terça-feira, 28 de abril de 2009

Lara Torres - Experiências entre a moda e a arte



Hoje visitei a Lara no seu atelier... Aqui vai o texto que escrevi sobre ela há um ano sobre “Fac Simile / Mimesis”:

A impressão da vivência pessoal marcada numa camisola. Os vestígios de um relógio. A reminiscência do tempo numa camisa já usada... O vestuário como registo de memórias é o ponto de partida para a exposição “Fac Simile”, de Lara Torres. A roupa como comunicação não verbal, como primeira camada pessoal. “Relacionamos as roupas com a altura em que foram adquiridas, com acontecimentos ou com determinadas épocas”, diz a criadora. É daqui que tudo parte para frames tridimensionais em tecido, porcelana, látex e prata.

Finalizado o curso de moda, Lara Torres, venceu o concurso Sangue Novo da Moda Lisboa, que lhe possibilitou estagiar durante três meses com Alexander McQueen, em Londres. Voltando a Portugal, apresenta colecções regularmente na Moda Lisboa. Mas o trabalho que Lara apresenta esta semana, apesar de se basear num conceito de vestuário, pouco tem de moda. O projecto “Fac Simile” é realizado em conjunto com Mário Nascimento (ceramista) e Catarina Dias (joalheira). “Desde 2005 que desenvolvo uma investigação sobre a relação entre o vestuário e a memória. E embora as colecções possam ter um aspecto diferente, é sempre a mesma base de pesquisa.”

Fac Simile” representa o caminho percorrido até chegar a uma colecção de moda. Só que esta experiência inscreve-se num outro domínio de interesse, com uma linguagem mais aparentada com as artes plásticas. “Para mim todas essas fronteiras e separações não fazem sentido. Quando faço uma exposição estou a utilizar um formato que não pertence à moda e sim às artes plásticas, mas porque existe um conteúdo que precisa dessa forma. Quero resolver o problema da relação das pessoas com a moda quando a encaram como uma futilidade. Quero atentar contra isto, porque me incomoda. Por ser vestuário, as pessoas tendem a pensar que o meu trabalho é pouco sério.

Assim, decidi mostrar tudo o que foi feito antes de concretizar este projecto que culmina na Moda Lisboa com a performance “Mimesis”. A exposição é feita no meu atelier e mostra as coisas que correram mal, as experiências, os fracassos. Na moda, normalmente apenas se vê o produto final, mas o processo é o mais importante. Decidi mostrá-lo para que as pessoas percebam por-que é que a minha roupa lhes pode parecer tão estranha.”

Os três criadores juntaram as áreas de forma a que se perdessem os contornos entre elas. Isto foi possível porque Lara Torres conseguiu um apoio da Direcção-Geral das Artes, o que já de si denuncia não só o carácter peculiar de “Fac Simile”, como a abertura que começa a haver nas instituições estatais. Lara não se proclama artista, mas utiliza as ferramentas da arte. Por outro lado, as peças expostas são objectos e não roupas. Não se destinam a ser usadas no corpo e possuem uma profundidade plástica e conceptual que transformam o todo num conceito artístico, uma entidade híbrida, experimental e transversal (características da arte contemporânea).

Faz sentido investigar o lugar do vestuário e a sua relação com o homem. A questão da memória tem a ver com isso. Comecei a pensar nesta ideia quando vi uma foto-reportagem sobre os conflitos na Bósnia, acompanhando os destroços do que tinha acontecido. Impressionou-me brutalmente. Era uma recolha dos corpos e das peças que os podiam identificar. Havia mortos e sacos com objectos pessoais, roupas. Por vezes só através do vestuário é que os familiares conseguiam identificar as vítimas. Foi daí que parti para a investigação da memória e da identidade. Uma busca quase arqueológica em que cada camada de trabalho oferece conhecimentos e descobertas sobre os próprios materiais.”

Um inventário de fragmentos e objectos íntimos, como memórias desfocadas com o passar do tempo. “Fac Simile” é uma exposição surpreendente e poética.

Time Out, 4 de Março de 2008


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