sábado, 25 de abril de 2009

David LaChapelle



«Nao tenho qualquer interesse na fama

David LaChapelle

Por Miguel Matos

David LaChapelle é um dos mais famosos fotógrafos da actualidade. Nasceu em 1969 e, enquanto bebé, era fotografado pela sua mãe, envergando umas asinhas de anjo feitas em papel. Certa vez, a mãe fotografou-o com roupas inspiradas no filme Música no Coração, em frente a mansões de pessoas desconhecidas. Enquanto jovem, LaChapelle era apenas um puto com más notas e desprezado pelos colegas da turma na sua terra natal, North Carolina, América. Passava o dia em aulas de artes plásticas (as únicas em que obtinha bom aproveitamento) na North Carolina School of Arts, e vestia as roupas mais bizarras que podia, com uma grande influência da música punk e disco. Assumia-se clara e coloridamente gay e era considerado um freak. «As pessoas atiravam-me comida na cantina porque eu me vestia de maneira diferente. (...) Chamavam-me maricas. Houve alturas em que eu já não conseguia aguentar mais», revelou à revista The Advocate.


«O meu trabalho baseia-se totalmente na fantasia. Fugir para o mais longe possível da realidade.»


Um dia, cansado de tudo isto, fez as malas e rumou a Manhattan, onde se sentiu de imediato entre os da sua espécie. Gente diferente, criativa, enérgica e com um apetite devorador pela vida. Nessa altura, a meca das celebridades, freaks, chiques e outros que tais era o Studio 54, e foi lá que David foi parar, acabando por trabalhar no clube. Certo dia, encontrou um brinco no chão e com ele comprou a sua primeira câmara (veio a saber mais tarde que a jóia pertencia a Paloma Picasso). A ambição da fotografia levou-o a ingressar na Arts Student League e na School of Visual Arts. Mas a loucura não o abandonou e as suas companhias preferidas eram Michael Clark, Leigh Bowery e os infames Club Kids. «Não fazia ideia que este círculo era considerado como o “epicentro do cool”. Toda essa loucura criativa... Eu pensava que era assim que a vida era depois de se deixar a escola». Um dia, nos bastidores de um concerto dos Psychedelic Furs, no Ritz, travou conhecimento com Andy Warhol. As cartas estavam na mesa e a sorte a seu favor...


«Adoro todos os tipos de exibicionistas ou pessoas doidas.»


Andy Warhol era o director da mais excitante revista saída de Nova Iorque, a Interview. Era o sonho de David poder fazer parte daquela equipa e foi Warhol quem primeiro detectou o seu talento. A explosão de loucura que era a Big Apple no início dos 80’s nunca deixou de influenciá-lo. E a fantasia que se vivia todas as noites no Studio 54 é parte importante disso. No entanto, como disse à Black Book, o revivalismo não o fascina: «Acho que somos sempre um produto daquilo com que crescemos. Acho que esse tempo me inspirou. Mas não me interessa ver um filme sobre isso ou ler acerca de tal assunto. É mesmo entediante. Quer dizer, quem snifou coca com a Liza [Minelli]? Quem é que quer saber disso? Vejam o que lhe aconteceu. Vejam o que aconteceu a todos eles. Muito poucas pessoas saíram daquela fase».


«O meu trabalho baseia-se em encontrar a beleza no banal e tornar o vulgar em extraordinário. Quero alargar a ideia de realidade e ajudar as pessoas a sentirem que tudo é possível.»


Em 1984, David fotografava regularmente para a Interview sob a direcção de Warhol, cuja única exigência era: «toda a gente deverá parecer bela». Princípio que LaChapelle cumpre religiosamente até hoje. Trabalhou furiosamente até à morte de Warhol, em 1987. E como é hábito, entram novos directores, saem talentos. La Chapelle foi despedido e durante dois anos andou perdido. Pouco antes, o azar já lhe tinha batido à porta: o seu namorado morreu com SIDA, alterando drasticamente as fotografias tiradas a partir de então. Como contou à revista Ocean Drive, «Eu estava muito assustado (...) Fazia montes de imagens de anjos e pensava no Céu. Parei mesmo de trabalhar. Mas durante esse tempo aprendi a trabalhar a cores e depois, anos mais tarde, consegui usá-las e divertir-me de novo. Os 80’s foram os anos do preto-e-branco de Bruce Weber, Ellen von Unwerth, Herb Ritts, e eu andava a lidar com muita tristeza e melancolia. A cor representa uma perspectiva mais alegre e, nos anos 90, queria fazer fotografia de outra maneira». E foi a partir daí que a loucura cromática que conhecemos do seu trabalho se tornou o seu paradigma visual. Mas as máfias da moda e da fotografia rejeitavam esta estética. David parecia estar com a carreira no fim, com pouco mais de 23 anos. Até que o director da (fabulosa) revista Details o repescou...


