quinta-feira, 16 de abril de 2009

Erwin Olaf - O Belo Entre a Sombra e a Luz



Erwin Olaf

O Belo entre a Sombra e a Luz

por Miguel Matos

Vivemos num mundo em que tudo tem de ter glamour e tudo tem de ser sexy. As páginas da Vogue exibem peles de animais mortos como galardões de estilo e status. A revista inglesa WIG publica um editorial de moda com o título de Chernobyl Chic e mesmo a Umbigo apresenta Executive Crash, uma produção fotográfica com próteses servindo de acessórios glam... Temos septuagenárias que tudo fazem para parecerem adolescentes. Os adolescentes vivem fechados num telemóvel. A crueldade atrai e a ironia faz parte do quotidiano. É um festim louco de desejos inatingíveis e de frustrações levadas ao epíteto de ambições socialmente obrigatórias. Um circo de palhaços tristes e animais transgénicos que o fotógrafo holandês Erwin Olaf decompõe em imagens de carácter cínico e quase psicanalítico.

Em que pensam as jovens cheerleaders desanimadas, imóveis num ginásio gigantesco? Porque não reagem as personagens da barbearia? O que paira no ar de tão inquetante em Hope e Rain? «Quando estava a fotografar comecei a pensar no mundo, com os recentes acontecimentos negativos, como o 11 de Setembro, o aquecimento global, etc... Nós estamos entre a acção e a reacção. Na série Rain, e talvez mais fortemente em Hope, sobressai este sentimento. É um momento muito passivo entre duas acções. Como um rapaz a quem a rapariga diz que já não o ama. E este é o momento antes de ele conseguir dizer alguma coisa, antes da reacção», explica Erwin Olaf à Umbigo. Trata-se de um conjunto de fotografias que nos fazem lembrar as clássicas imagens do pintor Edward Hopper, mas não foi esta a ideia inicial do artista: «Quis fazer algo dentro do estilo do pintor Norman Rockwell, algo muito alegre, que celebrasse a vida. Mas à medida que ia trabalhando e fotografando, ia ficando cada vez mais triste porque comecei a perceber que este mundo nostálgico já não existia e nunca mais regressaria, nem mesmo no meu estúdio. Então, à medida que o processo se desenvolvia, deixou de ser tanto Norman Rockwell para se tornar mais em Edward Hopper. O projecto transformou-se. Isto acontece sempre quando faço o meu trabalho livre. Tenho uma ideia, começo a trabalhar e a partir daí avança pelo seu próprio pé, sem a minha influência».

As imagens de Olaf parecem vindas de um tempo incerto, o que contribui ainda mais para a sua ambiguidade e por vezes traz um toque adicional de nostalgia. «Dá-me mais liberdade. Quando faço fotos com roupas ou penteados de hoje em dia parece que estou a fazer um editorial de moda e eu não quero isso. Não quero ser distraído por coisas de moda». A ambiência da maior parte das obras é cinematográfica, narrativa mas nunca conclusiva. «A maior parte das minhas raízes vem dos anos 70, 80. sou muito mais influenciado pelo cinema italiano, como Visconti, Pasolini, Fellini, assim como o cinema alemão de Herzog e Fassbinder. Estes realizadores influenciaram-me muito mais do que os recentes».

Mature é um dos trabalhos mais irónicos do fotógrafo. Nestas imagens, belas mulheres de rugas pronunciadas e barrigas que cederam já ao poder da gravidade mostram-se orgulhosas do seu corpo. Mas a série que pretendia ser uma exaltação da beleza e uma reflexão sobre a idade não foi bem entendida por alguns... «Muitas pessoas duvidam seriamente desse trabalho. Não foi um sucesso comercial, especialmente nos Estados Unidos. Mature diz algo sobre mim, sobre o facto de estar a envelhecer e a ficar mais maturo. O ponto de partida tinha a ver com o facto de eu estar a fazer 40 anos e julgava que estava a ficar muito velho. Tive esta ideia porque nessa altura andava a observar livros de fotos de pin-ups dos anos 40, 50 e 60. Acho-os muito interessantes porque são meio desenho meio pintura, e brincavam com o tema do sexo sem nunca o mostrar... Então estava eu a fazer 40 e a imaginar o artista a dizer à rapariga que estava a fazer o trabalho de pin-up: “fica assim, mantém-te nessa pose, mas eu tenho que ir comprar um maço de tabaco. E então ele desaparecia e voltava 40 anos depois...». A reacção inicial do público a Mature não foi boa, mas em Espanha, Itália, Holanda e França foi considerado um “breakthrough” porque o trabalho de Erwin Olaf começou a ser levado mais a sério. Todavia, nos países anglo-saxónicos como a Inglaterra, nos Estados Unidos e na Austrália, as dúvidas acerca da série pairavam.

