Eu não vejo as coisas assim. Assumo-me como um wigger, mas viro o conceito de pernas para o ar e aceito-o. Eu gosto de ser um wigger. Não se trata exactamente da cultura negra, mas sim da cultura hip hop, que é muito mais abrangente e já não é uma questão de raça...

Mas podemos ir buscar outras interpretações, também pelo facto de ser um estilo associado a uma etnia... Existe a questão racial neste teu trabalho?

É a cultura hip hop que estes rapazes adoptam, embora isso ainda seja visto de um ponto de vista racial. O hip hop é o rock da minha geração. Cresci com este género musical sempre à minha volta. Na escola toda a gente vestia roupas de hip hop, é natural que eu goste disso. Mas conheço muitos brancos que são relutantes em relação a serem muito óbvios no que diz respeito a gostarem de hip hop porque não querem ser vistos como brancos a fingirem que são negros. E eu acho que isso é muito estúpido. É por isso que uso tanto esse termo. Não o vejo como algo negativo. Tem as suas raízes tradicionais entre as pessoas negras, mas hoje em dia move-se para além disso. Por outro lado, é óbvio que o termo wigger é uma distinção racial, por isso, tentar explicar o termo sem incluir a questão da raça não funciona. A série wigger não pretende falar de barreiras raciais. Fi-lo porque considero-me um wigger, gosto de wiggers e por isso decidi, juntamente com o Slava, fazer uma exposição com esse tema. É tão simples como isso.

E o que há de sexual nisso?

Porque acho os wiggers sexy? Não sei. Porque é que as pessoas acham que os saltos altos são sexy? Acho-os sexy e pronto. Quando se cresce sexualmente, muitos dos pensamentos sexuais têm a ver com aquilo que desejas ser. Quando eu era um miúdo, lembro-me que a maior parte dos rapazes populares da escola - e que eu queria imitar - eram wiggers. Usavam todos roupas largas, eram muito masculinos. A cultura hip hop orgulha-se de ter uma imagem masculina, dura e colorida.

No entanto, tu misturas isso com a cultura gay.

Pois. É isso que me atrai.

Então não estás a enfatizar o aspecto racial do tema, mas sim a cultura urbana e a cultura hip hop em particular... Mas não achas que muitas das pessoas que adoptam esse look o fazem apenas por uma questão de moda, sem terem qualquer noção de todo o background?

Sim, claro. Podem até nao gostar de hip hop. Mas porque tens que ter isso em conta? Se quiseres vestir alguma coisa, veste. Que se lixe.

A introdução de caracteres e palavras russas nos desenhos, o que significa?

Muitos desses desenhos comecei a fazê-los em museus. Outros fiz em conjunto com o Slava, até em aviões. Depois comecei a introduzir caracteres e símbolos russos nos desenhos, que vêm do meu fascínio por ele. À medida que desenhava, reparei que já intruduzia esta caligrafia virtualmente em todos os desenhos. E eu nem sei ler em Russo, apenas escolho as letras e as palavras que me agradam pelo seu aspecto visual. Nem me lembro do seu significado nem do som que fazem. Agora uso estes símbolos em tudo simplesmente porque gosto deles.

Nem tudo no teu trabalho, e nas obras Superm, faz sentido. Muitas vezes parece mais um resultado imediato sem quaisquer conceptualizações...

Em todo o nosso trabalho, nós nunca tentamos planear demasiado. Quanto mais planeamos, pior resulta. A arte que nós fazemos baseia-se na espontaneidade. Quando começo um desenho, não penso muito, limito-me a desenhar e ver o que sai. Isso é muito mais interessante do que tentar inventar um conceito. É triste ver que os outros artistas produzem um tipo de arte que parece muito fabricada. A arte que me interessa, de que eu gosto, é aquela que é pessoal. Fico cansado de ver paisagens, etc. Interessa-me a arte que diz algo sobre o artista. Que o artista fez porque isso significa algo para ele. Muitas vezes estás perante uma peça artística e nao sentes nada. Na minha arte tento fazer apenas aquilo que quero. Desenho apenas aquilo que quero ver. Se me pusesse a desenhar pensando num conceito popular ou algo que os outros quisessem ver, não seria nem de perto tão bom como quando estou a criar algo que sinto.