«Quero que todas as pessoas que eu fotografo pareçam estrelas de cinema ou de rock. Não quero expôr os seus defeitos, rugas ou borbulhas. Quero mesmo é fazer com que pareçam espantosas.»


Uma das fotografias de que LaChapelle mais se orgulha é a que mostra dois marinheiros a beijarem-se perto de um navio. A visionária marca Diesel pegou nessa imagem e utilizou-a como publicidade aos seus jeans. Foi mais um passo para que David se visse publicado por todo o mundo. As encomendas nunca mais pararam desde então (Vogue, Vanity Fair, Rolling Stone e I-D são clientes habituais, assim como foi a The Face). E deste Tupac a Madonna, de Amanda Lepore a Eminem, passando por Pamela Anderson, Uma Thurman, David Beckam, Paris Hilton, Hillary Clinton e Britney Spears, poucas são as celebridades internacionais com C e I grandes que não foram fotografadas por este génio. A revista American Photo elegeu-o como uma das dez pessoas mais importantes na fotografia. O lendário Richard Avedon disse um dia: «De todos os fotógrafos que inventam imagens surreais, é o Sr. LaChapelle quem tem o potencial para ser o Magritte do género». E apesar dos tempos mais difíceis pelos quais passou, o reconhecimento é quase unânime, com prémios que vão desde o International Center of Photography Infinity Award, ao VH1 Fashion Award.


«Vestir muitas roupas pode ser limitativo. A nudez é libertadora, lembra-me de uma certa liberdade de atitude; é dizer que não nos vamos acomodar».


A sensualidade é um elemento omnipresente nas imagens de LaChapelle. Mesmo quando fotografa celebridades, consegue sempre arrancar-lhes o pedaço de tecido que esconde a sua verdadeira personalidade. Ele já despiu meia Hollywood, muitas vezes revelando feras sexuais em actores low profile. Apenas Madonna, surpreendentemente, se recusou a tirar a roupa perante a sua objectiva. Entre os artistas que toma como mestres, é Guy Bourdin quem mais o influenciou (sendo, no entanto, obrigatório mencionar também Fellini, Helmut Newton e Diane Arbus). E a estética destes é perfeitamente reconhecível. Mas a outra grande fatia de influência é a da Arte Pop, que observamos na forma como David recorre a elementos da vida quotidiana e do consumismo, em especial.


«Odeio a ideia de bom gosto na fotografia e na arte.»


E depois de anos a explorar a imagem parada, LaChapelle seguiu a exploração da sua mente fervilhante através do vídeo. Começou com um pequeno filme para a MTV, depois um videoclip para os Dandy Warhols e um spot para Giorgio Armani. Depois seguiram-se Christina Aguilera, Britney Spears, entre outros. Estreou-se no documentário com Rize, um filme sobre a dança/fenómeno cultural/social Krumping. Choveram prémios como o do Festival de Aspen para melhor documentário e uma menção honrosa no Festival de Sundance. Mas é de fotografia que este texto fala, pois acaba de ser lançado pela Taschen o livro Artists and Prostitutes. Uma compilação das melhores imagens, em espécie de retrospectiva. 688 páginas em tamanho XL e impressas com a mais avançada técnica de modo a suportar a saturação de cor típica de LaChapelle. São apenas 2500 cópias para todo o mundo, assinadas e numeradas pelo autor. Já era estranho a Taschen não ter dedicado até agora um livro a este homem. Mas entrar nesta aventura sairá caro: controlem esses instintos, pois cada exemplar custa a simpática quantia de 1500€!!!


Umbigo, Março 2006

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