A idade é realmente um tema tabu nesta sociedade da juventude a todo o custo. «Mas apesar de velhas, estas mulheres continuam a ser bonitas, é essa a mensagem... Em todos estes anos em que eu sou fotógrafo, tenho fotografado muitas pessoas que não são manequins, gosto de fotografar pessoas mais velhas e especialmente mulheres. Elas têm um humor muito específico e conseguem ter uma atitude cínica em relação ao seu corpo e à sua vida. Quando cheguei aos 40 pensei em celebrar essa idade e por isso tornei-as mais sexy», explica o fotógrafo.

O olhar peculiar e sofisticado de Erwin Olaf tem em si todos os elementos necesários para produzir imagens de alto impacto e eficaz comunicação. Isto aplicado ao seu lado mais artístico e livre fez com que ele se tornasse muito solicitado por importantes marcas mundiais para criar campanhas publicitárias. Aliás, isto nada tem de surpreendente uma vez que a boa publicidade vai sempre roubar ideias à arte contemporânea, assim como a boa arte está sempre relacionada com o mundo que nos rodeia. No entanto, Olaf consegue equilibrar estes dois lados profissionais: «estou muito contente com o rumo que a minha carreira tem tomado em relação à arte e à publicidade: ambas se influenciam reciprocamente de forma positiva. Por exemplo, se se olhar para Mature, no ano anterior eu tinha fotografado para a Diesel uma mulher a agarrar num velho pelos tomates. Essa campanha teve muito sucesso. E isso levou-me a querer fazer mais coisas com mulheres maduras. Mais tarde fotografei Royal Blood - jovens belos num fundo branco e imediatamente tive encomendas de todo o mundo para reproduzir a técnica que tinha sido utilizada».



A arte muitas vezes toma caminhos inesperados, revelando até mesmo ao seu autor significados e funções apenas presentes no seu subconsciente. O mesmo se passou com Separation, uma série em que num ambiente escuro vemos duas personagens, dois vultos de negro que tentam relacionar-se. Ambos estão vestidos em borracha negra (material fetichista e que nos priva do sentido do tacto), mas o sentimento que paira é tudo menos sexy. De facto, trata-se de mãe e filho e independentemente de todas as interpretações adicionais que os nossos cérebros e corações possam criar, eis a explicação de Erwin: «Tive a ideia de fazer uma série de uma mãe com o filho ambos vestidos de borracha, que para mim é uma metáfora para a solidão, de estar isolado daquilo que nos rodeia. Comecei a trabalhar e quando acabei, com as obras terminadas e em exposição no meu estúdio, eu estava sozinho a observá-las e emocionei-me. Lembrei-me então de todas as questões complicadas do meu passado, como por exemplo, na escola quando os outros rapazes não gostavam de mim, ninguém me aceitava e eu tinha que brincar sozinho. Isso causava-me uma sensação de isolamento... Aos oito anos de idade isto cria um sentimento de solidão... até aos 13, o que significa que foram cinco anos de isolamento... então, quando terminei Separation, senti que com esta série eu tinha conseguido exorcizar os pequenos demónios do meu passado».

