sexta-feira, 24 de junho de 2011

João Leonardo - One hundred and six columns, four heads and one table


João Leonardo é um artista respigador do vício mortal do fumo, o seu e o dos outros. Tem como hábito passar o tempo a guardar beatas de cigarros: as que acaba de fumar e as que encontra no chão. Com isto consegue a matéria-prima para o seu trabalho e ainda faz o favor de contribuir para a eliminação destes resíduos nas ruas, resultando na sua reciclagem em obras de arte.

A exposição que tem patente na Galeria 111, “One hundred and six columns, four heads and one table”, é toda ela feita não de óleo ou acrílico sobre tela, não de pedra, de bronze ou ferro, nem de papel ou carvão, mas sim, de cinza, tabaco e beatas. Um ciclo de vício, prazer, morte e transformação opera-se nas mãos deste artista.

Há três maneiras de olhar para a exposição de João Leonardo. Uma delas é optar pela apreciação dos aspectos formais das obras. Outra é o aspecto do processo de criação, exposto no centro da sala como se fosse um laboratório. Outro ainda está ao nível das ideias que se criam em quem observa, ao deparar com o material de que são feitas estas peças.

Ao nível formal há a salientar um aspecto repetitivo e de criação de padrões em série, ou um depuramento de cores e blocos cromáticos. Isto relaciona-se com o minimalismo. Torna-se mais claro quando vemos duas caixas altas em acrílico, uma delas castanha e outra cinzenta. São, de facto, tabaco fumado e tabaco por fumar. De um lado, as folhas secas, de outro as folhas em cinza. Mas o aspecto inicial são dois blocos monocromáticos. Pode-se também falar de uma peça em que aparece milhares de vezes a frase “breathe in, breathe out”, escrita à mão e pintada por cima com nicotina em estado líquido. Ou de duas molduras onde estão composições monocromáticas feitas com beatas castanhas, brancas e até pretas que salpicam o bloco de cor aqui e além. João Leonardo vai ao ponto de pintar auto-retratos em beatas ou com extracto líquido de nicotina. Será uma identificação do autor como alguém que tanto é capaz do prazer como da morte? A busca da virtude pelo vício, como dizia o Marquês de Sade? Estes são exemplos de poesia feita em cinza e fumo. Mas a exposição não se resume a exercícios pictóricos, pois há também escultura. Leonardo cria cabeças construídas em beatas fumadas e coladas umas às outras. É o vício do fumo que cria retratos anónimos tridimensionais.

O sentimento geral desta exposição traz à memória a pintura de vanitas, uma tradição europeia muito praticada na Holanda nos séculos XVI e XVII. Salientava a fugacidade da vida e o carácter efémero dos prazeres mundanos. Geralmente representava objectos de luxo e prazer, flores, frutos e instrumentos musicais, fazendo par com caveiras. A mensagem geral era um apelo à valorização do nosso tempo de vida e um sublinhar das vaidades e futilidades como passageiras. No caso da obra de João Leonardo, ela mostra os testemunhos de um momento já acabado: as cinzas de uma inspiração e os restos de um vício. Com eles cria pequenos monumentos de homenagem a um prazer que já morreu e que pouco dura de cada vez que se acende.

Miguel Matos

“One hundred and six columns, four heads and one table” está patente na Galeria 111 (Rua João Soares, 5-B) até 30 de Julho.

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