A atribulada vida de Brian


Brian Kenny nasceu na Alemanha mas foi viver para a América ainda era um bebé. Devido à profissão dos seus pais, viveu no Tenessee, Kansas, Colorado, Novo México, Maryland, Virginia, New Jersey e Nova Iorque. Andou em escolas diferentes todos os anos da sua vida. «O aspecto positivo disso é que me tornei muito bom em lidar com as mudanças, adaptei-me a andar por todo o lado e a conhecer novas pessoas. O lado negativo é que não tenho relações duradouras, não tenho amizades que tenham durado mais de dois anos, não tenho raízes. Uma das questões mais frequentes quando conheces alguém é: de onde és? Não sou alemão, vivi três anos aqui, três anos ali e em sítios muito diferentes, por isso é dificil dizer. Às vezes falo com pessoas que dizem ter amigos que conhecem uma vida inteira, e eu gostaria de saber o que isso é».

Jogou futebol quando era miúdo, mas a experiência mais séria como atleta foi quando praticou ginástica, dos 11 aos 15 anos. Pertencia a um ginásio onde treinava seis dias por semana, três horas por dia e ia a campeonatos. Não era tremendamente bom, mas levava o desporto muito a sério. Entretanto, teve que desistir porque ficou demasiado alto para este desporto. Mais tarde, praticou mergulho e freesbie. A dada altura começou a desenvolver o gosto pela música e entrou numa escola de música. «Quando andava no liceu queria estudar trompete, o que não fiz, mas entrei num coro. Descobri que gostava de cantar e então, quando estava a viver no Novo México, comecei a ter aulas de canto. Depois fomos para Massachussets e ofereceram-me uma espécie de bolsa para ir para uma escola privada de música. Era uma coisa em que eu era realmente bom e nessas alturas, quando descobres uma vocação, tentas segui-la. Mas o meu coração não estava empenhado nisso e foi por essa razão que acabei por desistir. Estava sempre a cantar para velhos, sempre numa língua diferente e músicas que tinham sido escritas há séculos... E não conseguia andar com os meus colegas porque eles eram muito diferentes de mim, eles eram os típicos cantores líricos e eu era um wigger. Mas foi muito bom andar nesta escola pois aprendi muito sobre música, o que mais tarde apliquei quando comecei a fazer música electrónica. Hoje faço todas as músicas para os nossos vídeos. Mas não penso em fazer música apenas. Acho que a minha música é um complemento da minha arte».

Depois de todas estas experiências, Brian conseguiu um emprego numa empresa em New Jersey, mas não resistiu muito tempo. «É horrível trabalhar numa empresa, dentro de um edificio enorme, num cubículo a fazer trabalhos que não me diziam nada. E gastar a tua vida e toda a tua energia num emprego desses não vale a pena». Finalmente, a empresa mudou-se e havia a possibilidade de sair ou ser deslocado para West Virginia. «Decidi acabar com tudo. E foi nessa altura que conheci o Slava. Foi mesmo na altura certa. Ele apareceu e eu fiquei completamente deslumbrado porque ele vivia a sua vida, ganhava o seu dinheiro a fazer o que lhe apetecia e a expressar as suas ideias. Senti que era o meu despertar e foi então que recomecei a desenhar e a fazer arte. Mudei-me para Nova Iorque e em 2004 fui viver com o Slava».

E para acabar a estrevista... Como é que decidiste finalmente enveredar pela carreira artística? E como evoluiram os desenhos pelos quais começaste?

Acho que os meus desenhos só começaram a ficar mesmo muito bons no ano passado. Foi quando abandonei todas as minhas ideias anteriores e conceitos e comecei a criar coisas mais pessoais e interessantes. Ao mesmo tempo, tinha medo de fazer um monte de porcarias mas decidi desenhar na mesma, embora sem mostrar a ninguém e sem me preocupar. No entanto, quando olhei para os desenhos achei que eram os melhores que já tinha feito. E por isso continuei e agora sinto-me confiante para trabalhar e expôr em museus e galerias. E sinto que mais tarde ou mais cedo, estes desenhos darão lugar a pinturas.

E daí para os Superm com Slava Mogutin...

Tivemos a ideia de criar o colectivo Superm no ano passado. Basicamente porque começámos a trabalhar sempre em conjunto e porque ambos trabalhamos individualmente temas que se interligam. Primeiro ele mostrava as fotografias e eu os desenhos, mas depois chegámos a um ponto em que desenhávamos e faziamos vídeos juntos, ele tirava fotografias enquanto eu fazia os vídeos e já não funcionávamos separadamente.


Revista Umbigo, Setembro 2006

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