Por toda a obra de Erwin Olaf, principalmente nos seus trabalhos mais antigos, o sexo e a beleza são temas omnipresentes, de forma mais ou menos óbvia, de forma mais ou menos chocante... Estamos a falar de uma carreira extremamente prolífica, com um vasto número de imagens inesquecíveis. E a acompanhá-las está sempre um toque de ironia, de crítica, de provocação. Em Le Dernier Cri, originalmente um pequeno vídeo, duas personagens femininas exibem aquilo que se poderia chamar de cirurgia estética extrema – fazendo lembrar as experiências artísticas radicais de Orlan (Umbigo #3). As duas ostentam com orgulho os acrescentos estéticos que implantaram no rosto. Uma crítica à cirurgia estética? Olaf é um fotógrafo de arte, de moda, de publicidade. Então porque está ele sempre a jogar com uma faca de dois gumes? «Não posso criticar muito o sistema da beleza porque eu próprio ganhei dinheiro com isso, portanto seria uma hipocrisia. A nossa indústria da beleza é tão decadente e cada dia que passa torna-se mais enlouquecida porque todos nós temos que parecer perfeitos. É por isso que eu fiz a série Le Dernier Cri, imaginando o que acontecerá no futuro com o conceito de beleza. Um dia será considerado belo ter um bloco de cimento implantado na cabeça ou no rabo. Esta ideia foi influenciada por pessoas como Amanda Lepore (Umbigo #13) e Jocelyn Wildenstein».

Erwin Olaf nasceu em 1959 em Hilversum, Holanda. A sua formação inicial foi de jornalismo mas em 1980 coneçou a trabalhar em fotografia como assistente de André Ruigrok. Aos 22 anos teve o primeiro contacto com o trabalho de Robert Mapplethorpe e Paul Blanca, o que o impulsionou a seguir o impulso da imagem. Não tardou muito até conseguir editar as suas primeiras fotos em publicações gay como The Advocate, British Gay Times e outras. A par com o trabalho regular em revistas, começou a trabalhar para cinema e editoras de música. O desenvolvimento artístico e conceptual levou-o a expor em galerias e em 1988 recebeu o primeiro prémio do Young European Photographer, expondo a série Chessmen no Museu Ludwig em Colónia. Em 1992 já expunha ao lado de artistas de renome como Cindy Sherman, Joel Peter Witkin, Pierre et Gilles, assim como o inspirador Mapplethorpe.

Os sucessos e pequenos escândalos causados pelas suas imagens fortes fazem com que tenha encomendas de toda a Europa. Em 1995 cria a série Mind of Their Own, retratos de pessoas com deficiência mental. No ano seguinte tem a experiência de criar obras para uma casa de banho pública do arquitecto Rem Koolhaas em Groningen e fotografa um projecto para a prisão de Zutphen. A versatilidade e diversidade do seu trabalho é demonstrada mais uma vez em 1997 com a série que faz para o Instituto Dennendal para deficientes mentais, assim como o portfólio de fotos do designer Walter van Beirendonck (Umbigo #17) publicado na revista View on Color e mais tarde a campanha de jeans Diesel premiada em Cannes. Em 1999 vemos o seu trabalho mais comercial para Levi's, Silk Cut, Hennessey Cognac, Laurent Perrier e Rifle. A par disto realiza a primeira grande série Mature, depois Royal Blood, talvez a mais conhecida, em que aparece uma jovem parecida com a princesa Diana com uma ferida causada pelo símbolo Mercedes. Camel, Nokia, Nintendo, Virgin e Energie são as marcas que se seguem, reconhecendo o seu génio e aplicando-o ao mundo da publicidade. Tanto na Europa como na América, são muitas as exposições colectivas e individuais assim como editoriais de moda em revistas de prestígio como a Citizen K. Separation é a série que apresenta em 2003, ano em que produz uma gigantesca instalação fotográfica no tecto da embaixada holandesa em Varsóvia, encomenda do Ministério dos Negócios Estrangeiros. O calendário Lavazza de 2005 foi da sua responsabilidade, o que o ajudou a ser famoso mundialmente. A actividade frenética continua e pode ser apreciada no completíssimo site www.erwinolaf.com

Umbigo, Setembro 2007

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