terça-feira, 4 de janeiro de 2011

São Trindade


São Trindade só expõe individualmente as suas fotografias há seis anos, mas apresenta um corpo de trabalho impressionante. Entre registos autobiográficos e tributos aos amigos, vai trilhando o seu percurso sem ambições desmedidas. Mesmo assim, é a autora de uma das melhores exposições de fotografia de 2010, “The Tailor”. Um trabalho que indica um valor a observar daqui em diante.
Enquanto as raparigas boazinhas vão para o céu, São Trindade vai para todo o lado. O trabalho desta fotógrafa (nascida em Coruche em 1960) não é, por definição, leve. É mesmo denso e por vezes sujo, como a vida. Mas tem zonas de claridade. As imagens que apresenta saem-lhe das entranhas, sem subterfúgios nem meias palavras. O corpo que retrata é o seu, por vezes como um objecto em performance, outras denotando um abandono, um sentimento de desolação. Mesmo através das suas personagens, São Trindade retrata sempre as suas misérias pessoais, as suas paixões, as suas derrotas ou os afectos que vai consolidando. É um ser humano, antes de ser artista.
Se São Trindade não for nomeada para o Prémio BESphoto pela sua exposição “The Tailor”, na Galeria VPF Cream Art, é porque os membros do júri andaram distraídos este ano. A artista (cuja primeira mostra em nome individual acontece apenas em 2004) entregou aos olhares do público uma exposição de fotografia que não se ficou por esta definição. Foi uma instalação, uma exploração pictórica sobre os limites entre a fotografia e a pintura, sobre a própria história da fotografia e até tocando no auto-retrato, tudo isto arrumado num projecto coerente e sem falhas.
São Trindade fez o curso de Pintura, mas nunca “exerceu” a actividade, enveredando logo pela fotografia. “Comecei a perceber que a pintura não servia para dizer as coisas que eu queria da maneira que eu queria. Tinha uns amigos fotógrafos e aprendi com eles a revelar filmes e comecei a fazer experiências com fotogramas e objectos. O interesse pela fotografia foi crescendo. Não sabia bem como fazer, mas percebi que era importante para mim e que servia para eu dizer as coisas de outra maneira.” Mas a pintura não ficou de lado na vida de São. Continua a fazer, como diz, “muito desorganizadamente”, livros de artistas em que junta colagens, desenhos, pinturas e outras técnicas.
O interesse pelo cinema é algo que também sente desde sempre. No seu trabalho há uma relação constante com o cinema. “Tenho a tendência de fazer trípticos e dípticos com as imagens que muitas vezes nem sequer contam uma história. Na edição tendo a agrupar as imagens.” Este espírito foi mais óbvio quando realizou, em 2009, a exposição “Kglamour” na Kgaleria. Tratava-se de um projecto específico sobre o aniversário da galeria e continha em si o espírito da época dourada de Hollywood, retratando os seus amigos envolvidas no colectivo Kameraphoto.
Voltando ao leitmotiv do seu trabalho: o auto-retrato. Uma das grandes razões porque São se fotografa é porque a maior parte dos projectos que faz tem a ver com as suas experiências, com as suas vivências, a sua vida. “Só há uma hipótese: tenho de ser eu, senão soa-me a falso.” Sendo quase sempre a fotógrafa quem aparece nas imagens, quem nós vemos nas fotografias pode ser a São Trindade, mas também pode ser uma personagem. No entanto, essa personagem vive dentro do corpo de São e por ela foi criada, por isso, até que ponto se pode dizer que essa personagem não se identifica com a fotógrafa? “Acabo por ser sempre eu”, admite.
A expectativa fica no ar sobre qual o próximo capítulo nas imagens de São Trindade: “Não gosto muito de falar nas coisas que vou fazer. Quando o faço há qualquer coisa que sai e que depois faz falta para concretizar...”

Sem comentários:

Enviar um comentário